Cultura
Sapucaí: Rio leva questões de gênero, políticas e religiosas para a avenida
Temas como ‘Jesus Negro’, fake news e críticas a Crivella e Bolsonaro se encontram no carnaval carioca
As escolas do samba do grupo especial do Rio de Janeiro entram na Marquês de Sapucaí no domingo 23 e na segunda-feira 24. Quem for acompanhar os desfiles, pode esperar temas que dialogam com o contexto social e político do País e convidam para a reflexão. CartaCapital selecionou alguns dos sambas-enredos mais politizados para que você conheça.
Domingo, 23
Viradouro
Segunda a pisar na passarela, a escola dos carnavalescos Tarcisio Zanon e Marcus Ferreira terá o tema “Viradouro de Alma Lavada”, que faz homenagem ao Ganhadeiras de Itapuã, grupo nascido em 2004 e que tem como objetivo homenagear mulheres que nos séculos 19 e 20 lavavam roupa para garantir o sustento da família ou saíam com seus balaios a pé para vender peixe pela cidade. As ganhadeiras recontam essas histórias em forma de cantigas e samba.
Mangueira
Com o tema “A Verdade vos Fará Livre”, a escola vai contar a história de um Jesus negro, vindo do Morro da Mangueira. A ideia do carnavalesco Leandro Vieira, juntamente com os compositores Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo, é protestar contra o extermínio das pessoas das comunidades. “Nasceu pobre e sua pele nunca foi tão branca quanto sugere sua imagem mais popular. Sem posses e mais retinto do que lhe foi apresentado, andou ao lado daqueles que a sociedade virou as costas oferecendo-lhes sua face mais amorosa e desprovida de intolerância”, diz a sinopse do samba-enredo da escola.
Grande Rio
Com o samba-enredo “Tata Londirá: o canto do caboclo no quilombo de Caxias”, a escola contará a história do babalorixá Joãozinho da Gomeia, que teve forte atuação em Duque de Caxias, cidade da escola. Falecido em 1970, Joãozinho era negro, nordestino, gay, espírita, dançarino e midiático, e também sofreu perseguição política e religiosa, temas que serão criticados ao longo do desfile. A escola virá sob o comando dos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora.
União da Ilha
Com o tema “Nas encruzilhadas da Vida, entre becos, ruas e vielas; A sorte está lançada: Salve-se quem puder!” a escola fará uma crítica social acerca dos problemas enfrentados pelas favelas cariocas, muitas vezes os mesmos da periferia de outras grandes cidades do país, como São Paulo e Belo Horizonte. “Os problemas são tão graves que já não afetam apenas as camadas mais pobres da sociedade. Agora, corroem os calcanhares da classe média também. A tal pirâmide social está ruindo e os pedaços caem sobre nós”, diz trecho da justificativa do enredo da União da Ilha, comandada pelos carnavalescos Fran Sérgio e Cahê Rodrigues.
Portela
A escola levará para a avenida o tema “Guajupiá, Terra Sem Males” para retratar a história de indígenas que viviam no Rio de Janeiro antes da chegada dos colonizadores. Os carnavalescos Renato Lage e Márcia Lage trarão elementos sociais, culturais, religiosos e políticos dos primeiros indígenas do território, misturando-os ao atual cenário político, tecendo críticas indiretas a Bolsonaro e Crivella. “Índio pede paz, mas é de guerra. Nossa aldeia é sem partido ou facção. Não tem “bispo”, nem se curva a “capitão”, diz um trecho do samba.
Segunda-feira, 24
São Clemente
A escola leva para a avenida o samba-enredo “O Conto do Vigário” que, a partir da história de um padre que trapaceou outro para ganhar uma imagem de Nossa Senhora, conta de maneira irreverente a história dos trambiques brasileiros. Tendo entre os seus criadores o humorista Marcelo Adnet, e sob o comando do carnavalesco Jorge Silveira, a escola não deixa de citar o atual contexto político e social do País, caso do trecho que diz: “Brasil, compartilhou, viralizou, nem viu! E o país inteiro assim sambou. Caiu na fake news!”
Vila Isabel
A partir do tema “Gigante pela própria natureza: Jaçanã e um índio chamado Brasil”, e sob o comando do carnavalesco Edson Pereira, a Vila Isabel contará a história de Brasília a partir de uma lenda indígena. É como se o Distrito Federal tivesse nascido para levar esperança aos povos da terra, onde vive o indiozinho Brasil.
Salgueiro
Com o enredo “O rei negro do picadeiro”, do carnavalesco Alex de Souza, a escola vai reverenciar Benjamin de Oliveira, o primeiro palhaço negro do Brasil, que completa 150 anos de nascimento este ano. Ao contar a sua trajetória de vida de trupe em trupe, superando dificuldades, a escola quer mostrar que a alegria do palhaço pode ser instrumento de resistência ao racismo e à desigualdade. “A luta me fez majestade, na pele, o tom da coragem, pro que está por vir… Sorrir e resistir!”, traz um trecho do samba-enredo.
Mocidade
A escola terá como homenageada a cantora e compositora Elza Soares. O samba-enredo “Elza Deusa Soares”, que tem entre as compositoras a cantora Sandra de Sá, contará a história de vida de Elza e, a partir dela, falará sobre questões de gênero, desigualdade social e racial. A letra ressalta a história de uma mulher negra que, com sua voz, “amordaça a opressão”. Depois, lembra o nome do novo disco da cantora: “Brasil, esquece o mal que te consome; que os filhos do Planeta Fome não percam a esperança em seu cantar”.
Um minuto, por favor…
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.
Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.
Assine a edição semanal da revista;
Ou contribua, com o quanto puder.