Sociedade
“Forças de segurança são incontroláveis, não importa o partido”
É a visão de sociólogo estudioso de milícias e grupos de extermínio. Bolsonaro culpa PT da Bahia pela morte do miliciano Adriano


Em 15 de fevereiro, Jair Bolsonaro foi ao Rio e comentou a morte a bala, seis dias antes, do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, na cidade de Esplanada, a 170 km de Salvador. “Quem é responsável pela morte do capitão Adriano? PM da Bahia do PT. Precisa falar mais alguma coisa?”
Culpar o PT é uma tentativa presidencial de afastar sua família da hipótese de “queima de arquivo”. O clã tem motivo para alívio com o sumiço do miliciano. Adriano foi homenageado em 2003 e 2005 por Flávio Bolsonaro, na época deputado no Rio. Flávio também contratou no passado a mãe e uma esposa do falecido, ambas personagens da investigação das “rachadinhas” no antigo gabinete do filho do presidente.
O fato de Adriano ter sido abatido pela Polícia Militar de um estado governado por um petista, Rui Costa, é pista de algo? “Não quer dizer muita coisa”, afirma o sociólogo José Cláudio Souza Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, um estudioso de milícias e grupos de extermínio.
Prossegue o sociólogo: “Ao longo de 27 anos de estudos, o que dá para perceber é que a estrutura de segurança pública é algo incontrolável, eles têm uma autonomia de atuação muito grande. Mesmo governos de esquerda não exercem de fato poder e controle dessa estrutura, herdada da ditadura militar. É um cheque em branco que a sociedade brasileira dá a esses grupos”.
Logo após a morte, o secretário de Segurança Pública da Bahia, Mauricio Teles Barbosa, negou “queima de arquivo”. Disse que houve uma “ação típica de polícia” e que, “infelizmente, acabaram levando o caso para o lado político”.
Barbosa é delegado da Polícia Federal (PF). Em 2003 e 2004, trabalhou na PF do Rio, terra do clã Bolsonaro e de Adriano. Entre os federais, conta um deles, atuante em Brasília, Bolsonaro teve ao menos 70% dos votos na campanha de 2018. Um de seus colegas marcou o número 17, o do presidente nas urnas, em todos os meses do calendário de 2018 e costumava brincar em voz alta: “É para não esquecer no dia da eleição”.
Além de ser investigado por “rachadinha”, Flávio Bolsonaro é alvo também de um inquérito, na Justiça Eleitoral, sobre lavagem de dinheiro em negócios imobiliários. O delegado do caso, Erick Blatt, concluiu em um relatório recente que o senador é inocente. Em 2016, Blatt posou para foto ao lado do então deputado Jair Bolsonaro. Ele é diretor hoje da associação dos delegados da PF no Rio.
Desde os primeiros dias após Adriano ter sido abatido, Flávio dissemina a versão de que o miliciano foi executado graças a uma aliança entre Rui Costa e o governador do Rio, Wilson Witzel, inimigo do clã presidencial (Witzel elogiou a ação policial que matou o Adriano). Espalhou no Congresso que o morto levou um tiro abaixo do queixo após apanhar e negar-se a acusar o clã.
No Twitter, escreveu que a tentativa de cremar o corpo era “para sumir com as evidências de que ele foi brutalmente assassinado na Bahia”. Um comentário que não parece ter partido de um político contrário aos direitos humanos e favorável à violência policial.
Após o tuíte, o IML baiano divulgou laudo a atestar que Adriano foi alvejado por duas balas no tórax. A família de Adriano requereu a cremação do corpo, mas a Justiça do Rio não autorizou, pois ele não morreu de causas naturais e, portanto, é necessário submeter o corpo a análises que ajudem a esclarecer as circunstâncias da morte.
Na terça-feira 18, o filho do presidente publicou o vídeo de um cadáver que seria o de Adriano. O corpo aparece de costas, com marcas aparentes de violência. Não é possível ver o rosto, logo, não é possível identificar o morto.
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