Sociedade
Chefe da PM comemorou benesses dias após massacre em Paraisópolis
Vídeo do coronel Salles sobre lei aprovada em Brasília ilustra Estado grande para uns e mínimo para outros


O presidente Jair Bolsonaro sancionará em breve a lei que havia proposto em março de aumento do salário dos militares e do tempo de trabalho deles antes da aposentadoria. A lei foi aprovada de vez em 4 de dezembro, com sua votação pelos senadores. Por obra do Congresso, valerá também para PMs e bombeiros, o que não constava da proposta original do governo.
O chefe da PM paulista, o coronel Marcelo Vieira Salles, foi ao Senado no dia da votação e mandou um vídeo à tropa. Estava feliz, em particular com duas benesses. “A paridade e a integralidade, ou seja, o que recebermos na ativa, receberemos na reserva”, disse. Um PM descansará com o salário que recebia e terá reajuste junto com o da ativa.
Eis aí um exemplo ilustrativo dos tempos de Bolsonaro no poder: Estado grande para uns, mínimo, para outros.
Quatro dias antes da votação da lei no Senado, a PM de Salles matou nove jovens em um baile funk numa favela da cidade de São Paulo, Paraisópolis. João Dória Jr. (PSDB), governador do estado, que herdou Salles do antecessor, Márcio França, e o manteve, decidiu afastar 38 PMs envolvidos no massacre, após receber familiares das vítimas, em 9 de dezembro.
No dia da decisão, o ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, participou de um tradicional almoço de fim de ano da cúpula militar em Brasília e descreveu a lei comemorada por Salles como “a mais importante realização do ano de 2019”.
Bolsonaro estava no almoço e comentou: “A grande âncora do meu governo são as Forças Armadas”. Aos quartéis, o presidente tem feito um governo de “Estado máximo”, com aumento de salário e proteção social generosa, embora os militares agora tenham vão de trabalhar 35 e não mais 30 anos antes de se aposentarem.
Aos PMs da Força Nacional de Segurança, Bolsonaro quer proteção também “máxima” em caso de assassinatos em serviço, ao menos quando o serviço for em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), como em protestos de rua. Foi por isso que mandou no fim de novembro, ao Congresso, uma lei de “excludente de ilicitude”, pela qual o matador não poderá ser preso em flagrante, nem processado por crime doloso (só culposo, ou seja, sem intenção de matar), e ainda terá advogados públicos como defensores.
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, havia proposto essa licença para matar sem restringi-la a operações de GLO, ou seja, para o trabalho rotineiro da polícia e dos militares, quando mandara ao Congresso um pacote anti-crime, no início do ano. O pacote foi aprovado dias atrás na Câmara sem o excludente.
O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa, comentou que se o dispositivo estivesse em vigor, os PMs matadores de Paraisópolis estariam protegidos. Uma comparação de que Moro não gostou. Para o ministro, no massacre “aparentemente houve um excesso, um erro operacional grave”.
Para o grupo social vítima do massacre (jovens, negros, pobres em geral), o governo Bolsonaro tem, ao contrário, proposto Estado mínimo. Aprovou uma reforma da Previdência que exigirá mais tempo de serviço e pagará benefícios menores, por exemplo. Também quer aprovar no Congresso medidas incentivadoras da criação emprego precário e mau pago.
Uma das características da direitismo atual no País, afirma o livro O novo conservadorismo brasileiro, da doutora em ciência política Marina Basso Lacerda, é o casamento de neoliberalismo com punitivismo. O primeiro, representado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O segundo, por Bolsonaro e Moro.
“Para os neoconservadores, o melhor programa contra a pobreza é uma família estável. O modelo de Estado defendido pelos neoconservadores é o corporativo: moldado pela Igreja, comprometido com a família tradicional”, escreve Marina. Se a família e o mercado falham, diz ela, o tratamento pregado pelos neoconservadores não são políticas públicas, mas o direito penal: polícia e cadeia.
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