CartaCapital
“O Estado e a sociedade brasileiros jamais se reconheceram racistas”
Com trabalho prestes ser lançado, músico Tiganá Santana mergulha nas raízes africanas
Tiganá Santana já apresentou nas plataformas de música duas canções de seu novo álbum, que sai em janeiro: a faixa-título Vida-Código e Meios. Ambas já dão a dimensão do que se pode esperar na continuação do trabalho do baiano.
Haverá pelo menos uma canção em Kikongo, que ele domina junto com outras línguas africanas. Chama-se Disu ye Mvula (que quer dizer Olho e Chuva).
O Vida-Código é um desdobramento dos três álbuns anteriores de Tiganá – Maçalê (2010), The Invention of Color (2012) e Tempo & Magma (2015).
“Embora o fazer criativo seja uma poética a expressar um contínuo, trata-se, ao mesmo tempo, de assumir uma paisagem distinta ou a pluralidade dessa poética. É, portanto, vivenciar, simultaneamente, constância e variação”.
O novo trabalho, produzido por ele e Sebastian Notini, utiliza timbres e opções sonoras distintas dos registros anteriores.
“Apresento nesse álbum algumas canções que compus em parceria (com Leonardo Mendes e Alzira E), o que não aconteceu nos álbuns precedentes”.
De suas composições afro-brasileiras, com uma levada mais cadenciada e delicada apresentada em seus trabalhos, diz representa-las em outro ângulo: “A minha interlocução com o mundo. Não diria que se trata de uma contraposição, propriamente, em relação aos batuques e percussões fortes, mas de outra perspectiva negra para se ler o mundo e apresentar-se a ele”.
No novo álbum, ele regrava de modo minimalista uma canção do Ilê Aiyê, de autoria de Heron, com a participação da mãe e fundadora do bloco, Arany Santana.
Revisionismo e tragédias
O seu trabalho ressalta a negritude com absoluto enfoque às raízes africanas e sua configuração e consagração em terras brasileiras. Hoje, essas referências ganharam relevância.
“O Estado e a sociedade brasileiros jamais se reconheceram racistas e egressos de um estruturante sistema de escravidão pautado numa ideologia racial, no chamado racismo científico – o que configurou uma conjuntura com bases nunca antes experimentadas no que se tem desvelado nas culturas humanas”.
O músico e filósofo, formado na UFBA, prossegue: “Evidentemente, quando ascendem ao poder oficial do Brasil a prática e o pensamento fascistas, revisionistas da história e de teorias científicas, tendo a intolerância desenfreada e difusa como fio condutor de uma política de governo, bem como o obscurantismo, a violência, a estupidez e a decomposição dos direitos humanos e dos interesses democráticos como método, estamos diante de uma enorme tragédia ou, se quisermos, da manutenção e acirramento das nossas tragédias, infelizmente, constitutivas”.
O baiano, que se contrapõe irredutível a essa “infeliz excrescência”, vê as facetas humanas inconciliáveis.
“Como pessoa negra, artista, nordestino, adepto do candomblé, defensor da educação pública, diante dessa desdita que rege o Brasil, retomo, somente por ser, uma prática existencial quilombola diante de uma prática senhoril que é contra a heterogeneidade, contra as pessoas, contra a expansão da alma e do corpo, contra as diversas epistemologias”.
Releitura de Milton Nascimento
Além do álbum Vida-Código a ser lançado, Tiganá apresenta também em breve outro trabalho, o Milagres, que revisita, de modo diferente, o disco Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento, lançado em 1973, no auge da Ditadura Militar e que teve algumas faixas censuradas.
Tiganá, no Vida-Código, toca guitarra, assim como o faz em algumas faixas o músico e parceiro Leonardo Mendes. Há a presença ainda no trabalho dos teclados e do acordeon de Aline Falcão, do ukulele (instrumento de cordas) e do violão de aço de Jorge Solovera, do baixo de Ldson Galter e da percussão de Sebastian Notini.
O cantor e compositor é ainda diretor artístico e produtor musical da cantora Virgínia Rodrigues.
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