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Clima hostil no Vaticano

Os cardeais confessaram a vaticanistas que a Igreja, por estar globalizada, precisa mais de um pastor do que de um midiático ou um teólogo conservador

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De Roma

Tomo um café na via dei Serpenti, no “Antico Caffè Brasile”: o grão de café é brasileiro e a mistura – que vira de exportação – é “made in Italy”. Aviso, e só para ver a cara do irônico “barista” Franco, que estou a caminho do Vaticano para dar uma olhada na missa “per eligendo pontefice” (o latim é a língua oficial) e acompanhar, “ extra omnes” (fora os não cardeais e os maiores de 80), o Conclave.

Como Roma relembra os dez anos de morte do excepcional Alberto Sordi, o “barista” Franco leva a sério a frase do saudoso artista: “quando se ironiza, deve-se manter sério”. E Franco olha para fora do bar e, ao notar a chuva forte, solta: “São Pedro não parece satisfeito e chora”.

Com efeito.  Vou sair da via das serpentes para entrar num território – segundo os vaticanistas – de venenos e corvos. Um dos corvos acabou de mudar do Vaticano, onde os residentes não pagam pelos serviços públicos de água, luz, esgoto, coleta de lixo, etc. O ex-mordomo do papa, Gabrielle, deixou o apartamento funcional e mudou para Roma, ou melhor, para a outra margem do rio Tibre, aqui chamado de Tevere. Como recebeu o perdão de Ratzinger, manteve o emprego público. Só que, agora, trabalha no romano hospital “Jesu Bambino”.

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Com relação ao clima, o destaque positivo ficou por conta de um cardeal brasileiro não identificado, mas que não era Odilo Pedro Scherer, candidato lançado pelo polêmico Tarcisio Bertone. Na segunda-feira 11, na última reunião-geral, um cardeal brasileiro ficou furioso com o camerlengo Bertone. É que Bertone proibiu as entrevistas e acusou o brasileiro de não obedecer. O cardeal brasileiro disse que havia falado na última reunião de improviso: “de braccio”. Não dera entrevista e houve vazamento. Fuga de informação, como no caso do mordomo do papa. Ou seja, a culpa foi de Bertone, que deseja a eleição do antirreformista Odilo Scherer.

Na véspera, o simpático e bom humorado cardeal Dolan, de Nova York, falou com os jornalistas nas ruas e desprezou, solenemente, a ordem do camerlengo, dada como arbitrária. Outro que falou à imprensa foi o cardeal de Boston, um capuccino. Bem humorado ele disse já ter escolhido o nome, caso eleito. Será Francisco I. Ninguém, até agora, lembrou de São Francisco. Sempre a brincar, disse que, como capuccino, sempre usou sandálias. Como papa, poderá surpreender com sandálias de pescador.

Por outro lado, e sempre no clima, tem o eco produzido pelo livro do jornalista Marco Politi, um vaticanista de mais de 20 anos a cobrir a Santa Sé. Ele é considerado internacionalmente um “sabe-tudo” da Igreja. O título da recém-lançada obra é A Crise de um Papado.

O vaticanista Politi relata, em ordem cronológica, as atuações de Ratzinger. Lembra, por exemplo, a proibição da camisinha em tempo de AIDS. A condenação à homossexualidade. E a manutenção da proibição à pílula anticoncepcional. E tem a proibição aos divorciados de receberem comunhão – ainda, por exemplo, que o marido tenha abandonada a esposa, trocado por outra, fica, na visão de Ratzinger, sem hóstia consagrada, embora sem culpa. Um Ratzinger, diz Marco Politi, que foi contrário à despenalização do aborto na Alemanha. E, também, contrário à ordenação das mulheres como sacerdotisas e ao casamento de padres.

Diante disso, o vaticanista Marco Politi deixou no ar a pergunta sobre se haverá reforma na Igreja com o novo papa.

Bom. Hoje a Sistina fecha às 12h45 (horário do Brasil). E depois da leitura do livro de Politi muitos cardeais confessaram. Confessaram a vaticanistas que a Igreja, por estar globalizada, precisa mais de um pastor do que de um midiático ou um teólogo conservador.

Os guardas suíços, com os uniformes que uma mentira espalhada diz que foram desenhados e com cores escolhidas por Michelangelo, cuidarão da guarda da Sistina. E dentro da Sistina, em disputa, o reformista Scola e o antirreformista e bertoniano Odilo Scherer.

Nos bancos de reservas, no caso de não ser atingido o quorum de 77 votos, tem cardeal já  no aquecido.

Do lado antirreformista, o argentino Sandri e o do Sri Lanka. Entre os reformistas, o húngaro, o canadense, o austríaco e os americanos que são cardeais em Nova York e Boston.

Como outsider, o tranqüilo Ravesi, um biblista e hebraísta que sabe falar aos jovens.

O segundo turno entre os dois mais votados só poderá ocorrer depois de 34 votos. No segundo turno serão necessários, também, 77 votos (2/3). Quanto aos dias de Conclave, e fora o de Viterbo que durou 9 meses, a média, de 1958 (João XXIII) a 2005 (Ratzinger), é de três dias.

Uma coisa é certa: nunca houve fumaça branca no primeiro escrutínio.

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