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Claps, o “não” do governo venezuelano ao setor privado

Maduro monta sistema alternativo de distribuição de alimentos para enfrentar escassez e contrabando

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*De Caracas

Em “guerra econômica” com o setor privado, o governo venezuelano vem apostando em um novo tipo de logística para a distribuição dos itens da cesta básica, cada vez mais raros. Os chamados Claps, Comitês Locais de Abastecimento e Produção, compõem ao lado das mãos das Forças Armadas uma dinâmica alternativa de abastecimento idealizada pelo governo.

A ideia é distribuir e fazer chegar aos setores mais necessitados artigos básicos que têm preço de custo subsidiado pelo governo. Em vez de ficarem reféns daquilo que chega aos supermercados – sem ter sido desviado para contrabandistas conhecidos como bachaqueros –, os venezuelanos mais pobres recebem através de organizações da comunidade local chamadas conselhos comunais cestas básicas com alguns dos itens em falta no mercado.

Vendidos a um preço abaixo do valor de produção, itens como leite, arroz, pasta dente, óleo, papel higiênico, feijão, margarina e carne são colocados em bolsas montadas para suprir a necessidade de 15 dias de uma família. As cestas pesam entre 13 e 15 kg e custam em média 1,7 mil bolívares (170 dólares no câmbio oficial e 17 dólares no paralelo). Tudo “sem intermediários, sem preços de bachaquero”, muitos se orgulham em dizer. Até o fim de junho eram 5 mil Claps certificados e pouco mais de 15 mil organizados. O total de famílias atendidas pelo novo sistema até então era de aproximadamente 1 milhão em todo o país.

Referendados no discurso “Todo poder aos Claps” entoado pelo presidente Nicolás Maduro, os comitês são vistos mais do que uma alternativa às falhas de logística atuais: são encarados como um sistema de distribuição controlado por populações locais e à margem do empresariado, além de um mecanismo que pode significar controle político – uma vez que a distribuição fica por conta dos conselhos comunais, muitos reclamam que as bolsas só chegam aos conselhos chavistas.

Em cidades que são redutos eleitorais chavistas, como San Carlos, capital do estado de Cojedes, os próprios funcionários do diretório do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) ajudam na montagem das bolsas e distribuição das mesas.

“Desde o ano passado, a direita e os opositores começaram a pressionar o governo para que ele caia. E o que tínhamos na Venezuela era mais de 70% da distribuição dos alimentos  nas mãos do setor privado, com empresas como Polar e Project &Gamble), e apenas 30% ficam nas mãos do governo através da Produtora e Distribuidora Venezuelana de Alimentos (PDVAL), da Misión Mercal e da rede de supermercados Bicentenário”, explica Emanuel Delgado, representante do Ministério do Poder Popular para as Comunas e os Movimentos Sociais em Cojedes, sobre programas do governo que buscam oferecer alimentos e produtos de primeira necessidade a preços subsidiados para a população mais carente. 

Para o morador do estado que com orgulho para se autoproclama “invicto” – ou seja, onde o chavismo nunca perdeu uma eleição -, o governo busca com as Claps eliminar tanto bachaqueros quanto filas, “para que o alimento chegue ao povo de forma rápida e direta, sem especulações”.

No médio e longo prazo, a ideia é que os Claps não apenas distribuam itens da cesta básica como também os produza. “Os comitês locais têm como primeira tarefa a alimentação, mas também almejam produzir em pequena e média escala”, explica Juan Mejias, do diretório estadual do PSUV. “Por isso, hoje focamos no abastecimento, mas depois priorizaremos a produção, como já ocorre em alguns comitês que fabricam sabão e xampu artesanal e plantam em pequena escala.”

Organizadora do Clap Las Margaritas II em San Carlos, Victoria Obispo se entusiasma ao observar que agora os venezuelanos não precisam mais fazer filas e têm a comida necessária de modo mais cômodo. “Aprendemos com essa crise a cuidar de nós e a saber quem está por trás de tudo”, explica a dona de casa de 60 anos enquanto segura garrafas pet de sabão e xampu artesanais.

A colega Norvalis Romero, de 30 anos, reconhece que a situação do país não é hoje a ideal, mas culpa “empresas opositoras” por reterem itens alimentícios para o povo não comer. “O que fez o presidente Chávez foi nos preparar para a vida. E assim seguimos. Não vamos permitir que o império nos diga o que temos de fazer.”

Questionado se seria o papel do PSUV coordenar a distribuição em alguns comitês, dentro do Sistema Popular de Distribuição de Alimentação, Delgado diz que é importante o partido governista participar para passar “a mensagem política da revolução” à população venezuelana.

Transmitir não apenas mensagem, mas também ideologia é o motor de mobilização por trás dos Claps. “Se não trabalhamos a parte ideológica, corremos o risco de não resolver o problema de alimentação e deixaremos de existir. Nicolás (Maduro) nos ensinou que a guerra se ganha dia a dia”, observa Erika Farías, governadora do estado de Cojedes.

Chavista que carrega em um punho uma tatuagem que imita a assinatura de Chávez e no outro a do libertador Simón Bolívar, ela vê na pressão econômica aspectos positivos. “Bolívar nos ensinou que da crise temos de sair fortes e disso surgem os Claps, que operam através dos 46 mil conselhos comunais que temos hoje na Venezuela. O que estamos fazendo é transferir para o povo o seu poder”, reforça.

Ao ressaltar que a Revolução Bolivariana pela qual passa a Venezuela é jovem e tem apenas 17 anos, ela enaltece medidas levadas pelo governo, como os Claps e os chamados 15 motores da economia, ou seja, estratégias para estimular setores como mineração, indústria farmacêutica, construção civil, praticamente abandonados diante da facilidade de importação de itens por conta da bonança do petróleo – estima-se que entre 1999 e 2014 o país tenha obtido 960 bilhões de dólares com a exportação de petróleo. Ela é otimista e lembra: a previsão até agosto é que todas as famílias venezuelanas tenham acesso ás bolsas e que os 11 mil Claps atuais cresçam para 15 mil.

Questionada sobre como a nova dinâmica garante que os itens entregues nas bolsas não sejam revendidos para bachaqueros, ela diz em tom de ameaça que se trata de uma questão de consciência social. “Não colocaremos uma polícia em cada casa, mas o coletivo (agrupação chavista local) obrigará os cidadãos a terem uma postura ética”, disse. “Os companheiros dos Claps podem nos avisar, por exemplo, que uma determinada família está vendendo parte de sua bolsa para os bachaqueros. E então seremos obrigados a castigar, ou seja, quem vender para os bachaqueros deixa de receber.” 

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