Cultura

Um autor na América

A desprezada fase do diretor Fritz Lang, agora revista

No prumo. Fritz Lang, mestre noir ganha coleção de DVDs
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Por Orlando Margarido

Coleção Fritz Lang em hollywood


Versátil

Do mestre Fritz Lang não se pode falar sem se deter no incontornável livro sobre ele publicado por Peter Bogdanovich. Ainda que Fritz Lang in America (1967) dê conta do período em questão, é todo o legado do cineasta que se examina, num contraponto estimulante com a fase alemã. Papo de diretores, mas também de cinéfilos assumidos, o volume aborda especialmente a divergência entre o momento expressionista, de reconhecida qualidade, e os filmes em Hollywood nem tão valorizados. Surge, claro, Hitchcock para explicar a influência desses últimos, e isso talvez justifique o interesse maior da crítica francesa neles. Mas basta um olhar de revisão para saber que Lang continuou no prumo quando realizou 21 filmes entre 1936


e 1957 nos Estados Unidos. Essa oportunidade temos agora com um belo pacote em DVD anunciado pela Versátil.

São três coleções Fritz Lang em Hollywood, com igual número de filmes cada, que se completarão até setembro. A primeira, já disponível, não poderia ser mais exemplar para discussão. Inclui Quando Desceram as Trevas (1943), Um Retrato de Mulher (1944) e O Segredo da Porta Fechada (1947). Esse último congrega melhor as características de Lang no período, com seu tom sombrio a serviço da trama sobre herdeira (Joan Bennett) que se casa com um viúvo decadente (Michael Redgrave) sem sabê-lo, tomando lugar da esposa morta misteriosamente. Além da evidente aproximação com o romance de Daphne Du Maurier, adaptado por Hitchcock como Rebecca, a Mulher Inesquecível, que no Brasil tem sua versão em


A Sucessora, Lang acolhia aqui um mote psicanalítico ainda raro na época. Os quartos colecionados pelo protagonista, em especial aquele trancado, seriam simbólicos de sua mente


e memória adormecidas.

Nos outros dois títulos de gênese policial noir, Lang lança-se num tema recorrente de sua obra, o do homem engolfado num redemoinho de acontecimentos. Por isso, Joan Bennett passa a ser agora a coadjuvante no pesadelo do professor interpretado por Edward G. Robinson em


Um Retrato de Mulher, quando este mata em defesa própria. É da perseguição que estimula sua paranoia o caso do personagem de Ray Milland em Quando Desceram as Trevas, em história


de Graham Greene. A partir desses, e demais que virão como Desejo Humano, Suplício de uma Alma e No Silêncio de uma Cidade, dos anos 50, outro entusiasta, Jean Tulard, reagiu ao descaso: “Sob a aparente incoerência de gêneros ditos menores, revela-se um verdadeiro autor”.

Liberdade condicional


SHAME


Steve McQueen

A qualificação de político talvez não seja a análise mais imediata que se tenha de Shame, em cartaz a partir de sexta 16, com o título original em inglês.  Mas é assim que o diretor Steve McQueen vê seu filme, na medida em que busca representar um traço de painel da vida contemporânea. Não faz isso pelas beiradas, ou tateando, mas vai direto a um ponto crucial da nossa era, as múltiplas opções de consumo em todas as esferas, muitas vezes traduzidas em excesso e a consequente impossibilidade de tudo ter. Nessa dimensão, lembra, inclui-se o sexo.

É deste que o protagonista Brandon (Michael Fassbender, melhor ator no Festival de Veneza), executivo de Nova York, mostra-se dependente. Um adicto, como se diz. Passa boa parte de seu tempo em busca do prazer sexual, a ponto de colocar seu emprego em risco e ter a vida regulada pela satisfação com encontros fortuitos. A contradição é que, na aparente vertente ilimitada que desfruta, não consegue estabelecer um relacionamento sadio.

Parece ser também uma questão familiar. A irmã (Carey Mulligan), que passa uma temporada em sua casa, desestabilizando a rotina, joga a carência nas drogas, em outro componente modelar do contexto de extrema liberdade. McQueen evita, contudo, a fácil justificativa de uma origem problemática de ambos. Seria, como lembrou no Festival de Veneza de 2011, um psicologismo que destituiria parte do tom sombrio do quadro.

Com isso, longe de buscar um conceito apelativo, como também o raro uso no cinema do nu masculino frontal poderia sugerir, ele quer nos indicar que a vergonha enunciada pelo título não tem contornos morais. Envolve, isso sim, a ética do comportamento num mundo que impõe a escolha como mais um produto.

Burla Papal

Há uma sintonia, queira ou não o cineasta italiano Nanni Moretti, entre seu novo filme Habemus Papam e a realidade do país. A Itália não havia se despedido de Silvio Berlusconi quando o diretor filmou a crise pessoal de um novo papa (o formidável Michel Piccoli), já investido do papel, mas não anunciado. Ainda sim, parecia-se sugerir ser toda uma nação que escapava junto com o pontífice eleito para as ruas de Roma, um anônimo desnorteado com seu destino a ponto de buscar ajuda no divã de uma terapeuta. Da mesma forma, com ele recapturado e devolvido ao Vaticano, onde é finalmente atendido por um psicanalista (o próprio Moretti), pode-se acreditar na insinuação de que o confinamento entre muros do sumo sacerdote também se converte em impasse político.

No filme que estreia sexta 16, o protagonista, ainda como cardeal, chama-se Melville, sobrenome do autor de Moby Dick, romance clássico sobre a investigação de credos e sua função e lugar no universo, entre outros temas. O novo papa decide conceder-se o direito a um questionamento de vocação e junto com ele segue Moretti num bem humorado vasculhar dos meandros da sede da Igreja Católica, onde o ridículo de situações se impõe mais do que uma crítica vigilante, como talvez quisesse seu público italiano. No Festival de Cannes, o diretor alegou ter feito o filme para apontar a sua noção do Vaticano. “Esperava-se que eu denunciasse aspectos da Igreja, mas não quis fazer isso”, disse. “Conhecemos


o suficiente os escândalos de pedofilia, os financeiros. Quis apenas contar uma história fantasiosa, com um papa e um Vaticano inventados por mim.” Ainda que despiste,


sua comédia diz mais do que ele talvez queira admitir.

Por Orlando Margarido

Coleção Fritz Lang em hollywood


Versátil

Do mestre Fritz Lang não se pode falar sem se deter no incontornável livro sobre ele publicado por Peter Bogdanovich. Ainda que Fritz Lang in America (1967) dê conta do período em questão, é todo o legado do cineasta que se examina, num contraponto estimulante com a fase alemã. Papo de diretores, mas também de cinéfilos assumidos, o volume aborda especialmente a divergência entre o momento expressionista, de reconhecida qualidade, e os filmes em Hollywood nem tão valorizados. Surge, claro, Hitchcock para explicar a influência desses últimos, e isso talvez justifique o interesse maior da crítica francesa neles. Mas basta um olhar de revisão para saber que Lang continuou no prumo quando realizou 21 filmes entre 1936


e 1957 nos Estados Unidos. Essa oportunidade temos agora com um belo pacote em DVD anunciado pela Versátil.

São três coleções Fritz Lang em Hollywood, com igual número de filmes cada, que se completarão até setembro. A primeira, já disponível, não poderia ser mais exemplar para discussão. Inclui Quando Desceram as Trevas (1943), Um Retrato de Mulher (1944) e O Segredo da Porta Fechada (1947). Esse último congrega melhor as características de Lang no período, com seu tom sombrio a serviço da trama sobre herdeira (Joan Bennett) que se casa com um viúvo decadente (Michael Redgrave) sem sabê-lo, tomando lugar da esposa morta misteriosamente. Além da evidente aproximação com o romance de Daphne Du Maurier, adaptado por Hitchcock como Rebecca, a Mulher Inesquecível, que no Brasil tem sua versão em


A Sucessora, Lang acolhia aqui um mote psicanalítico ainda raro na época. Os quartos colecionados pelo protagonista, em especial aquele trancado, seriam simbólicos de sua mente


e memória adormecidas.

Nos outros dois títulos de gênese policial noir, Lang lança-se num tema recorrente de sua obra, o do homem engolfado num redemoinho de acontecimentos. Por isso, Joan Bennett passa a ser agora a coadjuvante no pesadelo do professor interpretado por Edward G. Robinson em


Um Retrato de Mulher, quando este mata em defesa própria. É da perseguição que estimula sua paranoia o caso do personagem de Ray Milland em Quando Desceram as Trevas, em história


de Graham Greene. A partir desses, e demais que virão como Desejo Humano, Suplício de uma Alma e No Silêncio de uma Cidade, dos anos 50, outro entusiasta, Jean Tulard, reagiu ao descaso: “Sob a aparente incoerência de gêneros ditos menores, revela-se um verdadeiro autor”.

Liberdade condicional


SHAME


Steve McQueen

A qualificação de político talvez não seja a análise mais imediata que se tenha de Shame, em cartaz a partir de sexta 16, com o título original em inglês.  Mas é assim que o diretor Steve McQueen vê seu filme, na medida em que busca representar um traço de painel da vida contemporânea. Não faz isso pelas beiradas, ou tateando, mas vai direto a um ponto crucial da nossa era, as múltiplas opções de consumo em todas as esferas, muitas vezes traduzidas em excesso e a consequente impossibilidade de tudo ter. Nessa dimensão, lembra, inclui-se o sexo.

É deste que o protagonista Brandon (Michael Fassbender, melhor ator no Festival de Veneza), executivo de Nova York, mostra-se dependente. Um adicto, como se diz. Passa boa parte de seu tempo em busca do prazer sexual, a ponto de colocar seu emprego em risco e ter a vida regulada pela satisfação com encontros fortuitos. A contradição é que, na aparente vertente ilimitada que desfruta, não consegue estabelecer um relacionamento sadio.

Parece ser também uma questão familiar. A irmã (Carey Mulligan), que passa uma temporada em sua casa, desestabilizando a rotina, joga a carência nas drogas, em outro componente modelar do contexto de extrema liberdade. McQueen evita, contudo, a fácil justificativa de uma origem problemática de ambos. Seria, como lembrou no Festival de Veneza de 2011, um psicologismo que destituiria parte do tom sombrio do quadro.

Com isso, longe de buscar um conceito apelativo, como também o raro uso no cinema do nu masculino frontal poderia sugerir, ele quer nos indicar que a vergonha enunciada pelo título não tem contornos morais. Envolve, isso sim, a ética do comportamento num mundo que impõe a escolha como mais um produto.

Burla Papal

Há uma sintonia, queira ou não o cineasta italiano Nanni Moretti, entre seu novo filme Habemus Papam e a realidade do país. A Itália não havia se despedido de Silvio Berlusconi quando o diretor filmou a crise pessoal de um novo papa (o formidável Michel Piccoli), já investido do papel, mas não anunciado. Ainda sim, parecia-se sugerir ser toda uma nação que escapava junto com o pontífice eleito para as ruas de Roma, um anônimo desnorteado com seu destino a ponto de buscar ajuda no divã de uma terapeuta. Da mesma forma, com ele recapturado e devolvido ao Vaticano, onde é finalmente atendido por um psicanalista (o próprio Moretti), pode-se acreditar na insinuação de que o confinamento entre muros do sumo sacerdote também se converte em impasse político.

No filme que estreia sexta 16, o protagonista, ainda como cardeal, chama-se Melville, sobrenome do autor de Moby Dick, romance clássico sobre a investigação de credos e sua função e lugar no universo, entre outros temas. O novo papa decide conceder-se o direito a um questionamento de vocação e junto com ele segue Moretti num bem humorado vasculhar dos meandros da sede da Igreja Católica, onde o ridículo de situações se impõe mais do que uma crítica vigilante, como talvez quisesse seu público italiano. No Festival de Cannes, o diretor alegou ter feito o filme para apontar a sua noção do Vaticano. “Esperava-se que eu denunciasse aspectos da Igreja, mas não quis fazer isso”, disse. “Conhecemos


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