Cultura

Sorria. Você está à mesa

Comer tem de estar relacionado a prazer. Imagine minha cara todas as noites diante de uma sopa de mandioquinha

Degustações de alta gastronomia podem causar torpor. Certa vez imaginei garçons cossacos na mesa a chutar tudo e todos. Ilustração: Ricardo Papp
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Escrevi na semana passada sobre a alegria que eu sentia quando, vez ou outra, minha mãe preparava uma torta de liquidificador e a servia no jantar. O ponto foi: os jantares eram tristonhos. Aliás, perdão: eram muito sérios.

A história é a mesma de séculos: o pai chega da rua cansado e parece que esgotou seu estoque de risadas ao longo do dia. Era um pouco assim lá nos meus lados. Eu via meu pai brincalhão e sorridente durante o almoço e quando levava para esse almoço algum amigo/cliente. Foi depois de muitos anos que realmente percebi que o sorriso tinha a ver com a técnica de vendas. O humor de meu pai era muito bom, mas estava longe de ser um camarada alegrão.

Então vamos à soma: um pai cansado, uma mãe ainda mais cansada por ter tido de fazer o almoço, “tomar” a lição de dois moleques, levá-los ao clube para a aula de judô, arrumar a bagunça do quarto, pedir para não demorarem no banho, pedir mais umas sete vezes, pedir para secarem a cabeça direito, pedir mais 18 vezes e ainda ter de preparar o jantar. A soma monta um quadro pouco alentador.

Eu não tinha a liberdade de dizer para a minha mãe: relaxa, faz essa torta todo dia, não te dá trabalho algum e todo mundo fica feliz. Qual o quê. Tínhamos de comer sempre um pouco de tudo, conquanto isso fosse uma tarefa difícil de ser executada.

Reservo a sopa por um momento e lembro que por aqui, por diversas vezes, entrei no tema do aborrecimento à mesa, dos jantares, das refeições envolvidas por grandes nuvens. Morro de medo quando sou convidado para conhecer um menu degustação. Tenho quatro hérnias discais: uma sacro e outras três lombares. Ficar muito tempo sentado não é agradável, a não ser que eu possa me mexer, esticar a perna sobre um banquinho, levantar para dar uma olhada na cozinha, ir me servir de mais vinho, cerveja, o que seja que me coloque em movimento e me mantenha relaxado.

Sabe o que me lembra degustação? Pesquisa. Toda vez que você se aproxima de alguém e pergunta se pode fazer uma pergunta, a pessoa se transforma. Um eventual sujeito sorridente que estava caminhando pela rua, sonhando com uma cerveja gelada no fim do dia, diante de uma prancheta ou de um microfone fica sério e começa a pensar em alguma coisa inteligente para dizer.

Degustações são parecidas. A que eu jamais esqueço foi no Pierre Gagnaire, em Paris. Onze pratos e cada um com um preâmbulo do maître. E cada um com uma coreografia de dez garçons. Juro que em certo momento sonhei com garçons cossacos que subiriam na mesa e chutariam tudo e todos sairiam do torpor que a alta gastronomia nos provocara. Quem sabe fechássemos a noite com gregos, arrebentando todos os pratos.

Comer tem de estar relacionado com o prazer. Não precisamos contabilizar aqui as refeições muitas, a maioria delas, que fazemos para nutrir o corpo e prosseguirmos em nossa jornada. Sempre que posso, que consigo, pergunto à minha filha ou à minha mulher o que gostariam de comer. Também minha mulher faz isso comigo. Faz uma enorme diferença chegar à mesa e abrir um sorriso.

Imagine você a minha cara, toda noite, diante de uma sopa de mandioquinha ou de uma carne assada com uma cenoura no meio e espinafre refogado. Vale outro capítulo: lagarto assado com cenoura ou sem cenoura – até porque, a cenoura cozida é um nada absoluto. Como bem definiu minha filha, sopa de cenoura lembra muito água aromatizada. Lagarto assado é ruim. Ninguém consegue fazer um lagarto assado ficar bom quando ele deixa de ser rosbife, quando vai para o ponto de… lagarto assado.

Faz bem salivar antes de sentar. Faz bem sorrir antes de sentar. E, se possível, é sempre bom guardar uma meia dúzia de risadas para filhos e esposa.

Escrevi na semana passada sobre a alegria que eu sentia quando, vez ou outra, minha mãe preparava uma torta de liquidificador e a servia no jantar. O ponto foi: os jantares eram tristonhos. Aliás, perdão: eram muito sérios.

A história é a mesma de séculos: o pai chega da rua cansado e parece que esgotou seu estoque de risadas ao longo do dia. Era um pouco assim lá nos meus lados. Eu via meu pai brincalhão e sorridente durante o almoço e quando levava para esse almoço algum amigo/cliente. Foi depois de muitos anos que realmente percebi que o sorriso tinha a ver com a técnica de vendas. O humor de meu pai era muito bom, mas estava longe de ser um camarada alegrão.

Então vamos à soma: um pai cansado, uma mãe ainda mais cansada por ter tido de fazer o almoço, “tomar” a lição de dois moleques, levá-los ao clube para a aula de judô, arrumar a bagunça do quarto, pedir para não demorarem no banho, pedir mais umas sete vezes, pedir para secarem a cabeça direito, pedir mais 18 vezes e ainda ter de preparar o jantar. A soma monta um quadro pouco alentador.

Eu não tinha a liberdade de dizer para a minha mãe: relaxa, faz essa torta todo dia, não te dá trabalho algum e todo mundo fica feliz. Qual o quê. Tínhamos de comer sempre um pouco de tudo, conquanto isso fosse uma tarefa difícil de ser executada.

Reservo a sopa por um momento e lembro que por aqui, por diversas vezes, entrei no tema do aborrecimento à mesa, dos jantares, das refeições envolvidas por grandes nuvens. Morro de medo quando sou convidado para conhecer um menu degustação. Tenho quatro hérnias discais: uma sacro e outras três lombares. Ficar muito tempo sentado não é agradável, a não ser que eu possa me mexer, esticar a perna sobre um banquinho, levantar para dar uma olhada na cozinha, ir me servir de mais vinho, cerveja, o que seja que me coloque em movimento e me mantenha relaxado.

Sabe o que me lembra degustação? Pesquisa. Toda vez que você se aproxima de alguém e pergunta se pode fazer uma pergunta, a pessoa se transforma. Um eventual sujeito sorridente que estava caminhando pela rua, sonhando com uma cerveja gelada no fim do dia, diante de uma prancheta ou de um microfone fica sério e começa a pensar em alguma coisa inteligente para dizer.

Degustações são parecidas. A que eu jamais esqueço foi no Pierre Gagnaire, em Paris. Onze pratos e cada um com um preâmbulo do maître. E cada um com uma coreografia de dez garçons. Juro que em certo momento sonhei com garçons cossacos que subiriam na mesa e chutariam tudo e todos sairiam do torpor que a alta gastronomia nos provocara. Quem sabe fechássemos a noite com gregos, arrebentando todos os pratos.

Comer tem de estar relacionado com o prazer. Não precisamos contabilizar aqui as refeições muitas, a maioria delas, que fazemos para nutrir o corpo e prosseguirmos em nossa jornada. Sempre que posso, que consigo, pergunto à minha filha ou à minha mulher o que gostariam de comer. Também minha mulher faz isso comigo. Faz uma enorme diferença chegar à mesa e abrir um sorriso.

Imagine você a minha cara, toda noite, diante de uma sopa de mandioquinha ou de uma carne assada com uma cenoura no meio e espinafre refogado. Vale outro capítulo: lagarto assado com cenoura ou sem cenoura – até porque, a cenoura cozida é um nada absoluto. Como bem definiu minha filha, sopa de cenoura lembra muito água aromatizada. Lagarto assado é ruim. Ninguém consegue fazer um lagarto assado ficar bom quando ele deixa de ser rosbife, quando vai para o ponto de… lagarto assado.

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