Cultura

Piqueniques sonoros

Entre Glyndebourne e a estrada de Bom Jesus da Lapa, uma recordação do Monge Faminto

Nostalgia. A Londres do tempo em que o colunista tinah de alugar um terno para ir a Glyndebourne. Foto: Oliviero Pluviano
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Por Oliveiro Pluviano

A crise na Europa é efetivamente grave. Percebi isso quando neste verão voltei à Inglaterra, onde em 1987 trabalhei como jornalista por três anos. Eu adorava ir às Seven Sisters, as sete irmãs que são outras tantas colinas enfileiradas no Canal da Mancha, com despenhadeiros de gesso à semelhança dos famosos penhascos brancos de Dover, recobertas por prados muito verdes.

Eu sempre parava para comer no Hungry Monk (O Monge Faminto), antigo cottage perto do maravilhoso vilarejo de Alfriston no Sussex. Excelente restaurante conhecido na região por haver criado o Banoffee Pie, uma delícia à base de banana e toffee (donde o seu nome), doce preferido de Margaret Thatcher. Para minha grande surpresa, ao procurá-lo nesse meu retorno, descobri que estava definitivamente fechado. Os clientes de Londres (na foto, a roda-gigante, o Tâmisa, o Big Ben e o Parlamento) desapareceram porque não queriam mais arcar com o custo da gasolina. Por outro lado, o gás de cozinha subiu num piscar de olhos mais de 200%, a situa­ção ficou insustentável para os proprietários. Decidiram transformar o Hungry Monk num residence, e assim encerraram 44 anos ininterruptos de um serviço tipicamente made in England de uma comida apreciada internacionalmente. A recessão severa não se limita a Grécia, Itália, Portugal e Espanha, infelizmente contamina todo o Velho Continente.

Para me consolar, no dia seguinte fui até o vizinho festival musical de Glyndebourne que, de maio a agosto, desde 1934, encena todos os anos seis óperas. Note-se que a característica principal de Glyndebourne não é a de ser um dos eventos mais excelsos do planeta, o equivalente no mundo da lírica aos Proms da BBC, mas de acomodar o seu público no mais extraordinário piquenique de que se tenha notícia sobre a face da Terra. No meio da performance há o tradicional ­intervalo de 90 minutos no início da tarde, quando começa o piquenique ao ar livre. Cavalheiros de smoking acompanhados por senhoras de longo chegam aos maravilhosos jardins, enfeitados por um lago dourado na parte central, trazendo nas mãos uma cesta de vime cheia de todo tipo de iguarias e sentam-se sobre mantas xadrez de tweed no impecável gramado inglês.

Quando ia lá no fim da década de 1980, não tinha dinheiro, o que me obrigava a alugar um terno. Comprava o salmon trout (truta salmonada defumada) da Nova Zelândia nos populares magazines Sainsbury, para comer com mascarpone italiano. A escolha era acertada, mas em Glyndebourne o must são os scones, pãezinhos escoceses, de caviar ou geleia de laranja, regados a champanhe francês ou pelo tradicional chá-preto quente pingado com leite.

Isso me faz lembrar os piqueniques dos quais participei na estrada do Bom Jesus da Lapa, na Bahia, indo em peregrinação à gruta sagrada que, em agosto, recebe a segunda maior festa religiosa de todo o Brasil. O ingrediente básico desses lanches às margens do Rio São Francisco é a farofa de carne de sol, que o vento local constante teima em soprar dos pratos em todas as direções para deleite geral. O doce é a rosca mineira regada a cachaça de Salinas, melhor ainda se for a Anísio Santiago.

Não sei dizer qual dos dois piqueniques prefiro. É claro que Bom Jesus da Lapa não tem a conexão musical de Glyndebourne, onde, no próximo ano, a partir de 18 de maio, são esperadas novas produções de Ariadne auf Naxos de Richard Strauss, Falstaff de Verdi, Le Nozze di Figaro de Mozart, Hippolyte et Aricie de Jean-Philippe Rameau e Don Pasquale de Donizetti, para encerrar 25 de agosto com a ópera Billy Budd, do inglês Benjamin Britten. Agora é interessante, até 30 de novembro, a repetição na turnê invernal, que excursiona pela Inglaterra, do melodrama The Yellow Sofa, o sofá amarelo, baseado no romance homônimo de Eça de Queirós, escrito pelo primeiro composer-in-residence de Glyndebourne, o formidável músico galês de 43 anos Julian Philips.

Por Oliveiro Pluviano

A crise na Europa é efetivamente grave. Percebi isso quando neste verão voltei à Inglaterra, onde em 1987 trabalhei como jornalista por três anos. Eu adorava ir às Seven Sisters, as sete irmãs que são outras tantas colinas enfileiradas no Canal da Mancha, com despenhadeiros de gesso à semelhança dos famosos penhascos brancos de Dover, recobertas por prados muito verdes.

Eu sempre parava para comer no Hungry Monk (O Monge Faminto), antigo cottage perto do maravilhoso vilarejo de Alfriston no Sussex. Excelente restaurante conhecido na região por haver criado o Banoffee Pie, uma delícia à base de banana e toffee (donde o seu nome), doce preferido de Margaret Thatcher. Para minha grande surpresa, ao procurá-lo nesse meu retorno, descobri que estava definitivamente fechado. Os clientes de Londres (na foto, a roda-gigante, o Tâmisa, o Big Ben e o Parlamento) desapareceram porque não queriam mais arcar com o custo da gasolina. Por outro lado, o gás de cozinha subiu num piscar de olhos mais de 200%, a situa­ção ficou insustentável para os proprietários. Decidiram transformar o Hungry Monk num residence, e assim encerraram 44 anos ininterruptos de um serviço tipicamente made in England de uma comida apreciada internacionalmente. A recessão severa não se limita a Grécia, Itália, Portugal e Espanha, infelizmente contamina todo o Velho Continente.

Para me consolar, no dia seguinte fui até o vizinho festival musical de Glyndebourne que, de maio a agosto, desde 1934, encena todos os anos seis óperas. Note-se que a característica principal de Glyndebourne não é a de ser um dos eventos mais excelsos do planeta, o equivalente no mundo da lírica aos Proms da BBC, mas de acomodar o seu público no mais extraordinário piquenique de que se tenha notícia sobre a face da Terra. No meio da performance há o tradicional ­intervalo de 90 minutos no início da tarde, quando começa o piquenique ao ar livre. Cavalheiros de smoking acompanhados por senhoras de longo chegam aos maravilhosos jardins, enfeitados por um lago dourado na parte central, trazendo nas mãos uma cesta de vime cheia de todo tipo de iguarias e sentam-se sobre mantas xadrez de tweed no impecável gramado inglês.

Quando ia lá no fim da década de 1980, não tinha dinheiro, o que me obrigava a alugar um terno. Comprava o salmon trout (truta salmonada defumada) da Nova Zelândia nos populares magazines Sainsbury, para comer com mascarpone italiano. A escolha era acertada, mas em Glyndebourne o must são os scones, pãezinhos escoceses, de caviar ou geleia de laranja, regados a champanhe francês ou pelo tradicional chá-preto quente pingado com leite.

Isso me faz lembrar os piqueniques dos quais participei na estrada do Bom Jesus da Lapa, na Bahia, indo em peregrinação à gruta sagrada que, em agosto, recebe a segunda maior festa religiosa de todo o Brasil. O ingrediente básico desses lanches às margens do Rio São Francisco é a farofa de carne de sol, que o vento local constante teima em soprar dos pratos em todas as direções para deleite geral. O doce é a rosca mineira regada a cachaça de Salinas, melhor ainda se for a Anísio Santiago.

Não sei dizer qual dos dois piqueniques prefiro. É claro que Bom Jesus da Lapa não tem a conexão musical de Glyndebourne, onde, no próximo ano, a partir de 18 de maio, são esperadas novas produções de Ariadne auf Naxos de Richard Strauss, Falstaff de Verdi, Le Nozze di Figaro de Mozart, Hippolyte et Aricie de Jean-Philippe Rameau e Don Pasquale de Donizetti, para encerrar 25 de agosto com a ópera Billy Budd, do inglês Benjamin Britten. Agora é interessante, até 30 de novembro, a repetição na turnê invernal, que excursiona pela Inglaterra, do melodrama The Yellow Sofa, o sofá amarelo, baseado no romance homônimo de Eça de Queirós, escrito pelo primeiro composer-in-residence de Glyndebourne, o formidável músico galês de 43 anos Julian Philips.

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