Cultura

Minhas tardes com Gonzaguinha

Edgard Catoira conta a história de sua amizade com o cantor e compositor, tema do filme “Gonzada – De Pai para Filho”

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Neste fim de semana fui assistir ao filme sobre Luiz Gonzaga. Afinal, eu conhecia pai e filho. O Gonzagão gostava muito do Arthur Laranjeiras, meu parceiro de trabalho, e de sua mulher – e eterna assessora de imprensa deste país – Ivone Kassu.

Com Gonzagão, estive algumas vezes. Com o Gonzaguinha, muitas. Era um parceirão de mesa, independente de ser famoso. Conversávamos só coisas de boêmios em mesa de bar – um besteirol temperado por muita gargalhada. Era uma turminha gostosa dos anos 80: Ivone e Laranjeiras; Gonzaguinha e Ângela, sua mulher; Antonio Pereira da Silva, o Tonhão; Leila e Jorginho Martins, enfim, eram encontros deliciosos em mesas de botequins cariocas.

Acabei ficando um amigo próximo do Gonzaguinha. Nós nos queríamos muito bem. A tal ponto que, um dia, uma revista na qual eu trabalhava em 1986, resolveu promover uma premiação de MPB no Rio de Janeiro. Sendo o Rio o centro cultural do país, onde moravam tantos artistas, coube a mim mostrar quem tinha prestígio – eu deveria arrastar todos os ganhadores à festa de premiação no Hotel Caesar Parque. É bom saber que seria o primeiro ano dessa premiação, que, portanto, não tinha qualquer tradição.

A relações públicas Edda Maria Sant’Anna, outra figura fantástica dessa época, claro, me ajudou a convidar os nomões da MPB. Foi assim que, na noite de gala, estava todo mundo lá. A nata da nata da MPB. Quando apareceram Gal e Bethânia, figuras raras nesses eventos, fiquei seguro de que o sucesso da noite estava garantido.

Meu coração, porém, estava partido. Gonzaguinha estava em Fortaleza, onde se apresentava naqueles dias. Ligou, pediu minha compreensão e se desculpou pela ausência. A única coisa que pude lamentar foi: “justo você… Entendo, mas sentirei muito sua falta…”

Minha tristeza mexeu com o Gonzaguinha. Quase no final da festa da MPB, correndo, ele entra no salão. Vendo minha expressão de susto, carinhosamente disse que não poderia deixar de estar ali comigo. Depois do show em Fortaleza, pegou um avião e chegou a tempo. No dia seguinte, logo cedo, voltou para Fortaleza, onde se reapresentaria à noite. Nunca conseguirei agradecer esse carinho.

O filme. Claro que fui ver o filme dos Gonzaga com o maior carinho. Acontece que, apesar de saber que os dois tinham problemas, nunca soube exatamente quais eram. Achava que seria coisa de artistas, pai famoso de filho famoso, essas coisas que acontecem normalmente nas famílias de gente famosa.

O filme, porém, retrata uma história real da miséria nordestina, focada no século passado. As dificuldades das pessoas e os desencontros na vida, em função da sobrevivência. Essa vivência sofrida foi que acabou marcando psicologicamente pai e filho. Ambos sofriam sem conseguir aproximação afetiva.

Mas o filme também mostra um show que eles fizeram juntos. Isso me tocou pessoalmente porque fui à primeira apresentação no Hotel Rio Palace, com minha mulher e uns parentes estrangeiros que estavam no Rio.

Pai e filho no palco empolgaram o público. Quando Gonzagão cantou Asa Branca, um dos meus convidados chorou, emocionado, dizendo que não entendia a letra, mas sentia a “força da terra” na música. Foi emocionante, mesmo!

Saímos e fomos para um botequim ao lado do hotel, na Avenida Atlântica, tomar um choppinho. A noite estava quente, convidativa. Logo no primeiro gole, vejo Gonzaguinha passar. Chamei e ele se sentou conosco. Brindamos e logo comentei do meu parente que estava muito emocionado com o que assistira. Os olhos do Gonzaguinha brilharam. Agradeceu meu primo e me pediu para dizer sobre essa emoção ao Gonzagão. E justificou: “ele está inseguro e também muito emocionado com a experiência”.

Quando acabava de me fazer o pedido, surge o Gonzagão na porta do hotel, esperando sua Kombi – ele adorava a sua Kombi – para ir embora. Fui até ele e, chamando-o carinhosamente de “painho”, falei de meu primo, minha mulher, do público. Tínhamos visto um show puro de Brasil. Seus olhos se encheram de lágrimas. Ele me beijou, agradecendo tudo que eu tinha dito, dizendo, com simplicidade que precisava ter ouvido aquilo, naquele momento.

Pai e filho já se foram. Fui relembrar algo sobre eles no filme. Achei o inusitado: a luta de Gonzaguinha para fazer o pai subir com ele, elitizado para o Gonzagão, no mesmo palco. Eu deveria ter dito mais coisas para o Gonzaguinha apesar de ter conhecimento de que ele sempre soube que eu sabia que ele era, além de delicioso parceiro de copo, solidário nas horas complicadas e que sempre tinha sido meu ídolo no palco.

Neste fim de semana fui assistir ao filme sobre Luiz Gonzaga. Afinal, eu conhecia pai e filho. O Gonzagão gostava muito do Arthur Laranjeiras, meu parceiro de trabalho, e de sua mulher – e eterna assessora de imprensa deste país – Ivone Kassu.

Com Gonzagão, estive algumas vezes. Com o Gonzaguinha, muitas. Era um parceirão de mesa, independente de ser famoso. Conversávamos só coisas de boêmios em mesa de bar – um besteirol temperado por muita gargalhada. Era uma turminha gostosa dos anos 80: Ivone e Laranjeiras; Gonzaguinha e Ângela, sua mulher; Antonio Pereira da Silva, o Tonhão; Leila e Jorginho Martins, enfim, eram encontros deliciosos em mesas de botequins cariocas.

Acabei ficando um amigo próximo do Gonzaguinha. Nós nos queríamos muito bem. A tal ponto que, um dia, uma revista na qual eu trabalhava em 1986, resolveu promover uma premiação de MPB no Rio de Janeiro. Sendo o Rio o centro cultural do país, onde moravam tantos artistas, coube a mim mostrar quem tinha prestígio – eu deveria arrastar todos os ganhadores à festa de premiação no Hotel Caesar Parque. É bom saber que seria o primeiro ano dessa premiação, que, portanto, não tinha qualquer tradição.

A relações públicas Edda Maria Sant’Anna, outra figura fantástica dessa época, claro, me ajudou a convidar os nomões da MPB. Foi assim que, na noite de gala, estava todo mundo lá. A nata da nata da MPB. Quando apareceram Gal e Bethânia, figuras raras nesses eventos, fiquei seguro de que o sucesso da noite estava garantido.

Meu coração, porém, estava partido. Gonzaguinha estava em Fortaleza, onde se apresentava naqueles dias. Ligou, pediu minha compreensão e se desculpou pela ausência. A única coisa que pude lamentar foi: “justo você… Entendo, mas sentirei muito sua falta…”

Minha tristeza mexeu com o Gonzaguinha. Quase no final da festa da MPB, correndo, ele entra no salão. Vendo minha expressão de susto, carinhosamente disse que não poderia deixar de estar ali comigo. Depois do show em Fortaleza, pegou um avião e chegou a tempo. No dia seguinte, logo cedo, voltou para Fortaleza, onde se reapresentaria à noite. Nunca conseguirei agradecer esse carinho.

O filme. Claro que fui ver o filme dos Gonzaga com o maior carinho. Acontece que, apesar de saber que os dois tinham problemas, nunca soube exatamente quais eram. Achava que seria coisa de artistas, pai famoso de filho famoso, essas coisas que acontecem normalmente nas famílias de gente famosa.

O filme, porém, retrata uma história real da miséria nordestina, focada no século passado. As dificuldades das pessoas e os desencontros na vida, em função da sobrevivência. Essa vivência sofrida foi que acabou marcando psicologicamente pai e filho. Ambos sofriam sem conseguir aproximação afetiva.

Mas o filme também mostra um show que eles fizeram juntos. Isso me tocou pessoalmente porque fui à primeira apresentação no Hotel Rio Palace, com minha mulher e uns parentes estrangeiros que estavam no Rio.

Pai e filho no palco empolgaram o público. Quando Gonzagão cantou Asa Branca, um dos meus convidados chorou, emocionado, dizendo que não entendia a letra, mas sentia a “força da terra” na música. Foi emocionante, mesmo!

Saímos e fomos para um botequim ao lado do hotel, na Avenida Atlântica, tomar um choppinho. A noite estava quente, convidativa. Logo no primeiro gole, vejo Gonzaguinha passar. Chamei e ele se sentou conosco. Brindamos e logo comentei do meu parente que estava muito emocionado com o que assistira. Os olhos do Gonzaguinha brilharam. Agradeceu meu primo e me pediu para dizer sobre essa emoção ao Gonzagão. E justificou: “ele está inseguro e também muito emocionado com a experiência”.

Quando acabava de me fazer o pedido, surge o Gonzagão na porta do hotel, esperando sua Kombi – ele adorava a sua Kombi – para ir embora. Fui até ele e, chamando-o carinhosamente de “painho”, falei de meu primo, minha mulher, do público. Tínhamos visto um show puro de Brasil. Seus olhos se encheram de lágrimas. Ele me beijou, agradecendo tudo que eu tinha dito, dizendo, com simplicidade que precisava ter ouvido aquilo, naquele momento.

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