Cultura

Gaiola dos esquecidos

Werner Herzog mergulha no mundo dos sentenciados à morte no documentário Death Row. Veja aqui mais sugestões Bravo! para cinema

Chave da emoção. O novo documentário de Werner Herzog , Death Row, apresenta histórias de cinco condenados à morte em prisões dos EUA
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Death Row


Werner Herzog


Como hóspede nos Estados Unidos, e sendo alemão, eu respeitosamente discordo da prática da pena capital.” O anúncio na voz de Werner Herzog abre cada um dos quatro episódios de Death Row, o documentário que o cineasta apresentou pela primeira vez no mais recente Festival de Berlim. Assistiu-se na íntegra, com a divisão temporal do formato idealizado originalmente para televisão, as entrevistas de Herzog com cinco condenados à morte em prisões do Texas e da Flórida, dois dos 34 estados que adotam a medida extrema. O prólogo tem como efeito apresentar o cenário desolador e esclarecer sua atitude diante de projeto tão perturbador.

“Também por ser alemão, eu não posso condenar a pena de morte nos Estados Unidos tendo no passado de nossa história o genocídio e a morte de seis milhões de judeus pelos nazis”, declararia numa conversa com o público logo após a exibição oficial na Haus der Berliner Festspiele. “Não conheço ninguém da minha geração que não seja contra a pena capital, mas mesmo assim não tenho argumentos, não posso dizer como os Estados Unidos devem conduzir sua Justiça criminal.” É a partir da postura definida de antemão aos detentos que Herzog


se lança em Death Row, ou corredor da morte, no entendimento da personalidade desses homens e mulheres. Casos como o de James Barnes, culpado assumido por matar três mulheres, entre elas a própria por estrangulamento, e o de Linda Carty, talvez


o mais intrigante deles, presa por comandar a invasão à residência de um casal para roubar-lhes o filho recém-nascido. Mas ela se diz inocente, inclusive do que se seguiria à mãe, achada morta e envolta em fita-crepe, um saco de plástico a sufocá-la.


Herzog posiciona-se como um hábil interrogador do que se passa na mente desses prisioneiros e nega a condição de ativista contra a pena de morte. “Os crimes são monstruosos, mas os que os cometeram não são monstros eles mesmos”, relativiza. Questionado sobre o limite tênue entre interesse e simpatia pelos depoentes, o diretor contemporiza. “Não é grande simpatia o que se vê ali. Eu apenas tento respeitá-los como seres humanos, o que é diferente de humanizá-los. Acho mais certo dizer que eu os coloco na chave da emoção.”


Como um dos recursos para isso, Herzog lhes pergunta sobre seus sonhos. “Me fascina a ideia porque eu mesmo não sonho e esses condenados estão sozinhos em suas gaiolas, como eles chamam as celas, e só têm seus sonhos a acompanhá-los.” Para ele, é nesse universo abstrato que  mostram seu lado humano. Tal percepção o diretor havia adquirido um ano antes quando rodou Into the Abyss, outro documentário sobre o tema, centrado num único condenado à morte, Michael Perry. “Mas por isso prefiro o documentário à ficção, um campo aberto que me permite  aprofundar um assunto e procurar entender questões tão complexas como a pena de morte.”


Alma de Cinema


O Porto


Aki Kaurismaki

 


Do cinema do finlandês Aki Kaurismaki já esperamos o traço de estranheza e excentricidade de tipos e situações, como em Um Homem sem Passado, parte de uma trilogia sobre os valores de seu país. Em O Porto, estreia desta sexta 2, não faltam os elementos, mas o filme se amplia


de maneira afetuosa e cativante a novos contextos.


Um deles diz respeito ao drama social mais imediato à trama, quando um engraxate do Havre (André Wilms) se apieda de um menino africano imigrante em fuga (Blondin Miguel) e o esconde sob risco de implicações legais. Não fosse apenas o carinho com que circunda seus personagens, como na dedicação da dona de casa doente (Kati Outinen) ao marido pouco afeito o ofício de polir sapatos por preferir a boemia, Kaurismaki ainda os batiza em homenagem a guras do cinema e à arte m geral, além de contar com pontas de atores fetiche como Jean-Pierre Léaud.



É outra vertente a encantar no filme, também pelo fato de o diretor ter sido crítico de cinema. Assim, o protagonista chama-se Marcel e sua esposa dedicada Arletty, referência a Marcel Carné e à estrela de seu O Boulevard do Crime. O menino é Idrissa, lembrança de Idrissa Ouedraogo, mestre do cinema da África, mesmo continente do chadiano Mahamat-Saleh Haroun, também contemplado. Há mesmo um Monet na interpretação de Jean-Pierre Darroussin. Ele é o policial da região portuária onde habitam esses seres de cotidiano modesto, mas de grandeza humanista que Kaurismaki apreende com maravilhoso colorido de alma.


Enfim, santa


Quero ser Marilyn Monroe!


Cinemateca Brasileira, 4 de março a 1º de abril


Há uma devoção a Marilyn Monroe que percorre o mundo desde o ano passado. Uma mostra em Catalina Island, ilha californiana onde a atriz morou com o primeiro marido, recuperou sua vida antes de ela ser a estrela. Lenda, mito e ícone era o anúncio do cartaz da exposição que terminou dia 28 no Palazzo Bembo, em Veneza. Ali se via, por exemplo, a famosa Last Sitting de Bert Stern, último registro fotográfico da exuberante loira antes da súbita morte em 5 de agosto de 1962. Aproxima-se o cinquentenário, portanto, e com ele as homenagens. Cannes divulgou seu cartaz deste ano com a imagem da diva assoprando as velinhas de um bolo, todos sabem para quem. No dia 23 prevê-se a estreia de Sete Dias com Marilyn, que rendeu a indicação de Michelle Williams ao Oscar de Melhor Atriz. Mas é São Paulo quem dá a largada local nas comemorações com a abertura, no domingo 4, de mostra na Cinemateca.


Chama-se Quero Ser Marilyn Monroe!  o evento itinerante que tem início na capital com reunião de pinturas, gravuras e fotografias, entre 125 trabalhos, além da exibição dos filmes em que ela atuou. De pronto, três obras são expressões reconhecidas da mitologia em torno da atriz, na linguagem pop de Andy Warhol e sua série e serigrafia, na intimidade dos lençóis em exuberantes fotos de Douglas Kirkland, e na ideia de solidão captada por Henri Cartier-Bresson no set de Os Desajustados, filme previsto na programação. Mas a própria Marilyn dizia preferir o retrato sob lençóis em que segura uma rosa clicada por Cecil Beaton, também presente. E a prova de que seu fascínio dura está nas interpretações contemporâneas de artistas como Heidi Popovic, Kim Dong-Yoo e Antonio De Felipe.


 

Death Row


Werner Herzog


Como hóspede nos Estados Unidos, e sendo alemão, eu respeitosamente discordo da prática da pena capital.” O anúncio na voz de Werner Herzog abre cada um dos quatro episódios de Death Row, o documentário que o cineasta apresentou pela primeira vez no mais recente Festival de Berlim. Assistiu-se na íntegra, com a divisão temporal do formato idealizado originalmente para televisão, as entrevistas de Herzog com cinco condenados à morte em prisões do Texas e da Flórida, dois dos 34 estados que adotam a medida extrema. O prólogo tem como efeito apresentar o cenário desolador e esclarecer sua atitude diante de projeto tão perturbador.

“Também por ser alemão, eu não posso condenar a pena de morte nos Estados Unidos tendo no passado de nossa história o genocídio e a morte de seis milhões de judeus pelos nazis”, declararia numa conversa com o público logo após a exibição oficial na Haus der Berliner Festspiele. “Não conheço ninguém da minha geração que não seja contra a pena capital, mas mesmo assim não tenho argumentos, não posso dizer como os Estados Unidos devem conduzir sua Justiça criminal.” É a partir da postura definida de antemão aos detentos que Herzog


se lança em Death Row, ou corredor da morte, no entendimento da personalidade desses homens e mulheres. Casos como o de James Barnes, culpado assumido por matar três mulheres, entre elas a própria por estrangulamento, e o de Linda Carty, talvez


o mais intrigante deles, presa por comandar a invasão à residência de um casal para roubar-lhes o filho recém-nascido. Mas ela se diz inocente, inclusive do que se seguiria à mãe, achada morta e envolta em fita-crepe, um saco de plástico a sufocá-la.


Herzog posiciona-se como um hábil interrogador do que se passa na mente desses prisioneiros e nega a condição de ativista contra a pena de morte. “Os crimes são monstruosos, mas os que os cometeram não são monstros eles mesmos”, relativiza. Questionado sobre o limite tênue entre interesse e simpatia pelos depoentes, o diretor contemporiza. “Não é grande simpatia o que se vê ali. Eu apenas tento respeitá-los como seres humanos, o que é diferente de humanizá-los. Acho mais certo dizer que eu os coloco na chave da emoção.”


Como um dos recursos para isso, Herzog lhes pergunta sobre seus sonhos. “Me fascina a ideia porque eu mesmo não sonho e esses condenados estão sozinhos em suas gaiolas, como eles chamam as celas, e só têm seus sonhos a acompanhá-los.” Para ele, é nesse universo abstrato que  mostram seu lado humano. Tal percepção o diretor havia adquirido um ano antes quando rodou Into the Abyss, outro documentário sobre o tema, centrado num único condenado à morte, Michael Perry. “Mas por isso prefiro o documentário à ficção, um campo aberto que me permite  aprofundar um assunto e procurar entender questões tão complexas como a pena de morte.”


Alma de Cinema


O Porto


Aki Kaurismaki

 


Do cinema do finlandês Aki Kaurismaki já esperamos o traço de estranheza e excentricidade de tipos e situações, como em Um Homem sem Passado, parte de uma trilogia sobre os valores de seu país. Em O Porto, estreia desta sexta 2, não faltam os elementos, mas o filme se amplia


de maneira afetuosa e cativante a novos contextos.


Um deles diz respeito ao drama social mais imediato à trama, quando um engraxate do Havre (André Wilms) se apieda de um menino africano imigrante em fuga (Blondin Miguel) e o esconde sob risco de implicações legais. Não fosse apenas o carinho com que circunda seus personagens, como na dedicação da dona de casa doente (Kati Outinen) ao marido pouco afeito o ofício de polir sapatos por preferir a boemia, Kaurismaki ainda os batiza em homenagem a guras do cinema e à arte m geral, além de contar com pontas de atores fetiche como Jean-Pierre Léaud.



É outra vertente a encantar no filme, também pelo fato de o diretor ter sido crítico de cinema. Assim, o protagonista chama-se Marcel e sua esposa dedicada Arletty, referência a Marcel Carné e à estrela de seu O Boulevard do Crime. O menino é Idrissa, lembrança de Idrissa Ouedraogo, mestre do cinema da África, mesmo continente do chadiano Mahamat-Saleh Haroun, também contemplado. Há mesmo um Monet na interpretação de Jean-Pierre Darroussin. Ele é o policial da região portuária onde habitam esses seres de cotidiano modesto, mas de grandeza humanista que Kaurismaki apreende com maravilhoso colorido de alma.


Enfim, santa


Quero ser Marilyn Monroe!


Cinemateca Brasileira, 4 de março a 1º de abril


Há uma devoção a Marilyn Monroe que percorre o mundo desde o ano passado. Uma mostra em Catalina Island, ilha californiana onde a atriz morou com o primeiro marido, recuperou sua vida antes de ela ser a estrela. Lenda, mito e ícone era o anúncio do cartaz da exposição que terminou dia 28 no Palazzo Bembo, em Veneza. Ali se via, por exemplo, a famosa Last Sitting de Bert Stern, último registro fotográfico da exuberante loira antes da súbita morte em 5 de agosto de 1962. Aproxima-se o cinquentenário, portanto, e com ele as homenagens. Cannes divulgou seu cartaz deste ano com a imagem da diva assoprando as velinhas de um bolo, todos sabem para quem. No dia 23 prevê-se a estreia de Sete Dias com Marilyn, que rendeu a indicação de Michelle Williams ao Oscar de Melhor Atriz. Mas é São Paulo quem dá a largada local nas comemorações com a abertura, no domingo 4, de mostra na Cinemateca.


Chama-se Quero Ser Marilyn Monroe!  o evento itinerante que tem início na capital com reunião de pinturas, gravuras e fotografias, entre 125 trabalhos, além da exibição dos filmes em que ela atuou. De pronto, três obras são expressões reconhecidas da mitologia em torno da atriz, na linguagem pop de Andy Warhol e sua série e serigrafia, na intimidade dos lençóis em exuberantes fotos de Douglas Kirkland, e na ideia de solidão captada por Henri Cartier-Bresson no set de Os Desajustados, filme previsto na programação. Mas a própria Marilyn dizia preferir o retrato sob lençóis em que segura uma rosa clicada por Cecil Beaton, também presente. E a prova de que seu fascínio dura está nas interpretações contemporâneas de artistas como Heidi Popovic, Kim Dong-Yoo e Antonio De Felipe.


 

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