Cultura

Christopher Walken: “Qualquer que seja o personagem, sou eu”

O ator conta por que odeia cavalos, adora a franqueza de Hollywood e não sai do hotel em Londres

Walken em cena do filme "Dark Horses", de 2011. Foto: Divulgação
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Por Sean O’Hagan

Foi Mickey Rourke quem chegou mais perto de captar a aura singular de Christopher Walken. “Você sempre pareceu um ser estranho, de outro lugar”, Rourke disse para Walken quando os dois se encontraram recentemente para uma reportagem na revista Interview. “Havia em você alguma coisa de ‘espacial’.”

Hoje com 69 anos, Walken se abrandou um pouco desde que cruzou caminhos com Rourke pela primeira vez, no malfadado épico de Michael Cimino O Portal do Paraíso, em 1980. Mas a descrição ainda parece adequada. Tem a ver com seu sentido de distanciamento: a estranha mistura de calma sobrenatural e ameaça subjacente que ele emana na tela. Como o falecido Dennis Hopper, mas de maneira mais discreta, Walken passou a maior parte de sua carreira interpretando personagens radicais de um tipo ou de outro, enquanto também parecia interpretar a si mesmo.

“Entendo por que as pessoas podem me confundir com meus papéis”, diz, quando converso com ele em sua casa na área rural de Connecticut, onde vive com sua mulher, Georgianne, que é diretora de elenco. “No início eu fiz uma ou duas pessoas perturbadas, e acho que devo ter sido bom nisso, porque pegou. Mas, você sabe, sou um sujeito comum. Fico muito em casa, me esforço para manter distância de toda essa coisa social, as estreias, as festas. Tento viver de maneira tranquila.”

Apesar disso tudo, ele acaba de passar vários dias em casa sem eletricidade, acompanhando o rastro de destruição do furacão Sandy. Apesar de a energia ter sido restabelecida, você sente que ele encarou a presença perturbadora do Sandy quase como uma afronta pessoal. Diz que não irá à Inglaterra para a estreia de Sete Psicopatas e um Shih Tzu, o filme dirigido por Martin McDonagh que ele estrela ao lado de Colin Farrell e Sam Rockwell. “Não gosto de aviões nem nos melhores momentos”, ele diz. “E com a idade gosto cada vez menos. Também não gosto muito de dirigir. Prefiro ser dirigido. Quando estou em Londres não gosto nem de andar na rua. Não consigo me acostumar a olhar para a direita quando atravesso uma rua. Quando estamos lá, sempre digo para minha mulher: ‘Fique no hotel. Não vá lá fora. É perigoso demais.'”

Arrisco-me a dizer que ele parece uma versão mais branda de seu ser cinematográfico. Sem se perturbar, ele me conta que também tem medo de cavalos. “Na última vez em que fiz um filme que precisava de um cavalo, eu disse: ‘Se ele se mexer eu vou embora’. A pior coisa é que eles sabem quando você tem medo e agem de acordo. Já dispararam para cima de mim. Cavalos, eu não gosto.”

Em Sete Psicopatas há um ou dois cachorros e um coelho, mas nenhum cavalo. É um filme à moda de Tarantino, que funciona à beira do absurdo, um lugar onde Walken se sente completamente em casa. Ele interpreta Hans, um trambiqueiro encantador que ganha a vida roubando cães de estimação nos bairros ricos de Los Angeles e, depois de receber uma recompensa, os devolve aos donos agradecidos.

“Eu gosto de Hans”, ele diz de modo revelador. “É um cara interessante. Sua história passada é bastante acidentada e você tem de transmitir isso de algum modo. Ele é um observador, um ouvinte. Durante boa parte do filme ele escuta os outros caras. É muito solitário, voltado para dentro. Ele não se relaciona.” Walken é efusivo em seu elogio a McDonagh, diretor que segundo ele “é generoso o bastante para escrever grandes diálogos. Eu venho do teatro e adoro isso”. (Os dois já trabalharam juntos, quando Walken estrelou sua peça A Behanding in Spokane, na Broadway, em 2010.)

A voz estranhamente inclassificável de Walken, é claro, é outro componente chave de sua alteridade nas telas. Juntamente com o olhar, ela fez parte de vários papéis memoráveis, desde sua atuação pioneira e vencedora do Oscar como um soldado americano traumatizado em O Franco Atirador, de Cimino, de 1978. Ele interpretou um médium em A Hora da Zona Morta, um vilão de James Bond em 007 – Na Mira dos Assassinos, um pai totalmente amoral no criminalmente desprezado Caminhos Violentos, um traficante de drogas impiedoso em O Rei de Nova York, de Abel Ferrara, um bandido ao lado de Dennis Hopper em Amor à Queima Roupa e o cavaleiro decapitado em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, de Tim Burton.

“Eu interpreto muitas pessoas perturbadas, mas sempre com uma certa distância ou ironia”, diz Walken. “A maioria dos vilões que faço são basicamente inofensivos.” Uma das exceções é Robert, o dono de bar ítalo-britânico em Uma Estranha Passagem em Veneza, adaptação por Paul Schrader do romance de Ian McEwan The Comfort of Strangers. “Esse cara me pegou. Eu não conseguia identificar por quê, mas me pegou. Eu não queria que ele estivesse ali e durante algum tempo depois do filme não consegui me livrar dele.”

Agora, em outro filme a ser lançado em breve, A Late Quartet, Walken finalmente consegue interpretar um sujeito comum: um violoncelista clássico diagnosticado com mal de Parkinson. É um filme bem-comportado sobre a ambição artística, em que ele consegue parecer ameaçador mesmo enquanto toca os acordes suaves de uma sonata de Beethoven. Recentemente, quando perguntado sobre como fez para tocar cello no personagem, ele respondeu: “Nunca estou no personagem”. Então interpreta ligeiras variações de si mesmo em cada filme? “De certa maneira sim. Qualquer que seja o personagem que eu faça, sou eu. Eu sou a única pessoa na minha vida a quem posso me referir. Eu tenho uma mulher, tenho amigos, mas sou basicamente eu. Existem atores que conseguem se transformar, alguns famosos, mas não sou um deles. Existe uma diferença crucial entre um ator e um artista. Eu sou basicamente um artista. É daí que eu venho. É o que eu sei. O que eu faço.”

Então, como ele realmente se prepara para um papel? “Bem, não é algo que eu poderia articular totalmente”, diz Walken, “mas basicamente me preparo da mesma maneira todas as vezes. Pego o script, fico na minha cozinha e murmuro para mim mesmo. Várias vezes.” Ele está falando sério? “Oh, sim. Sabe, eu fico fazendo isso até ouvir alguma coisa lá dentro. Fui educado como bailarino e isso ficou comigo, eu basicamente procuro um ritmo. Para mim, atuar tem tudo a ver com o ritmo. Quando tento entender as coisas, trata-se de encontrar o ritmo. Sempre.”

Walken cresceu em Astoria, no bairro de Queens, o tipo de vizinhança de segunda geração do cadinho cultural que há muito tempo desapareceu. Certa vez ele disse a um jornalista que “cresceu ouvindo as pessoas falarem inglês ruim… e eu provavelmente falo inglês quase como uma segunda língua”. Esta talvez seja a verdadeira chave para sua atuação estranha, quase dura, juntamente com o fato de que ele tomou uma decisão precoce como ator, de propositalmente desconsiderar a pontuação quando lê suas falas, um truque que ele imaginou corretamente que o distinguiria.

“Você já esteve em Astoria?”, ele pergunta. “Ainda hoje é meio exótico. Parece o Oriente Médio. Quando eu era criança, eram italianos, irlandeses, judeus, russos, todos vivendo juntos. As crianças que eu conhecia tinham pais que vinham de algum outro lugar. E todo mundo falava sua própria língua em casa e no trabalho. Meu pai era padeiro e falava alemão na padaria. Minha mãe era escocesa e nunca perdeu o sotaque. Nunca.”

Quando criança, ele diz que era cercado de pessoas que encontraram cedo sua vocação na vida. “Meu pai tinha nove irmãos e irmãs. Três eram padres, três eram freiras e três eram padeiros. Eu poderia ter sido padeiro, mas minha mãe tinha uma coisa com o show business. Ela era bonita, um pouco exagerada. Gostaria de ter sido artista, mas criava os filhos. Acho que absorvi sua ambição.”

Juntamente com seus irmãos Kenneth e Glenn, Walken aprendeu a atuar em programas de variedades na televisão ao vivo nos anos 1950, e participou regularmente da “Colgate Comedy Hour”. “Comecei a me apresentar quando tinha 5 anos. Não éramos atores infantis — éramos usados como móveis. Mas toda a minha educação veio daquele mundo, e foi muito boa. Você aprendia a dominar os nervos. Aprendia a pensar por si mesmo. Se cometesse erros, não havia como corrigir. Tinha de enfrentar a vergonha. Foi um aprendizado absolutamente único.”

Na adolescência, ele treinou como bailarino na Escola Profissional de Crianças em Nova York, que mais tarde descreveu como “estar naquele filme em que o sujeito fica perdido em um planeta de mulheres”, e ao se formar recebeu o diploma da famosa artista de strip-tease Gypsy Rose Lee. (Décadas depois ele exibiu seus números no vídeo Weapon of Choice, de Fatboy Slim – Aos 16 anos ele fez uma turnê com um circo como aprendiz de domador de leões: “Era simplesmente bom demais para não aproveitar”. Ele coestrelou vários musicais de sucesso na Broadway nos anos 1960, incluindo West Side Story e Best Foot Forward, em que fez par com Liza Minelli, e em 1966 conseguiu um papel de coadjuvante como o Rei Felipe em uma produção na Broadway de O Leão no Inverno. A perspectiva disto o deixou tão temeroso que foi demitido na primeira noite por causa do nervosismo palpável; perdoado, continuou e obteve críticas excelentes.

Walken já era um veterano no show business quando lhe ofereceram o papel do Coronel Nick Chevotarevich em O Franco Atirador. “A maioria das grandes coisas que aconteceram na minha vida foram imprevistas”, ele diz. “O Franco Atirador foi assim. Eu estava dançando em um musical e alguém disse: ‘Estão fazendo testes para um filme aqui perto; por que você não experimenta?’ Então fui lá e isso mudou minha vida. As pessoas costumam me perguntar sobre opções. Eu não faço opções; apenas pego a próxima coisa boa que aparecer. Esse foi outro daqueles acasos incríveis.” O resto é história, embora de um tipo ligeiramente fora do comum.

Recentemente, o nome de Walken ganhou manchetes nos tabloides quando detetives de Los Angeles anunciaram que estavam reabrindo o caso da morte de Natalie Wood por afogamento, cerca de 30 anos atrás. Walken era um hóspede de Wood e seu marido, Robert Wagner, em seu iate Splendour na noite em que ela caiu no mar. O veredicto original de morte acidental foi contestado pelo capitão do barco em uma memória recente, e Walken poderá ser chamado como testemunha. Ele não quis falar sobre a tragédia, exceto para uma entrevista ao New York Times em 1992, quando disse: “Para mim, a única resposta durante anos foi o silêncio. Eu quis dar as costas à vulgaridade do que foi dito e impresso… Eu apenas decidi ter um pouco de dignidade depois e ficar calado”. E isso continua valendo.

Eu lhe pergunto se tem arrependimentos. “Não. As coisas correram melhor do que eu esperava, talvez porque eu não esperasse que as coisas fossem boas. Eu realmente não tinha qualquer aspiração. Sou preguiçoso. Não corro atrás das coisas. Sou bastante realista sobre minhas possibilidades e conheço minhas limitações. Não sou uma pessoa muito dada ao pânico, por isso não fico muito estressado quando não aparece trabalho durante algum tempo. Tento viver calmamente. Isso me impediu de ter úlcera.”

Como ele sobreviveu no mundo hiperambicioso e cruel de Hollywood? “Bem, você sabe, eu sempre achei que é um lugar honesto. Ou eles querem você para um papel ou não querem. É muito simples. As pessoas falam que Hollywood é um lugar onde você nunca recebe respostas diretas, mas na minha experiência é o contrário. Se eles não querem você, fica muito claro.”

Qual é a pior coisa em seu trabalho? “Decorar as falas, é claro. Não sei como as pessoas decoram as falas rapidamente. Para mim sempre foi uma tarefa entediante, uma agonia. Detesto isso. Demoro anos para decorar minhas falas. Gostaria de poder fazer filmes com cartolinas pintadas. Assim é fácil. Não preguiçoso, mas fácil. Sabe de uma coisa? Eu gostaria de viver minha vida inteira com cartolinas pintadas. De verdade.”

 

 

Sete Psicopatas e um Shih Tzu [Seven Psychopaths]

Ano de produção: 2012

Países: UK, EUA

Classificação (UK): 15 anos

Duração: 109 mins

Diretor: Martin McDonagh

Elenco: Abbie Cornish, Christopher Walken, Colin Farrell, Harry Dean Stanton, Michael Pitt, Michael Stuhlbarg, Sam Rockwell, Tom Waits, Woody Harrelson

Lançamento.: 4 de janeiro.

Leia mais em www.Guardian.co.uk

Por Sean O’Hagan

Foi Mickey Rourke quem chegou mais perto de captar a aura singular de Christopher Walken. “Você sempre pareceu um ser estranho, de outro lugar”, Rourke disse para Walken quando os dois se encontraram recentemente para uma reportagem na revista Interview. “Havia em você alguma coisa de ‘espacial’.”

Hoje com 69 anos, Walken se abrandou um pouco desde que cruzou caminhos com Rourke pela primeira vez, no malfadado épico de Michael Cimino O Portal do Paraíso, em 1980. Mas a descrição ainda parece adequada. Tem a ver com seu sentido de distanciamento: a estranha mistura de calma sobrenatural e ameaça subjacente que ele emana na tela. Como o falecido Dennis Hopper, mas de maneira mais discreta, Walken passou a maior parte de sua carreira interpretando personagens radicais de um tipo ou de outro, enquanto também parecia interpretar a si mesmo.

“Entendo por que as pessoas podem me confundir com meus papéis”, diz, quando converso com ele em sua casa na área rural de Connecticut, onde vive com sua mulher, Georgianne, que é diretora de elenco. “No início eu fiz uma ou duas pessoas perturbadas, e acho que devo ter sido bom nisso, porque pegou. Mas, você sabe, sou um sujeito comum. Fico muito em casa, me esforço para manter distância de toda essa coisa social, as estreias, as festas. Tento viver de maneira tranquila.”

Apesar disso tudo, ele acaba de passar vários dias em casa sem eletricidade, acompanhando o rastro de destruição do furacão Sandy. Apesar de a energia ter sido restabelecida, você sente que ele encarou a presença perturbadora do Sandy quase como uma afronta pessoal. Diz que não irá à Inglaterra para a estreia de Sete Psicopatas e um Shih Tzu, o filme dirigido por Martin McDonagh que ele estrela ao lado de Colin Farrell e Sam Rockwell. “Não gosto de aviões nem nos melhores momentos”, ele diz. “E com a idade gosto cada vez menos. Também não gosto muito de dirigir. Prefiro ser dirigido. Quando estou em Londres não gosto nem de andar na rua. Não consigo me acostumar a olhar para a direita quando atravesso uma rua. Quando estamos lá, sempre digo para minha mulher: ‘Fique no hotel. Não vá lá fora. É perigoso demais.'”

Arrisco-me a dizer que ele parece uma versão mais branda de seu ser cinematográfico. Sem se perturbar, ele me conta que também tem medo de cavalos. “Na última vez em que fiz um filme que precisava de um cavalo, eu disse: ‘Se ele se mexer eu vou embora’. A pior coisa é que eles sabem quando você tem medo e agem de acordo. Já dispararam para cima de mim. Cavalos, eu não gosto.”

Em Sete Psicopatas há um ou dois cachorros e um coelho, mas nenhum cavalo. É um filme à moda de Tarantino, que funciona à beira do absurdo, um lugar onde Walken se sente completamente em casa. Ele interpreta Hans, um trambiqueiro encantador que ganha a vida roubando cães de estimação nos bairros ricos de Los Angeles e, depois de receber uma recompensa, os devolve aos donos agradecidos.

“Eu gosto de Hans”, ele diz de modo revelador. “É um cara interessante. Sua história passada é bastante acidentada e você tem de transmitir isso de algum modo. Ele é um observador, um ouvinte. Durante boa parte do filme ele escuta os outros caras. É muito solitário, voltado para dentro. Ele não se relaciona.” Walken é efusivo em seu elogio a McDonagh, diretor que segundo ele “é generoso o bastante para escrever grandes diálogos. Eu venho do teatro e adoro isso”. (Os dois já trabalharam juntos, quando Walken estrelou sua peça A Behanding in Spokane, na Broadway, em 2010.)

A voz estranhamente inclassificável de Walken, é claro, é outro componente chave de sua alteridade nas telas. Juntamente com o olhar, ela fez parte de vários papéis memoráveis, desde sua atuação pioneira e vencedora do Oscar como um soldado americano traumatizado em O Franco Atirador, de Cimino, de 1978. Ele interpretou um médium em A Hora da Zona Morta, um vilão de James Bond em 007 – Na Mira dos Assassinos, um pai totalmente amoral no criminalmente desprezado Caminhos Violentos, um traficante de drogas impiedoso em O Rei de Nova York, de Abel Ferrara, um bandido ao lado de Dennis Hopper em Amor à Queima Roupa e o cavaleiro decapitado em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, de Tim Burton.

“Eu interpreto muitas pessoas perturbadas, mas sempre com uma certa distância ou ironia”, diz Walken. “A maioria dos vilões que faço são basicamente inofensivos.” Uma das exceções é Robert, o dono de bar ítalo-britânico em Uma Estranha Passagem em Veneza, adaptação por Paul Schrader do romance de Ian McEwan The Comfort of Strangers. “Esse cara me pegou. Eu não conseguia identificar por quê, mas me pegou. Eu não queria que ele estivesse ali e durante algum tempo depois do filme não consegui me livrar dele.”

Agora, em outro filme a ser lançado em breve, A Late Quartet, Walken finalmente consegue interpretar um sujeito comum: um violoncelista clássico diagnosticado com mal de Parkinson. É um filme bem-comportado sobre a ambição artística, em que ele consegue parecer ameaçador mesmo enquanto toca os acordes suaves de uma sonata de Beethoven. Recentemente, quando perguntado sobre como fez para tocar cello no personagem, ele respondeu: “Nunca estou no personagem”. Então interpreta ligeiras variações de si mesmo em cada filme? “De certa maneira sim. Qualquer que seja o personagem que eu faça, sou eu. Eu sou a única pessoa na minha vida a quem posso me referir. Eu tenho uma mulher, tenho amigos, mas sou basicamente eu. Existem atores que conseguem se transformar, alguns famosos, mas não sou um deles. Existe uma diferença crucial entre um ator e um artista. Eu sou basicamente um artista. É daí que eu venho. É o que eu sei. O que eu faço.”

Então, como ele realmente se prepara para um papel? “Bem, não é algo que eu poderia articular totalmente”, diz Walken, “mas basicamente me preparo da mesma maneira todas as vezes. Pego o script, fico na minha cozinha e murmuro para mim mesmo. Várias vezes.” Ele está falando sério? “Oh, sim. Sabe, eu fico fazendo isso até ouvir alguma coisa lá dentro. Fui educado como bailarino e isso ficou comigo, eu basicamente procuro um ritmo. Para mim, atuar tem tudo a ver com o ritmo. Quando tento entender as coisas, trata-se de encontrar o ritmo. Sempre.”

Walken cresceu em Astoria, no bairro de Queens, o tipo de vizinhança de segunda geração do cadinho cultural que há muito tempo desapareceu. Certa vez ele disse a um jornalista que “cresceu ouvindo as pessoas falarem inglês ruim… e eu provavelmente falo inglês quase como uma segunda língua”. Esta talvez seja a verdadeira chave para sua atuação estranha, quase dura, juntamente com o fato de que ele tomou uma decisão precoce como ator, de propositalmente desconsiderar a pontuação quando lê suas falas, um truque que ele imaginou corretamente que o distinguiria.

“Você já esteve em Astoria?”, ele pergunta. “Ainda hoje é meio exótico. Parece o Oriente Médio. Quando eu era criança, eram italianos, irlandeses, judeus, russos, todos vivendo juntos. As crianças que eu conhecia tinham pais que vinham de algum outro lugar. E todo mundo falava sua própria língua em casa e no trabalho. Meu pai era padeiro e falava alemão na padaria. Minha mãe era escocesa e nunca perdeu o sotaque. Nunca.”

Quando criança, ele diz que era cercado de pessoas que encontraram cedo sua vocação na vida. “Meu pai tinha nove irmãos e irmãs. Três eram padres, três eram freiras e três eram padeiros. Eu poderia ter sido padeiro, mas minha mãe tinha uma coisa com o show business. Ela era bonita, um pouco exagerada. Gostaria de ter sido artista, mas criava os filhos. Acho que absorvi sua ambição.”

Juntamente com seus irmãos Kenneth e Glenn, Walken aprendeu a atuar em programas de variedades na televisão ao vivo nos anos 1950, e participou regularmente da “Colgate Comedy Hour”. “Comecei a me apresentar quando tinha 5 anos. Não éramos atores infantis — éramos usados como móveis. Mas toda a minha educação veio daquele mundo, e foi muito boa. Você aprendia a dominar os nervos. Aprendia a pensar por si mesmo. Se cometesse erros, não havia como corrigir. Tinha de enfrentar a vergonha. Foi um aprendizado absolutamente único.”

Na adolescência, ele treinou como bailarino na Escola Profissional de Crianças em Nova York, que mais tarde descreveu como “estar naquele filme em que o sujeito fica perdido em um planeta de mulheres”, e ao se formar recebeu o diploma da famosa artista de strip-tease Gypsy Rose Lee. (Décadas depois ele exibiu seus números no vídeo Weapon of Choice, de Fatboy Slim – Aos 16 anos ele fez uma turnê com um circo como aprendiz de domador de leões: “Era simplesmente bom demais para não aproveitar”. Ele coestrelou vários musicais de sucesso na Broadway nos anos 1960, incluindo West Side Story e Best Foot Forward, em que fez par com Liza Minelli, e em 1966 conseguiu um papel de coadjuvante como o Rei Felipe em uma produção na Broadway de O Leão no Inverno. A perspectiva disto o deixou tão temeroso que foi demitido na primeira noite por causa do nervosismo palpável; perdoado, continuou e obteve críticas excelentes.

Walken já era um veterano no show business quando lhe ofereceram o papel do Coronel Nick Chevotarevich em O Franco Atirador. “A maioria das grandes coisas que aconteceram na minha vida foram imprevistas”, ele diz. “O Franco Atirador foi assim. Eu estava dançando em um musical e alguém disse: ‘Estão fazendo testes para um filme aqui perto; por que você não experimenta?’ Então fui lá e isso mudou minha vida. As pessoas costumam me perguntar sobre opções. Eu não faço opções; apenas pego a próxima coisa boa que aparecer. Esse foi outro daqueles acasos incríveis.” O resto é história, embora de um tipo ligeiramente fora do comum.

Recentemente, o nome de Walken ganhou manchetes nos tabloides quando detetives de Los Angeles anunciaram que estavam reabrindo o caso da morte de Natalie Wood por afogamento, cerca de 30 anos atrás. Walken era um hóspede de Wood e seu marido, Robert Wagner, em seu iate Splendour na noite em que ela caiu no mar. O veredicto original de morte acidental foi contestado pelo capitão do barco em uma memória recente, e Walken poderá ser chamado como testemunha. Ele não quis falar sobre a tragédia, exceto para uma entrevista ao New York Times em 1992, quando disse: “Para mim, a única resposta durante anos foi o silêncio. Eu quis dar as costas à vulgaridade do que foi dito e impresso… Eu apenas decidi ter um pouco de dignidade depois e ficar calado”. E isso continua valendo.

Eu lhe pergunto se tem arrependimentos. “Não. As coisas correram melhor do que eu esperava, talvez porque eu não esperasse que as coisas fossem boas. Eu realmente não tinha qualquer aspiração. Sou preguiçoso. Não corro atrás das coisas. Sou bastante realista sobre minhas possibilidades e conheço minhas limitações. Não sou uma pessoa muito dada ao pânico, por isso não fico muito estressado quando não aparece trabalho durante algum tempo. Tento viver calmamente. Isso me impediu de ter úlcera.”

Como ele sobreviveu no mundo hiperambicioso e cruel de Hollywood? “Bem, você sabe, eu sempre achei que é um lugar honesto. Ou eles querem você para um papel ou não querem. É muito simples. As pessoas falam que Hollywood é um lugar onde você nunca recebe respostas diretas, mas na minha experiência é o contrário. Se eles não querem você, fica muito claro.”

Qual é a pior coisa em seu trabalho? “Decorar as falas, é claro. Não sei como as pessoas decoram as falas rapidamente. Para mim sempre foi uma tarefa entediante, uma agonia. Detesto isso. Demoro anos para decorar minhas falas. Gostaria de poder fazer filmes com cartolinas pintadas. Assim é fácil. Não preguiçoso, mas fácil. Sabe de uma coisa? Eu gostaria de viver minha vida inteira com cartolinas pintadas. De verdade.”

 

 

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Ano de produção: 2012

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Classificação (UK): 15 anos

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