Tecnologia

Estranho empreendimento

Um punhado de astros das finanças lançou a Planetary Resources Inc., a ‘primeira empresa de mineração de asteroides da história’. A incógnita é como obterá lucro

Um punhado de astros das finanças lançou a Planetary Resources Inc., a “primeira empresa de mineração de asteroides da história”. A incógnita é como a empresa se tornará lucrativa
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Com muita fanfarra, um punhado de astros das finanças lançou, em 24 de abril, a Planetary Resources Inc., anunciada como a “primeira empresa de mineração de asteroides da história”. O grupo inclui Larry Page e Eric Schmidt do Google, o cineasta James Cameron, o presidente da Intentional Software Corporation e ex-chefe de arquitetura de software na Microsoft, Charles Simonyi e o presidente do grupo Perot, Ross Perot Jr.

O site da empresa, em http://www.planetaryresources.com/2012/04/asteroid-mining-plans-revealed-by-planetary-resources-inc/ é quase tão bem produzido quanto um filme de ficção científica de Cameron. Mostra como a Planetary Resources pretende lançar telescópios orbitais para rastrear asteroides e depois missões para interceptar asteroides que passem perto da Terra. Explica também como asteroides podem conter enormes quantidades de elementos valiosos como, por exemplo, platina, além de materiais comuns na Terra, como água, mas que podem ser muito valiosos no espaço, para eventuais missões que deles necessitem.

Em nenhum momento, porém, o site sugere prazos ou demonstra como resolverá a questão principal, ou seja, tornar lucrativa a tal mineração de asteroides. Não é coisa trivial. Platina, para usar o exemplo dado pelo site, vale hoje perto de 1,6 mil dólares a onça, ou 50 mil o quilo. Mas ninguém vai encontrar barras de platina prontinhas arrumadas num asteroide: para obter um quilo do metal é preciso refinar algo como trinta toneladas de minério.

Simplesmente colocar um quilo de material em órbita custa dez mil a vinte mil dólares. Enviá-lo a uma distância como a da Lua, umas vinte vezes mais. E os asteroides geralmente passam pela Terra a uma velocidade relativa muito grande, da ordem de dezenas de quilômetros por segundo. Para utilizar qualquer material que se consiga recolher deles, será preciso acelerar e desacelerar massa e levá-la para “cima” ou para “baixo” no campo gravitacional, manipular energia cinética e potencial da ordem de muitos bilhões de joules por quilo.

Como argumentou o jornalista Adam Mann no site Wired, supondo que se conseguisse inventar um robô de 2,5 toneladas capaz de minerar cem vezes a sua própria massa e trazê-la à Terra, a platina contida nesse minério valeria meros 875 mil dólares. Muito pouco para uma missão que custaria, pelo menos, centenas de milhões de dólares. A sonda japonesa Hayabusa, que em 2010 recolheu exatamente um micrograma de material do asteroide Itokawa, custou 170 milhões de dólares. O projeto Osiris-REX da NASA, anunciado em 2011 e que visa recolher 60 gramas de amostras do asteroide 1999 RQ36 (com lançamento em 2016 e retorno em 2023), foi orçado em 800 milhões.

Minerar água ou outros materiais para uso no espaço também não faz sentido enquanto não houver uma demanda. Esta só poderia haver de missões astronáuticas de conquista do espaço em vasta escala, mas para que elas existiriam, enquanto isso não for uma perspectiva estratégica ou econômica real? As sondas enviadas com fins científicos não precisam disso. É como se propor a abrir um posto de gasolina no meio da Antártida esperando que um dia o tráfego chegue lá…

É pelo menos estranho que os garotos-propaganda de um projeto desse tipo sejam os criadores de um buscador de internet e um diretor de filmes de ficção científica e não executivos e engenheiros da Boeing ou da Lockheed, quando os desafios óbvios estão no campo da indústria aeroespacial e não do entretenimento e informação.

Ao contrário do que se passa na informática (ou se passou nas últimas décadas), não há nenhuma perspectiva de redução drástica de custo sem futuro previsível. Não há como substituir energia por informação. As leis da física que a exigem não vão mudar e não há nenhum milagre tecnológico à vista que permita gerar energia muito mais barata e com mais facilidade que hoje. Se houvesse, o mundo não daria murros em ponta de faca como a guerra na Líbia, a usina de Fukushima e a hidrelétrica de Belo Monte.

A primeira parte do projeto – colocar telescópios em órbita – é tecnicamente viável e está ao alcance dos bolsos desses empreendedores. A partir daí, como diz o jornalista de ciência Carlos Orsi em seu blog, talvez seja possível vender serviços de observação e sondagem e desenvolver tecnologia espacial com possíveis usos colaterais, podendo trazer ou não algum lucro.

Mas de resto, tudo soa como um grande golpe de publicidade. A menos que se trate de uma operação para abrir precedentes e reivindicar para a iniciativa privada estadunidense a propriedade de asteroides e outros astros e transformá-los em reserva de valor especulativo, antes mesmo de se ter qualquer possibilidade real de explorá-los economicamente.

O que provavelmente trará sérios problemas diplomáticos, pois a maioria das nações exige que o espaço, assim como a Antártida, permaneça como herança comum da humanidade, como dispõe o Tratado do Espaço Exterior que foi assinado desde 1967 por 100 nações e ratificado por 74, incluindo todas as potências nucleares (exceto Coreia do Norte), todos os países capazes de lançar satélites (exceto o Irã) e o Brasil. Para que o empreendimento faça algum sentido, os EUA teriam que começar por denunciá-lo.

Com muita fanfarra, um punhado de astros das finanças lançou, em 24 de abril, a Planetary Resources Inc., anunciada como a “primeira empresa de mineração de asteroides da história”. O grupo inclui Larry Page e Eric Schmidt do Google, o cineasta James Cameron, o presidente da Intentional Software Corporation e ex-chefe de arquitetura de software na Microsoft, Charles Simonyi e o presidente do grupo Perot, Ross Perot Jr.

O site da empresa, em http://www.planetaryresources.com/2012/04/asteroid-mining-plans-revealed-by-planetary-resources-inc/ é quase tão bem produzido quanto um filme de ficção científica de Cameron. Mostra como a Planetary Resources pretende lançar telescópios orbitais para rastrear asteroides e depois missões para interceptar asteroides que passem perto da Terra. Explica também como asteroides podem conter enormes quantidades de elementos valiosos como, por exemplo, platina, além de materiais comuns na Terra, como água, mas que podem ser muito valiosos no espaço, para eventuais missões que deles necessitem.

Em nenhum momento, porém, o site sugere prazos ou demonstra como resolverá a questão principal, ou seja, tornar lucrativa a tal mineração de asteroides. Não é coisa trivial. Platina, para usar o exemplo dado pelo site, vale hoje perto de 1,6 mil dólares a onça, ou 50 mil o quilo. Mas ninguém vai encontrar barras de platina prontinhas arrumadas num asteroide: para obter um quilo do metal é preciso refinar algo como trinta toneladas de minério.

Simplesmente colocar um quilo de material em órbita custa dez mil a vinte mil dólares. Enviá-lo a uma distância como a da Lua, umas vinte vezes mais. E os asteroides geralmente passam pela Terra a uma velocidade relativa muito grande, da ordem de dezenas de quilômetros por segundo. Para utilizar qualquer material que se consiga recolher deles, será preciso acelerar e desacelerar massa e levá-la para “cima” ou para “baixo” no campo gravitacional, manipular energia cinética e potencial da ordem de muitos bilhões de joules por quilo.

Como argumentou o jornalista Adam Mann no site Wired, supondo que se conseguisse inventar um robô de 2,5 toneladas capaz de minerar cem vezes a sua própria massa e trazê-la à Terra, a platina contida nesse minério valeria meros 875 mil dólares. Muito pouco para uma missão que custaria, pelo menos, centenas de milhões de dólares. A sonda japonesa Hayabusa, que em 2010 recolheu exatamente um micrograma de material do asteroide Itokawa, custou 170 milhões de dólares. O projeto Osiris-REX da NASA, anunciado em 2011 e que visa recolher 60 gramas de amostras do asteroide 1999 RQ36 (com lançamento em 2016 e retorno em 2023), foi orçado em 800 milhões.

Minerar água ou outros materiais para uso no espaço também não faz sentido enquanto não houver uma demanda. Esta só poderia haver de missões astronáuticas de conquista do espaço em vasta escala, mas para que elas existiriam, enquanto isso não for uma perspectiva estratégica ou econômica real? As sondas enviadas com fins científicos não precisam disso. É como se propor a abrir um posto de gasolina no meio da Antártida esperando que um dia o tráfego chegue lá…

É pelo menos estranho que os garotos-propaganda de um projeto desse tipo sejam os criadores de um buscador de internet e um diretor de filmes de ficção científica e não executivos e engenheiros da Boeing ou da Lockheed, quando os desafios óbvios estão no campo da indústria aeroespacial e não do entretenimento e informação.

Ao contrário do que se passa na informática (ou se passou nas últimas décadas), não há nenhuma perspectiva de redução drástica de custo sem futuro previsível. Não há como substituir energia por informação. As leis da física que a exigem não vão mudar e não há nenhum milagre tecnológico à vista que permita gerar energia muito mais barata e com mais facilidade que hoje. Se houvesse, o mundo não daria murros em ponta de faca como a guerra na Líbia, a usina de Fukushima e a hidrelétrica de Belo Monte.

A primeira parte do projeto – colocar telescópios em órbita – é tecnicamente viável e está ao alcance dos bolsos desses empreendedores. A partir daí, como diz o jornalista de ciência Carlos Orsi em seu blog, talvez seja possível vender serviços de observação e sondagem e desenvolver tecnologia espacial com possíveis usos colaterais, podendo trazer ou não algum lucro.

Mas de resto, tudo soa como um grande golpe de publicidade. A menos que se trate de uma operação para abrir precedentes e reivindicar para a iniciativa privada estadunidense a propriedade de asteroides e outros astros e transformá-los em reserva de valor especulativo, antes mesmo de se ter qualquer possibilidade real de explorá-los economicamente.

O que provavelmente trará sérios problemas diplomáticos, pois a maioria das nações exige que o espaço, assim como a Antártida, permaneça como herança comum da humanidade, como dispõe o Tratado do Espaço Exterior que foi assinado desde 1967 por 100 nações e ratificado por 74, incluindo todas as potências nucleares (exceto Coreia do Norte), todos os países capazes de lançar satélites (exceto o Irã) e o Brasil. Para que o empreendimento faça algum sentido, os EUA teriam que começar por denunciá-lo.

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