Sociedade

Um idealista realizador

Riad Younes põe meios e know-how brasileiros a serviço da medicina dos países árabes

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Faz anos, o médico Riad Younes queria colocar em prática um projeto. Como ajudar os países do Oriente Médio, os quais tem infraestrutura hospitalar deficitária e escassez de médicos treinados? No fim de 2003 veio à tona uma oportunidade. O presidente Lula planejava uma turnê pelos países árabes e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, propôs a Younes: “Por que você não se agrega?”

Younes, coordenador de cirurgia oncológica do Hospital São José e professor livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, é, antes de mais nada, um cientista de perfil ideal para executar a tarefa. Nascido no Líbano, esse cidadão brasileiro de 52 anos, fluente em árabe, francês e inglês, é formado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e tem especialização no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York.

De volta ao Brasil, chefiou o Departamento de Cirurgia Torácica do Hospital A.C. Camargo. Em seguida foi por quatro anos diretor-clínico do Hospital A.C. Camargo e depois diretor-clínico por duas gestões do Hospital Sírio-Libanês (HSL). Younes é também médico cirurgião do HSL.

Na viagem na comitiva de Lula, a Síria e o Líbano logo se interessaram pelo projeto. Hóspede de São Paulo em junho de 2010, Bashar al-Assad fez uma visita ao HSL. À época diretor, Younes ciceroneou o líder sírio. As duas áreas que os brasileiros têm meios mais apurados para desenvolver na região, diz Younes, são a oncologia e, em geral, a das doenças hepáticas. No entanto, em intercâmbios no segundo semestre, os brasileiros participarão de outros projetos, como um de deficiência cardíaca congênita.

Em visita a Damasco poucas semanas após o encontro no HSL, Younes ouviu de Assad que a Síria estava interessada também em comprar aparelhos médicos e visitar indústrias brasileiras. Oito médicos sírios vieram ao HSL por três semanas no início de 2011, onde presenciaram diversos transplantes de fígado.

A Síria tomou assim a dianteira nessa relação com o Brasil, mas, quando as manifestações contra Assad tiveram início, o plano encalhou. Indagado como ele vê a refrega sangrenta entre o alauíta Assad e manifestantes, em grande parte da maioria sunita, Younes pondera: “Meu ponto de vista não é político neste caso. Quero salvar vidas e agora estou de mãos atadas em um país que se mostrou o mais solícito no projeto de melhora de sua infraestrutura para a saúde”.

De qualquer modo, ter ido a Damasco rendeu frutos para Younes. A entrevista concedida a uma popular rede de tevê síria gerou interesse em outros países. Ministros da Argélia, Tunísia, Marrocos, Catar e Kuwait, entre outros, -contataram o oncologista.

O médico também levou seu projeto para a Cisjordânia, no fim de 2010, quando o governo brasileiro perguntou se ele teria interesse em viajar à Palestina. Da Cisjordânia Younes seguiu para a Jordânia e o Egito. País com maior infraestrutura médica no mundo árabe, o Egito está em contato com representantes de saúde de Gaza. Younes expôs seu projeto de ajudar os médicos a realizar na capital egípcia transplantes de fígado em crianças de Gaza. A ideia foi aprovada e o embaixador do Brasil no Cairo à época, Cesário Melantonio Neto, contribuiu bastante para a realização do projeto com os egípcios, enfatiza Younes.

Sentado no seu escritório em São -Paulo, Younes, também colunista de CartaCapital, se expressa sobre assuntos variados com rápida articulação sem deixar de transmitir uma sensação de tranquilidade. Segundo Younes, o propósito não é criar uma associação brasileira como a Médicos sem Fronteiras (MSF), e sim treinar os seus pares da região. “Queremos ensiná-los a pescar”, diz, sem receio do clichê.

Claro, há, como no caso da MSF, médicos voluntários do projeto brasileiro a exercer sua profissão na região. Mas, pondera Younes, além da transmissão de -know-how, “queremos melhorar a infraestrutura médica e de atendimento nos -países árabes”. O treinamento pode ser feito in loco em certos lugares como na Cisjordânia, visto que médicos a deixar aquela região raramente voltam, por razões óbvias. Em outros casos, os médicos vêm ao Brasil para ser treinados aqui. Por exemplo, doutores oriundos de países mais endinheirados como o Catar e a Arábia Saudita, onde centros médicos sofisticados não escasseiam, podem, como no caso dos sírios, ser treinados no Brasil.

Segundo Younes, o financiamento para suas viagens ao Oriente Médio foi disponibilizado já no início de 2004, quando o médico voltou da viagem com a comitiva de Lula e expôs seu projeto ao pessoal do HSL. Giovanni Cerri, conselheiro do HSL e à época diretor da Faculdade- de Medicina da USP, animou-se. Pouco a pouco, Younes conseguiu reunir um considerável grupo de financiadores para seus projetos no Oriente Médio. Além da ajuda do HSL, o projeto recebe apoio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) do Ministério das Relações Exteriores e, mais recentemente, da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Essas instituições dividem os custos das viagens de Younes e, no caso de treinamentos, de três a quatro médicos brasileiros.

Por sua vez, países ricos também pretendem participar do projeto. O Ministério da Saúde do Catar, por exemplo, dispõe de uma verba para ajudar a Palestina. “Montamos o projeto para as regiões palestinas, e Doha também entrará com a ajuda financeira”, explica Younes. Em miúdos, em alguns casos o projeto é uma joint venture entre brasileiros e árabes.

De acordo com Younes, o mundo conhece a qualidade de numerosos hospitais nos Estados Unidos, “mas hospitais como o HCor, o São José, o Sírio-Libanês e o Einstein têm de mostrar também a sua”.  O problema “é que o País parece viver em um casulo e ninguém sabe da existência de uma medicina brasileira avançada”. Para o oncologista, o Brasil tem de se tornar uma opção importante.

A presidenta Dilma Rousseff e o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, apoiam o projeto de Younes. Na verdade, a estratégia dele de ajudar os países do Oriente Médio está em sintonia com a geopolítica do governo brasileiro. Brasília busca a paz na região, enquanto a maioria dos países do Ocidente prefere manter elos com Israel. Algumas, por tabela, adotam uma atitude de antagonismo em relação aos países árabes.

“Pacientes do Oriente Médio não se sentem à vontade ao ir se tratar nos Estados Unidos, que enxergam como um país com preconceitos contra os árabes”, argumenta Younes. E é justamente nesse contexto que o Brasil, tido como um país imparcial, poderia ser uma opção. “É claro que nosso projeto tem a ver com a política externa brasileira no Oriente Médio”, concorda Younes. “E os brasileiros são muito queridos na região.”

Faz anos, o médico Riad Younes queria colocar em prática um projeto. Como ajudar os países do Oriente Médio, os quais tem infraestrutura hospitalar deficitária e escassez de médicos treinados? No fim de 2003 veio à tona uma oportunidade. O presidente Lula planejava uma turnê pelos países árabes e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, propôs a Younes: “Por que você não se agrega?”

Younes, coordenador de cirurgia oncológica do Hospital São José e professor livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, é, antes de mais nada, um cientista de perfil ideal para executar a tarefa. Nascido no Líbano, esse cidadão brasileiro de 52 anos, fluente em árabe, francês e inglês, é formado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e tem especialização no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York.

De volta ao Brasil, chefiou o Departamento de Cirurgia Torácica do Hospital A.C. Camargo. Em seguida foi por quatro anos diretor-clínico do Hospital A.C. Camargo e depois diretor-clínico por duas gestões do Hospital Sírio-Libanês (HSL). Younes é também médico cirurgião do HSL.

Na viagem na comitiva de Lula, a Síria e o Líbano logo se interessaram pelo projeto. Hóspede de São Paulo em junho de 2010, Bashar al-Assad fez uma visita ao HSL. À época diretor, Younes ciceroneou o líder sírio. As duas áreas que os brasileiros têm meios mais apurados para desenvolver na região, diz Younes, são a oncologia e, em geral, a das doenças hepáticas. No entanto, em intercâmbios no segundo semestre, os brasileiros participarão de outros projetos, como um de deficiência cardíaca congênita.

Em visita a Damasco poucas semanas após o encontro no HSL, Younes ouviu de Assad que a Síria estava interessada também em comprar aparelhos médicos e visitar indústrias brasileiras. Oito médicos sírios vieram ao HSL por três semanas no início de 2011, onde presenciaram diversos transplantes de fígado.

A Síria tomou assim a dianteira nessa relação com o Brasil, mas, quando as manifestações contra Assad tiveram início, o plano encalhou. Indagado como ele vê a refrega sangrenta entre o alauíta Assad e manifestantes, em grande parte da maioria sunita, Younes pondera: “Meu ponto de vista não é político neste caso. Quero salvar vidas e agora estou de mãos atadas em um país que se mostrou o mais solícito no projeto de melhora de sua infraestrutura para a saúde”.

De qualquer modo, ter ido a Damasco rendeu frutos para Younes. A entrevista concedida a uma popular rede de tevê síria gerou interesse em outros países. Ministros da Argélia, Tunísia, Marrocos, Catar e Kuwait, entre outros, -contataram o oncologista.

O médico também levou seu projeto para a Cisjordânia, no fim de 2010, quando o governo brasileiro perguntou se ele teria interesse em viajar à Palestina. Da Cisjordânia Younes seguiu para a Jordânia e o Egito. País com maior infraestrutura médica no mundo árabe, o Egito está em contato com representantes de saúde de Gaza. Younes expôs seu projeto de ajudar os médicos a realizar na capital egípcia transplantes de fígado em crianças de Gaza. A ideia foi aprovada e o embaixador do Brasil no Cairo à época, Cesário Melantonio Neto, contribuiu bastante para a realização do projeto com os egípcios, enfatiza Younes.

Sentado no seu escritório em São -Paulo, Younes, também colunista de CartaCapital, se expressa sobre assuntos variados com rápida articulação sem deixar de transmitir uma sensação de tranquilidade. Segundo Younes, o propósito não é criar uma associação brasileira como a Médicos sem Fronteiras (MSF), e sim treinar os seus pares da região. “Queremos ensiná-los a pescar”, diz, sem receio do clichê.

Claro, há, como no caso da MSF, médicos voluntários do projeto brasileiro a exercer sua profissão na região. Mas, pondera Younes, além da transmissão de -know-how, “queremos melhorar a infraestrutura médica e de atendimento nos -países árabes”. O treinamento pode ser feito in loco em certos lugares como na Cisjordânia, visto que médicos a deixar aquela região raramente voltam, por razões óbvias. Em outros casos, os médicos vêm ao Brasil para ser treinados aqui. Por exemplo, doutores oriundos de países mais endinheirados como o Catar e a Arábia Saudita, onde centros médicos sofisticados não escasseiam, podem, como no caso dos sírios, ser treinados no Brasil.

Segundo Younes, o financiamento para suas viagens ao Oriente Médio foi disponibilizado já no início de 2004, quando o médico voltou da viagem com a comitiva de Lula e expôs seu projeto ao pessoal do HSL. Giovanni Cerri, conselheiro do HSL e à época diretor da Faculdade- de Medicina da USP, animou-se. Pouco a pouco, Younes conseguiu reunir um considerável grupo de financiadores para seus projetos no Oriente Médio. Além da ajuda do HSL, o projeto recebe apoio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) do Ministério das Relações Exteriores e, mais recentemente, da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Essas instituições dividem os custos das viagens de Younes e, no caso de treinamentos, de três a quatro médicos brasileiros.

Por sua vez, países ricos também pretendem participar do projeto. O Ministério da Saúde do Catar, por exemplo, dispõe de uma verba para ajudar a Palestina. “Montamos o projeto para as regiões palestinas, e Doha também entrará com a ajuda financeira”, explica Younes. Em miúdos, em alguns casos o projeto é uma joint venture entre brasileiros e árabes.

De acordo com Younes, o mundo conhece a qualidade de numerosos hospitais nos Estados Unidos, “mas hospitais como o HCor, o São José, o Sírio-Libanês e o Einstein têm de mostrar também a sua”.  O problema “é que o País parece viver em um casulo e ninguém sabe da existência de uma medicina brasileira avançada”. Para o oncologista, o Brasil tem de se tornar uma opção importante.

A presidenta Dilma Rousseff e o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, apoiam o projeto de Younes. Na verdade, a estratégia dele de ajudar os países do Oriente Médio está em sintonia com a geopolítica do governo brasileiro. Brasília busca a paz na região, enquanto a maioria dos países do Ocidente prefere manter elos com Israel. Algumas, por tabela, adotam uma atitude de antagonismo em relação aos países árabes.

“Pacientes do Oriente Médio não se sentem à vontade ao ir se tratar nos Estados Unidos, que enxergam como um país com preconceitos contra os árabes”, argumenta Younes. E é justamente nesse contexto que o Brasil, tido como um país imparcial, poderia ser uma opção. “É claro que nosso projeto tem a ver com a política externa brasileira no Oriente Médio”, concorda Younes. “E os brasileiros são muito queridos na região.”

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