Sociedade

“Tem lugar no mundo para nós”, diz refugiada sobre a Rio 2016

Grupo de asilantes no Rio de Janeiro se reuniu para torcer por atletas da equipe olímpica de refugiados

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Por Marina Estarque, do Rio de Janeiro

Mesmo sem praticar nenhum esporte e assistindo aos Jogos pela televisão, a quilômetros de distância das arenas, Mariama se sente parte da Olimpíada do Rio de Janeiro. “Os Jogos levantaram a minha autoestima“, conta a refugiada de Gâmbia, que mora no Rio de Janeiro há dois anos.

“Estou eufórica, vou torcer muito!”, diz ela, enquanto olha ansiosa para a televisão. Ela aguarda a entrada dos judocas Popole Misenga e Yolande Mabika, da República Democrática do Congo, que competem pela equipe olímpica de refugiados. Os dois moram e treinam no Rio de Janeiro há três anos.

“Ter um time de refugiados me fez ver que tem lugar no mundo para nós. Isso representa tudo”, diz, em um português simples. Mariama Bah assistiu às lutas nesta quarta-feira (10/08) ao lado de dezenas de refugiados na sede da Cáritas, braço humanitário da Igreja Católica, no bairro do Maracanã.

A jovem, de 26 anos, acompanhou o desempenho dos atletas com nervosismo. Quando Yolande apareceu no tatame, os refugiados comemoraram como se fosse um gol marcado: pularam das cadeiras, gritaram e sacudiram bandeiras da República Democrática do Congo. A luta começou, e as pessoas se sentaram, concentradas. Em pouco tempo, Yolande foi desclassificada e encerrou sua participação na Rio 2016.

Surpresa com o resultado, Mariama chorou, assim como outros no local. Ela disse que se identifica com Yolande, “uma mulher de coração guerreiro”. “Eu imagino a responsabilidade, e vi a decepção na cara dela. Mas, para mim, ela já é uma vencedora. Ser refugiado já é um desafio. Ser mulher refugiada é outro”, diz Mariama.

Foi justamente por ser mulher que a jovem precisou fugir de seu país. Ela conta que, em sua tribo, é costume forçar as meninas a casar enquanto ainda são crianças. Aos 9 anos de idade, Mariama foi prometida para um homem e retirada da escola. “Aos 13, o matrimônio foi consumado. Aos 14, eu já era mãe”, lembra.

Mariama queria voltar a estudar e, com a ajuda das irmãs, conseguiu fugir para o Brasil. Aqui, recebe uma ajuda financeira da Cáritas e está concluindo o ensino médio. Ela planeja fazer faculdade de Medicina. “Eu vi a minha mãe ser médica. Não de diploma, mas quando alguém ficava doente, era ela que cuidava e dava remédio”, afirma.

Para ela, a Olimpíada ajuda a dar visibilidade aos refugiados. “Somos jovens com sonhos. Não temos só histórias tristes, temos vitórias”, diz. Uma delas, para Mariama, é conseguir trazer a filha para o Brasil. A menina, hoje com 12 anos, mora em Gâmbia com as tias e deve chegar em setembro para ficar com a mãe. “Meu coração sempre ficou dividido, com ela lá e eu aqui. Não quero que ela passe pelo que eu passei. Aqui ela vai poder estudar”, afirma.

A refugiada congolesa Mireille Muluila, de 38 anos, também se emocionou com a derrota de Yolande. Para Mireille, que está no Rio há quase dois anos, essa Olimpíada é um “sinal forte” para os refugiados.

“Dá muita força. E mostra que um refugiado pode mudar de país e continuar na mesma profissão, não precisa fazer o trabalho que ninguém quer. Antes, o Popole estava fazendo uns bicos, mas a luta era a vida dele. Isso é importante”, diz ela, que trabalha como tradutora.

Mireille já conhecia Popole, de reuniões de refugiados no Rio. Por isso, ficou ainda mais ansiosa para vê-lo competir nos Jogos. Na primeira luta, Popole venceu, e os refugiados fizeram uma algazarra. Cantaram hinos em outros idiomas, dançaram e se abraçaram.

Já na segunda etapa, o judoca enfrentou o atual campeão mundial e perdeu – mas não sem uma boa luta. Em uma entrevista na televisão, logo após a competição, disse: “Ele é campeão do mundo, mas não conseguiu jogar ippon [golpe que pode encerrar a disputa] comigo, porque eu sou Popole”.

A frase, ouvida entre os refugiados, ainda cabisbaixos com a derrota, foi como um golpe de otimismo. “Você é o Popole!”, gritou Mireille e outros por ali, como se estivessem respondendo para a televisão. Um dos amigos do atleta, o barbeiro André Michel Kitambala, de 34 anos, comemorou o desempenho.

“Ele ganhou uma e perdeu outra, mostrou sua capacidade de combate”, diz André, que também é refugiado e vem da República Democrática do Congo. O barbeiro afirma que mora ao lado do atleta, e que os dois costumam visitar a casa um do outro.

André veio para o Brasil há um ano e meio, fugindo da guerra. Aqui passa por uma série de dificuldades, inclusive financeiras, mas a conquista do amigo lhe encheu de ânimo. “Estou muito feliz, é uma vitória para os refugiados. Dá coragem para todos nós.”

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