Política

Ritual da decapitação

A maioria no julgamento do “mensalão” apoia a tese que pode levar o STF a condenar José Dirceu sem provas

Wanderley. Na perspectiva de um julgamento de exceção
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O novo desentendimento público entre os ministros Joaquim Barbosa, relator, e Ricardo Lewandowski, revisor, expôs a ponta de uma questão que pode se tornar a mais grave deformação no julgamento da Ação Penal 470, chamada de mensalão.

“Esse julgamento não é dos mais ortodoxos que já se processaram neste Supremo”, observou Lewandowski, gravemente, ao longo do bate-boca para o qual foi puxado por Joaquim Barbosa na quarta-feira 12.

O ministro não desvendou a insinuação que fez. Mas há ocorrências que conduzem a uma heterodoxia que projeta um futuro diferente. Ou seja, embora o tribunal não seja de exceção, o julgamento poderá vir a ser se forem consumados indícios formados a partir de alguns votos.

“Não sei se o ex-ministro José Dirceu é inocente ou se, como outros, cometeu algum crime à sombra do ilícito caixa 2. Os autos devem esclarecer isso. Há algo, todavia, independente dos autos: será um julgamento de exceção se for condenado por não haver provas contra ele”, observa Wanderley Guilherme do Santos, o maior cientista político brasileiro vivo, que a Universidade Autônoma Nacional do México considerou um dos cinco mais importantes da América Latina.

Ele observa: “Alguns magistrados estão prontos a contorcionismos chineses para escapar à evidência de que a legislação eleitoral é causa eficiente do caixa 2 que, por sua vez, proporciona a oportunidade para diversos outros crimes”.

Wanderley Guilherme acredita que comentários antecipando votos condenatórios, com base em provas nos autos, abrem estranhamente caminho para “condenações sem provas”. Essa contradição se explica assim:

A premissa – sustentada pela ministra Rosa Weber – de que chefes de quadrilha, homens poderosos, não deixam rastros é interpretação peculiar da tese do domínio do fato. “Pode ser defensável, mas requer comprovação”, contrapõe Wanderley.

Até agora, constata, nenhuma condenação se apoiou em tal tese ou, ainda, na versão mais amena de que, quanto mais elevado nas hierarquias de poder, maior a possibilidade de que criminosos eliminem indícios. Todas as condenações se sustentaram em provas.

João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato foram condenados com provas toscas. Eram, no entanto, homens de poder e influência. O primeiro, presidente da Câmara na ocasião, era o terceiro homem na linha da sucessão presidencial. O segundo integrava a alta administração do Banco do Brasil.

“A interpretação do domínio do fato é a espinha dorsal para a condenação sem provas”, sustenta o cientista político.

“O procurador e o ministro, paralelamente aos autos, construíram um enredo perverso que ligaria todos os ilícitos como se tudo fosse uma coisa só”, afirma ele.

Essa conexão é o eixo em torno do qual gira o raciocínio de que, quanto mais elevada for a posição do criminoso nas hierarquias sociais, mais fácil a ocultação de provas. Por consequência, como diz Wanderley Guilherme, “não havendo provas é forte o indício de que há o mando de uma autoridade”.

Ele denuncia: “O discurso abstrato sobre o domínio do fato nada tem a ver com o voto real, sendo apenas preparatório para o momento em que não houver prova alguma e os juízes condenarem assim mesmo. Um julgamento de exceção”.

Ou seja, tudo indica que está preparado o ritual de decapitação de José Dirceu. E dane-se se não houver provas.

Andante Mosso

 

Muito além do baião


Multiplicam-se as homenagens a Luiz Gonzaga, chamado o Rei do Baião. Se vivo fosse,  completaria 100 anos em dezembro. É importante não esquecer o papel politizador desse  gigante da música brasileira. Nos anos 1950-1960, ele andava “por esse país” fazendo shows  acompanhado da zabumba e do triângulo.

Gonzaga, na sanfona, identificava o homem alto da zabumba como o “custo de vida”, e o baixinho do triângulo como o “salário mínimo”. Fazia um proselitismo romântico e sincero, a partir desse viés da desigualdade.

Só pensa naquilo


José Serra puxou o tema nacional do mensalão para a esfera das eleições municipais em São Paulo. Foi estimulado por seu muy amigo Fernando Henrique Cardoso.

Ruim para Serra. Isso só reforça no sentimento do eleitor paulistano de que a cabeça dele vive voltada para o poder em Brasília.

Inimizades eletivas


Com a saída do ministro Cezar Peluso, por imposição do regimento, houve troca de cadeiras no  plenário do Supremo Tribunal Federal. Os desafetos Marco Aurélio Mello e Joaquim Barbosa, por exemplo, sentavam em lados opostos, e agora estão lado a lado.

Barbosa ficou no lado oposto, porém, de frente para o maior adversário dele no STF, o ministro Gilmar Mendes. A relação entre os dois não é de inimizade. “É de ódio”, avalia um dos  integrantes da Corte, testemunha ocular e auditiva do que se passa naquele tribunal.

Percepção I


Alguns advogados brasileiros manifestam, neste momento, saudades do tradicional domínio liberal no Supremo Tribunal Federal. Um deles constata: “O liberalismo gerou ótimos juízes. O neoliberalismo, não”.

Percepção II


Da ministra Cármen Lúcia, expoente do STF, ao responder à pergunta de um jornalista sobre a proposta de se criar uma sessão extraordinária para acelerar o julgamento da Ação Penal 470, apelidada de mensalão: “Sou mineira. Não sou contra ou a favor de nada”.

 

Duas pedras preciosas I


Um processo, em fase final, guardado nas entranhas do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro vai mudar a vida de dois irmãos que vivem hoje em condições materiais de classe média.

Eles, Milton e Nelson, já foram reconhecidos como filhos de um empresário bilionário, o joalheiro Hans Stern (1922-2007). Por direito vão entrar na repartição de bens calculados


em bilhões de dólares.

Duas pedras preciosas II


A mãe era funcionária de Hans Stern e, após a morte do joalheiro, revelou aos filhos a verdadeira paternidade deles, comprovada ao longo do processo por exames de DNA.

Judeo-alemão, Stern chegou ao Brasil em 1939, fugindo do nazismo. A joalheria, estabelecida


nos anos 1940, multiplicou-se e hoje está presente em mais de 30 países.

Stern revolucionou o mercado mundial de pedras preciosas ao desmontar a afirmação, com rigor irônico irretocável, de que as gemas brasileiras eram menos preciosas: “Assim como não há pessoas semi-honestas, não há pedras semipreciosas”.

Rejeição de classe


A chapa Rodrigo Maia e Clarissa Garotinho, postulante à prefeitura carioca, nasceu de acordo entre o ex-governador fluminense Anthony Garotinho e o ex-prefeito do Rio Cesar Maia. Tinha tudo para dar errado. E deu.

Rodrigo, filho de Cesar, e Clarissa, filha de Garotinho, patinam em torno de 3% das intenções  de voto. O pai de Rodrigo comandou a administração da cidade por duas vezes. E fez o sucessor. O pai de Clarissa governou o estado e elegeu a mulher, Rosinha, como sucessora.

Os dois sempre expressaram campos opostos da sociedade. Cesar, nascido no conservador  bairro da Tijuca, tinha prestígio na classe média. Garotinho, com bom trânsito no interior do estado, de onde se origina, tem apoio da população mais pobre.

Maia foi um prefeito implacável com os camelôs, expressão máxima dos trabalhadores  informais e, naturalmente, da base da pirâmide social. Garotinho, por usos e costumes,  desafia o preconceito da capital. Assim, os eleitores rejeitaram a aliança. É prova política, além de biológica, de que jacaré não cruza com cobra-d’água.

O novo desentendimento público entre os ministros Joaquim Barbosa, relator, e Ricardo Lewandowski, revisor, expôs a ponta de uma questão que pode se tornar a mais grave deformação no julgamento da Ação Penal 470, chamada de mensalão.

“Esse julgamento não é dos mais ortodoxos que já se processaram neste Supremo”, observou Lewandowski, gravemente, ao longo do bate-boca para o qual foi puxado por Joaquim Barbosa na quarta-feira 12.

O ministro não desvendou a insinuação que fez. Mas há ocorrências que conduzem a uma heterodoxia que projeta um futuro diferente. Ou seja, embora o tribunal não seja de exceção, o julgamento poderá vir a ser se forem consumados indícios formados a partir de alguns votos.

“Não sei se o ex-ministro José Dirceu é inocente ou se, como outros, cometeu algum crime à sombra do ilícito caixa 2. Os autos devem esclarecer isso. Há algo, todavia, independente dos autos: será um julgamento de exceção se for condenado por não haver provas contra ele”, observa Wanderley Guilherme do Santos, o maior cientista político brasileiro vivo, que a Universidade Autônoma Nacional do México considerou um dos cinco mais importantes da América Latina.

Ele observa: “Alguns magistrados estão prontos a contorcionismos chineses para escapar à evidência de que a legislação eleitoral é causa eficiente do caixa 2 que, por sua vez, proporciona a oportunidade para diversos outros crimes”.

Wanderley Guilherme acredita que comentários antecipando votos condenatórios, com base em provas nos autos, abrem estranhamente caminho para “condenações sem provas”. Essa contradição se explica assim:

A premissa – sustentada pela ministra Rosa Weber – de que chefes de quadrilha, homens poderosos, não deixam rastros é interpretação peculiar da tese do domínio do fato. “Pode ser defensável, mas requer comprovação”, contrapõe Wanderley.

Até agora, constata, nenhuma condenação se apoiou em tal tese ou, ainda, na versão mais amena de que, quanto mais elevado nas hierarquias de poder, maior a possibilidade de que criminosos eliminem indícios. Todas as condenações se sustentaram em provas.

João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato foram condenados com provas toscas. Eram, no entanto, homens de poder e influência. O primeiro, presidente da Câmara na ocasião, era o terceiro homem na linha da sucessão presidencial. O segundo integrava a alta administração do Banco do Brasil.

“A interpretação do domínio do fato é a espinha dorsal para a condenação sem provas”, sustenta o cientista político.

“O procurador e o ministro, paralelamente aos autos, construíram um enredo perverso que ligaria todos os ilícitos como se tudo fosse uma coisa só”, afirma ele.

Essa conexão é o eixo em torno do qual gira o raciocínio de que, quanto mais elevada for a posição do criminoso nas hierarquias sociais, mais fácil a ocultação de provas. Por consequência, como diz Wanderley Guilherme, “não havendo provas é forte o indício de que há o mando de uma autoridade”.

Ele denuncia: “O discurso abstrato sobre o domínio do fato nada tem a ver com o voto real, sendo apenas preparatório para o momento em que não houver prova alguma e os juízes condenarem assim mesmo. Um julgamento de exceção”.

Ou seja, tudo indica que está preparado o ritual de decapitação de José Dirceu. E dane-se se não houver provas.

Andante Mosso

 

Muito além do baião


Multiplicam-se as homenagens a Luiz Gonzaga, chamado o Rei do Baião. Se vivo fosse,  completaria 100 anos em dezembro. É importante não esquecer o papel politizador desse  gigante da música brasileira. Nos anos 1950-1960, ele andava “por esse país” fazendo shows  acompanhado da zabumba e do triângulo.

Gonzaga, na sanfona, identificava o homem alto da zabumba como o “custo de vida”, e o baixinho do triângulo como o “salário mínimo”. Fazia um proselitismo romântico e sincero, a partir desse viés da desigualdade.

Só pensa naquilo


José Serra puxou o tema nacional do mensalão para a esfera das eleições municipais em São Paulo. Foi estimulado por seu muy amigo Fernando Henrique Cardoso.

Ruim para Serra. Isso só reforça no sentimento do eleitor paulistano de que a cabeça dele vive voltada para o poder em Brasília.

Inimizades eletivas


Com a saída do ministro Cezar Peluso, por imposição do regimento, houve troca de cadeiras no  plenário do Supremo Tribunal Federal. Os desafetos Marco Aurélio Mello e Joaquim Barbosa, por exemplo, sentavam em lados opostos, e agora estão lado a lado.

Barbosa ficou no lado oposto, porém, de frente para o maior adversário dele no STF, o ministro Gilmar Mendes. A relação entre os dois não é de inimizade. “É de ódio”, avalia um dos  integrantes da Corte, testemunha ocular e auditiva do que se passa naquele tribunal.

Percepção I


Alguns advogados brasileiros manifestam, neste momento, saudades do tradicional domínio liberal no Supremo Tribunal Federal. Um deles constata: “O liberalismo gerou ótimos juízes. O neoliberalismo, não”.

Percepção II


Da ministra Cármen Lúcia, expoente do STF, ao responder à pergunta de um jornalista sobre a proposta de se criar uma sessão extraordinária para acelerar o julgamento da Ação Penal 470, apelidada de mensalão: “Sou mineira. Não sou contra ou a favor de nada”.

 

Duas pedras preciosas I


Um processo, em fase final, guardado nas entranhas do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro vai mudar a vida de dois irmãos que vivem hoje em condições materiais de classe média.

Eles, Milton e Nelson, já foram reconhecidos como filhos de um empresário bilionário, o joalheiro Hans Stern (1922-2007). Por direito vão entrar na repartição de bens calculados


em bilhões de dólares.

Duas pedras preciosas II


A mãe era funcionária de Hans Stern e, após a morte do joalheiro, revelou aos filhos a verdadeira paternidade deles, comprovada ao longo do processo por exames de DNA.

Judeo-alemão, Stern chegou ao Brasil em 1939, fugindo do nazismo. A joalheria, estabelecida


nos anos 1940, multiplicou-se e hoje está presente em mais de 30 países.

Stern revolucionou o mercado mundial de pedras preciosas ao desmontar a afirmação, com rigor irônico irretocável, de que as gemas brasileiras eram menos preciosas: “Assim como não há pessoas semi-honestas, não há pedras semipreciosas”.

Rejeição de classe


A chapa Rodrigo Maia e Clarissa Garotinho, postulante à prefeitura carioca, nasceu de acordo entre o ex-governador fluminense Anthony Garotinho e o ex-prefeito do Rio Cesar Maia. Tinha tudo para dar errado. E deu.

Rodrigo, filho de Cesar, e Clarissa, filha de Garotinho, patinam em torno de 3% das intenções  de voto. O pai de Rodrigo comandou a administração da cidade por duas vezes. E fez o sucessor. O pai de Clarissa governou o estado e elegeu a mulher, Rosinha, como sucessora.

Os dois sempre expressaram campos opostos da sociedade. Cesar, nascido no conservador  bairro da Tijuca, tinha prestígio na classe média. Garotinho, com bom trânsito no interior do estado, de onde se origina, tem apoio da população mais pobre.

Maia foi um prefeito implacável com os camelôs, expressão máxima dos trabalhadores  informais e, naturalmente, da base da pirâmide social. Garotinho, por usos e costumes,  desafia o preconceito da capital. Assim, os eleitores rejeitaram a aliança. É prova política, além de biológica, de que jacaré não cruza com cobra-d’água.

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