Sociedade

Risco nas favelas

A existência das moradias insalubres nos morros é um retrato de como as autoridades públicas cariocas deixaram de investir em habitações populares

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Nós, que vivemos no Rio, temos a certeza de convivermos num dos cenários mais lindos do mundo. Faço esta afirmação, confesso, com falsa modéstia: o Rio é, para mim, realmente deslumbrante.

Isso sem falar no povo da cidade, receptivo, alegre, um ponto fundamental de atração para outros povos.

Ultimamente, porém, percebemos que os turistas querem conhecer favelas. Tanto que depois da chamada “pacificação” dos morros cariocas, várias empresas abriram tours em jipões para circularem principalmente pela famosa Rocinha (mas em outras também).

Há cerca de um mês, amigos poloneses que não conheciam o Brasil, pediram que eu fizesse uma reserva para eles conhecerem a Rocinha. Claro que, até por costume, fico apavorado com o risco que isso representa. Liguei para a maior empresa que oferece esse serviço e descobri que os passeios estão suspensos por questão de segurança, o que confirma as informações de que grupos de traficantes andam retomando espaços perdidos. De qualquer forma, fiquei aliviado por não ter conseguido esse “tour” para os turistas.

Porém, passei a refletir no porquê de recear entrar em favelas. Já tive, claro, péssimas experiências, em tempos não tão distantes, em incursões profissionais por lugares dominados pelo tráfico. Além de pedir o acompanhamento de alguém do local, eu sempre tomei o cuidado de não usar certas cores nas roupas, não usar celular ou óculos escuros, deixar todas as janelas do carro abertas. Assim mesmo, entrei em algumas “frias” assustadoras.

Como sou otimista, e acredito que esses fatos sejam definitivamente coisas do passado, passei a refletir sobre quais seriam atuais riscos em favelas – fora o de dar de cara com algum bandido, quando se entra em “zona proibida”.

Foi assim que acabei tendo a visão do médico e advogado Alexandre Arraes, também pós-graduado em Administração Pública, que conhece bem os problemas de áreas carentes, onde desenvolve trabalhos multiprofissionais.

Para conhecimento dos leitores do site, repasso sua visão sobre os problemas do dia a dia dessas populações – que passam despercebidas pelo cidadão de classe média. Alexandre Arraes chama a atenção de que ele repete a palavra “risco” propositalmente e que apresenta apenas uma análise do que vivencia nas favelas.

O médico avisa ainda que está deixando subentendidas perguntas de “como as pessoas se acostumaram a viver numa favela? Será que elas conhecem os riscos que correm? Como as pessoas (nem todo mundo, mas a maioria) que moram fora da favela conseguem seguir suas vidas normalmente com suas consciências tranquilas? E mais como o problema da favela não é prioridade máxima dos Governos?”

Eis, na íntegra, o pensamento de Arraes, explicando seu conceito de “Ampliação do conceito de risco”:

 “Área de risco”: local onde moradores correm o risco de perder a vida.

Este é o significado da expressão utilizada por gestores e legislação municipal. A Lei Orgânica do Município e o Plano Diretor do Rio de Janeiro proíbem transferência de moradores, exceto se ocuparem áreas onde corram risco de vida ou onde exista grave risco ambiental.

Naturalmente, quem mora em favelas corre mais riscos, mas há alguns tipos de risco que podem afetar seriamente toda a população carioca e que não são considerados. Todos gerados pela omissão crônica dos governos do Rio de Janeiro que não investiram durante anos em habitação popular. Permitiram, assim, a ocupação de locais insalubres e inadequados à edificação, onde foram construídos assentamentos sem qualquer planejamento. O resultado foi a concentração em um só ambiente de um conjunto de condições que acabam expondo toda a Cidade.

Risco sanitário de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis e infecto contagiosas como tuberculose, aids, hpv, hepatite, parasitoses e gastrenterites. Risco de morrer de doença tratável sem diagnóstico. Risco de acidentes com bujões de gás – cada um dos domicílios de uma favela tem um bujão de gás comprado na maioria das vezes informalmente e sem qualquer fiscalização. Risco de morte precoce violenta do homem jovem negro – problema de saúde pública que já impacta na expectativa de vida masculina. Risco da gravidez adolescente. Risco de perder o filho para o tráfico e a filha para o traficante. Risco de maior mortalidade infantil e materna, cuja redução é uma das mais importantes metas do milênio.

Risco de evasão escolar que alimenta o ciclo da exclusão. Risco de analfabetismo funcional. Risco de ignorância. Risco de desemprego. Risco de perpetuação e herança da miséria. Risco da intolerância e preconceito. Risco da exclusão social. Risco de abandono.

Riscos de desabamento sobre pistas e entrada de túneis. Risco de incêndio e abalo estrutural causados por construções sob viadutos. Risco de bala perdida. Risco do crack. Risco de dependência química.

Hoje, o processo que define quais favelas serão urbanizadas não leva em consideração a gama de riscos a que a população residente está exposta, muito menos os riscos que existem para a Cidade como um todo. Caso não exista risco de desabamento ou ambiental grave dificilmente haverá intervenção, ainda que exista alta incidência de tuberculose ou de consumo de crack por exemplo. Encarar restritivamente o significado da expressão “área de risco” é retardar a solução dos problemas das populações que vivem em áreas carentes e perpetuar as diferenças seculares.

Nós, que vivemos no Rio, temos a certeza de convivermos num dos cenários mais lindos do mundo. Faço esta afirmação, confesso, com falsa modéstia: o Rio é, para mim, realmente deslumbrante.

Isso sem falar no povo da cidade, receptivo, alegre, um ponto fundamental de atração para outros povos.

Ultimamente, porém, percebemos que os turistas querem conhecer favelas. Tanto que depois da chamada “pacificação” dos morros cariocas, várias empresas abriram tours em jipões para circularem principalmente pela famosa Rocinha (mas em outras também).

Há cerca de um mês, amigos poloneses que não conheciam o Brasil, pediram que eu fizesse uma reserva para eles conhecerem a Rocinha. Claro que, até por costume, fico apavorado com o risco que isso representa. Liguei para a maior empresa que oferece esse serviço e descobri que os passeios estão suspensos por questão de segurança, o que confirma as informações de que grupos de traficantes andam retomando espaços perdidos. De qualquer forma, fiquei aliviado por não ter conseguido esse “tour” para os turistas.

Porém, passei a refletir no porquê de recear entrar em favelas. Já tive, claro, péssimas experiências, em tempos não tão distantes, em incursões profissionais por lugares dominados pelo tráfico. Além de pedir o acompanhamento de alguém do local, eu sempre tomei o cuidado de não usar certas cores nas roupas, não usar celular ou óculos escuros, deixar todas as janelas do carro abertas. Assim mesmo, entrei em algumas “frias” assustadoras.

Como sou otimista, e acredito que esses fatos sejam definitivamente coisas do passado, passei a refletir sobre quais seriam atuais riscos em favelas – fora o de dar de cara com algum bandido, quando se entra em “zona proibida”.

Foi assim que acabei tendo a visão do médico e advogado Alexandre Arraes, também pós-graduado em Administração Pública, que conhece bem os problemas de áreas carentes, onde desenvolve trabalhos multiprofissionais.

Para conhecimento dos leitores do site, repasso sua visão sobre os problemas do dia a dia dessas populações – que passam despercebidas pelo cidadão de classe média. Alexandre Arraes chama a atenção de que ele repete a palavra “risco” propositalmente e que apresenta apenas uma análise do que vivencia nas favelas.

O médico avisa ainda que está deixando subentendidas perguntas de “como as pessoas se acostumaram a viver numa favela? Será que elas conhecem os riscos que correm? Como as pessoas (nem todo mundo, mas a maioria) que moram fora da favela conseguem seguir suas vidas normalmente com suas consciências tranquilas? E mais como o problema da favela não é prioridade máxima dos Governos?”

Eis, na íntegra, o pensamento de Arraes, explicando seu conceito de “Ampliação do conceito de risco”:

 “Área de risco”: local onde moradores correm o risco de perder a vida.

Este é o significado da expressão utilizada por gestores e legislação municipal. A Lei Orgânica do Município e o Plano Diretor do Rio de Janeiro proíbem transferência de moradores, exceto se ocuparem áreas onde corram risco de vida ou onde exista grave risco ambiental.

Naturalmente, quem mora em favelas corre mais riscos, mas há alguns tipos de risco que podem afetar seriamente toda a população carioca e que não são considerados. Todos gerados pela omissão crônica dos governos do Rio de Janeiro que não investiram durante anos em habitação popular. Permitiram, assim, a ocupação de locais insalubres e inadequados à edificação, onde foram construídos assentamentos sem qualquer planejamento. O resultado foi a concentração em um só ambiente de um conjunto de condições que acabam expondo toda a Cidade.

Risco sanitário de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis e infecto contagiosas como tuberculose, aids, hpv, hepatite, parasitoses e gastrenterites. Risco de morrer de doença tratável sem diagnóstico. Risco de acidentes com bujões de gás – cada um dos domicílios de uma favela tem um bujão de gás comprado na maioria das vezes informalmente e sem qualquer fiscalização. Risco de morte precoce violenta do homem jovem negro – problema de saúde pública que já impacta na expectativa de vida masculina. Risco da gravidez adolescente. Risco de perder o filho para o tráfico e a filha para o traficante. Risco de maior mortalidade infantil e materna, cuja redução é uma das mais importantes metas do milênio.

Risco de evasão escolar que alimenta o ciclo da exclusão. Risco de analfabetismo funcional. Risco de ignorância. Risco de desemprego. Risco de perpetuação e herança da miséria. Risco da intolerância e preconceito. Risco da exclusão social. Risco de abandono.

Riscos de desabamento sobre pistas e entrada de túneis. Risco de incêndio e abalo estrutural causados por construções sob viadutos. Risco de bala perdida. Risco do crack. Risco de dependência química.

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