Política

Policial por excelência

O celebrado secretário de Segurança do Rio de Janeiro só pretende ir às urnas como eleitor

Sem caixa. Para Beltrame, o piso nacional para os policiais previsto na PEC 300 não seria cumprido por vários estados. Foto: Felipe Dana/AP
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A Francisco Alves Filho

José Mariano Beltrame é uma unanimidade. À esquerda e à direita, sobram elogios ao trabalho de pacificação das favelas cariocas. Ironicamente, Beltrame ganhou notoriedade ao trocar o velho discurso da ordem por conceitos de cidadania. Após a instalação de 19 UPPs no Rio de Janeiro, o delegado reafirma a opção. Segundo ele, só o atendimento das demandas sociais dos moradores vai garantir uma paz duradoura. Na entrevista a seguir, Beltrame diz que a aprovação de um piso salarial nacional para os policiais causaria problemas em vários estados, acha difícil uma discussão sobre o direito de greve dos PMs e nega qualquer intenção de disputar uma eleição. “A polícia me moldou de uma forma muito rigorosa. É preciso na vida flexibilizar, mas acho que a política flexibiliza demais.”

CartaCapital: Como o senhor vê as manifestações de policiais de todo o Brasil pela aprovação da PEC 300, que estabelece um piso salarial nacional para a categoria?

José Mariano Beltrame: A PEC 300 está baseada na realidade da polícia do Distrito Federal, que tem bons salários. Mas quem paga por aquela polícia é a União e não os estados. Se o Congresso aprovar, tenho certeza de que a maioria dos governos estaduais não vai poder pagar. Os governadores vão provar facilmente que não têm caixa para isso. Mais uma vez, o policial vai se frustrar, por ver uma iniciativa aprovada e não executada. Um país do tamanho do nosso, com 27 polícias diferentes e realidades diversas, tem de ampliar essa discussão. Acho que é possível estabelecer um piso salarial, mas o valor mínimo do Acre não pode ser o mesmo do Rio Grande do Sul ou Rio de Janeiro.

CC: Como o governo federal poderia ajudar os governadores nesse assunto?

JMB: A questão salarial das polícias é competência dos estados. O que não impede a União de criar mecanismos para ajudar. O Pronasci era um pouco isso. Havia bolsas de incentivo à formação dos policiais. O ministro anterior acenou com a bolsa Copa e a bolsa olímpica, gratificações que o governo federal daria até o evento e dali para a frente o estado assumiria. Essas não foram em frente e as bolsas formação estão praticamente no fim. No Rio, tínhamos cerca de 30 mil policiais no programa e a gratificação equivalia a mais de metade do salário. Essa perda salarial também influiu nessas últimas manifestações.

CC: O que o senhor acha da reivindicação de direito de greve para os policiais?

JMB: Não vejo problema em discutir. Mas veja: pela Constituição, as polícias são militares e civis. As polícias militares do Brasil querem continuar assim, não vejo reivindicação para mudar esse aspecto. E os militares têm um regime disciplinar todo especial. Não se pode tratar um policial militar pelo regime disciplinar civil.

CC: Quando assumiu a secretaria, o senhor repetia muito a palavra “ordem” nas entrevistas e agora fala mais em “cidadania”. O que mudou?

JMB: Não mudou nada. Não existe cidadania sem ordem. Havia no Rio um discurso cínico de que a prefeitura e o estado não podiam entrar em determinadas áreas porque havia o domínio dos criminosos. Agora os prestadores de serviço podem entrar e levar a cidadania, porque a ordem foi restabelecida.

CC: Qual a importância dessa ação social para o sucesso das UPPs?

JMB: Sempre digo que a polícia não vai fazer a pacificação sozinha. É aquela velha regra: quanto mais demandas sociais eu atendo, menos polícia eu preciso. O sucesso das UPPs depende fundamentalmente da entrada dos serviços sociais nessas áreas. Esse é o grande segredo. A polícia está lá abrindo uma porta para que aquelas pessoas sejam atendidas, para que o restante da sociedade pague a dívida de décadas com elas. Acabamos entregando ao prefeito e ao governo do estado uma cidade maior para tomar conta. Acho que a sociedade acordou para isso, embora as ações sociais ainda não estejam sendo implantadas na velocidade ideal. Mas isso é um processo em andamento.

CC: Por que usar as Forças Armadas para fazer o trabalho de polícia, como acontece no Complexo do Alemão, se isso não está previsto na Constituição?

JMB: É preciso colocar tudo num contexto. Houve focos de incêndio no Rio logo após a reeleição (do governador Sérgio Cabral). O serviço de inteligência nos relatou que aquilo seria uma reação à permanência da política de segurança. Diante daquela situação de emergência, apuramos que o centro da ação era a Vila Cruzeiro. Teríamos de entrar lá. Mas se iríamos para o confronto, o ideal seria entrar e permanecer na região. Pelo nosso planejamento, não teríamos, porém, efetivo para manter a área ocupada. Aí surgiu a oportunidade de o Ministério da Defesa ajudar.

CC: Não acha um precedente perigoso?

JMB: É uma excepcionalidade, uma construção do ex-ministro Nelson Jobim, que criou uma Operação Garantia da Lei e da Ordem (GLO) específica para o caso. Antes, as Forças Armadas estavam no comando e o verbo “comandar” era usado em sua acepção. Agora, não temos lá o Exército e sim uma força de pacificação, formada pelo Exército, policiais militares e uma delegacia de polícia.

CC: O efetivo do Exército é bem maior.

JMB: Sim, eles têm 2 mil soldados e nós temos 200 policiais militares. Mas acredito que o próprio Exército não tem interesse de permanecer nessa função. Está visto por todos que a Segurança Pública é algo muito complicado. De todo modo, agora em março, o Exército começa a sair de lá e até junho não teremos mais as Forças Armadas no Alemão.

CC: O senhor pretende instalar 40 UPPs até o fim deste mandato. Os recursos financeiros para isso estão garantidos?

JMB: Temos apoio privado específico para as UPPs. O empresário Eike Batista investe 20 milhões por ano. Ele não nos dá dinheiro. Nós entregamos projetos para ele, que contrata os serviços, faz o que é necessário e nos dá a chave. Temos também parceiras como a Firjan, o Sesi, a Light… O projeto das UPPs não envolve grandes custos, é preciso apenas recursos para contratar policiais e manter uma folha de pagamento.

CC: Como avalia o problema das milícias?

JMB: É algo que me preocupa mais que o tráfico, por ser formado por policiais. Apesar de serem crimes diferentes, o enfrentamento das milícias segue a mesma lógica do combate aos traficantes. É preciso fazer a reconquista do território. À medida que o Estado recupera essas áreas tomadas pelo crime, tanto traficantes quanto milicianos perdem a força.

CC: Sua popularidade tem rendido convites para concorrer como candidato em eleições futuras?

JMB: Não tenho interesse em política. A polícia me moldou de uma forma muito rigorosa. É preciso na vida flexibilizar e eu estou aprendendo a ser flexível. Mas eu acho que a política flexibiliza demais. É algo que me faria sofrer.

A Francisco Alves Filho

José Mariano Beltrame é uma unanimidade. À esquerda e à direita, sobram elogios ao trabalho de pacificação das favelas cariocas. Ironicamente, Beltrame ganhou notoriedade ao trocar o velho discurso da ordem por conceitos de cidadania. Após a instalação de 19 UPPs no Rio de Janeiro, o delegado reafirma a opção. Segundo ele, só o atendimento das demandas sociais dos moradores vai garantir uma paz duradoura. Na entrevista a seguir, Beltrame diz que a aprovação de um piso salarial nacional para os policiais causaria problemas em vários estados, acha difícil uma discussão sobre o direito de greve dos PMs e nega qualquer intenção de disputar uma eleição. “A polícia me moldou de uma forma muito rigorosa. É preciso na vida flexibilizar, mas acho que a política flexibiliza demais.”

CartaCapital: Como o senhor vê as manifestações de policiais de todo o Brasil pela aprovação da PEC 300, que estabelece um piso salarial nacional para a categoria?

José Mariano Beltrame: A PEC 300 está baseada na realidade da polícia do Distrito Federal, que tem bons salários. Mas quem paga por aquela polícia é a União e não os estados. Se o Congresso aprovar, tenho certeza de que a maioria dos governos estaduais não vai poder pagar. Os governadores vão provar facilmente que não têm caixa para isso. Mais uma vez, o policial vai se frustrar, por ver uma iniciativa aprovada e não executada. Um país do tamanho do nosso, com 27 polícias diferentes e realidades diversas, tem de ampliar essa discussão. Acho que é possível estabelecer um piso salarial, mas o valor mínimo do Acre não pode ser o mesmo do Rio Grande do Sul ou Rio de Janeiro.

CC: Como o governo federal poderia ajudar os governadores nesse assunto?

JMB: A questão salarial das polícias é competência dos estados. O que não impede a União de criar mecanismos para ajudar. O Pronasci era um pouco isso. Havia bolsas de incentivo à formação dos policiais. O ministro anterior acenou com a bolsa Copa e a bolsa olímpica, gratificações que o governo federal daria até o evento e dali para a frente o estado assumiria. Essas não foram em frente e as bolsas formação estão praticamente no fim. No Rio, tínhamos cerca de 30 mil policiais no programa e a gratificação equivalia a mais de metade do salário. Essa perda salarial também influiu nessas últimas manifestações.

CC: O que o senhor acha da reivindicação de direito de greve para os policiais?

JMB: Não vejo problema em discutir. Mas veja: pela Constituição, as polícias são militares e civis. As polícias militares do Brasil querem continuar assim, não vejo reivindicação para mudar esse aspecto. E os militares têm um regime disciplinar todo especial. Não se pode tratar um policial militar pelo regime disciplinar civil.

CC: Quando assumiu a secretaria, o senhor repetia muito a palavra “ordem” nas entrevistas e agora fala mais em “cidadania”. O que mudou?

JMB: Não mudou nada. Não existe cidadania sem ordem. Havia no Rio um discurso cínico de que a prefeitura e o estado não podiam entrar em determinadas áreas porque havia o domínio dos criminosos. Agora os prestadores de serviço podem entrar e levar a cidadania, porque a ordem foi restabelecida.

CC: Qual a importância dessa ação social para o sucesso das UPPs?

JMB: Sempre digo que a polícia não vai fazer a pacificação sozinha. É aquela velha regra: quanto mais demandas sociais eu atendo, menos polícia eu preciso. O sucesso das UPPs depende fundamentalmente da entrada dos serviços sociais nessas áreas. Esse é o grande segredo. A polícia está lá abrindo uma porta para que aquelas pessoas sejam atendidas, para que o restante da sociedade pague a dívida de décadas com elas. Acabamos entregando ao prefeito e ao governo do estado uma cidade maior para tomar conta. Acho que a sociedade acordou para isso, embora as ações sociais ainda não estejam sendo implantadas na velocidade ideal. Mas isso é um processo em andamento.

CC: Por que usar as Forças Armadas para fazer o trabalho de polícia, como acontece no Complexo do Alemão, se isso não está previsto na Constituição?

JMB: É preciso colocar tudo num contexto. Houve focos de incêndio no Rio logo após a reeleição (do governador Sérgio Cabral). O serviço de inteligência nos relatou que aquilo seria uma reação à permanência da política de segurança. Diante daquela situação de emergência, apuramos que o centro da ação era a Vila Cruzeiro. Teríamos de entrar lá. Mas se iríamos para o confronto, o ideal seria entrar e permanecer na região. Pelo nosso planejamento, não teríamos, porém, efetivo para manter a área ocupada. Aí surgiu a oportunidade de o Ministério da Defesa ajudar.

CC: Não acha um precedente perigoso?

JMB: É uma excepcionalidade, uma construção do ex-ministro Nelson Jobim, que criou uma Operação Garantia da Lei e da Ordem (GLO) específica para o caso. Antes, as Forças Armadas estavam no comando e o verbo “comandar” era usado em sua acepção. Agora, não temos lá o Exército e sim uma força de pacificação, formada pelo Exército, policiais militares e uma delegacia de polícia.

CC: O efetivo do Exército é bem maior.

JMB: Sim, eles têm 2 mil soldados e nós temos 200 policiais militares. Mas acredito que o próprio Exército não tem interesse de permanecer nessa função. Está visto por todos que a Segurança Pública é algo muito complicado. De todo modo, agora em março, o Exército começa a sair de lá e até junho não teremos mais as Forças Armadas no Alemão.

CC: O senhor pretende instalar 40 UPPs até o fim deste mandato. Os recursos financeiros para isso estão garantidos?

JMB: Temos apoio privado específico para as UPPs. O empresário Eike Batista investe 20 milhões por ano. Ele não nos dá dinheiro. Nós entregamos projetos para ele, que contrata os serviços, faz o que é necessário e nos dá a chave. Temos também parceiras como a Firjan, o Sesi, a Light… O projeto das UPPs não envolve grandes custos, é preciso apenas recursos para contratar policiais e manter uma folha de pagamento.

CC: Como avalia o problema das milícias?

JMB: É algo que me preocupa mais que o tráfico, por ser formado por policiais. Apesar de serem crimes diferentes, o enfrentamento das milícias segue a mesma lógica do combate aos traficantes. É preciso fazer a reconquista do território. À medida que o Estado recupera essas áreas tomadas pelo crime, tanto traficantes quanto milicianos perdem a força.

CC: Sua popularidade tem rendido convites para concorrer como candidato em eleições futuras?

JMB: Não tenho interesse em política. A polícia me moldou de uma forma muito rigorosa. É preciso na vida flexibilizar e eu estou aprendendo a ser flexível. Mas eu acho que a política flexibiliza demais. É algo que me faria sofrer.

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