Sociedade

Polícia Federal matou indígena Oziel Gabriel, conclui o MPF

Inquérito aponta sucessão de erros e força desproporcional na ação realizada em 2013; delegada que arquivou investigação interna será processada

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Três anos depois da morte do indígena Oziel Gabriel, durante uma ação de reintegração de posse na Fazenda Buriti, em Sidrolândia, 80 km ao sul de Campo Grande, o Ministério Público Federal no Mato Grosso do Sul concluiu que o Terena de 35 anos foi morto por um tiro disparado por um policial federal. Como a munição específica não foi encontrada, impossibilitando a identificação do autor do disparo, o inquérito policial foi arquivado.

De acordo com o MPF, Oziel foi morto por munição 9 mm da marca CBC, com encamisamento tipo Gold, de uso exclusivo da Polícia Federal. Ele estava atrás de uma árvore, portando faca, arco e flecha, a cerca de 100 metros de distância do pelotão de policiais. Não oferecia perigo, segundo o MPF, aos policiais militares e federais envolvidos na ação ocorrida naquele dia em Sidrolândia.

A violência do episódio, afirma o Ministério Público, foi resultado de uma “operação policial fracassada, com graves erros”, que não seguiu procedimentos padrões. Segundo o MPF, o planejamento foi realizado exclusivamente com informações obtidas pela PF e fotos de satélite adquiridas na internet, sem qualquer tipo de levantamento de campo.

Ainda segundo o MPF, as informações foram repassadas à tropa da Polícia Militar e aos federais em momentos e locais diferentes. Não havia comando único nem comunicação via rádio entre as corporações. Assim, os policiais agiram isoladamente. 

O MPF afirma que o planejamento da Polícia Federal excluiu deliberadamente a participação da Funai e do próprio MPF da operação, contrariando normas vigentes, “suprimindo a fase de negociação e resultando no emprego de força policial desproporcional à conduta dos indígenas.” 

Os registros em vídeo comprovam, segundo o MPF, que a negociação foi limitada a uma única frase dirigida aos indígenas e levou apenas dois minutos: “Pessoal. Nós viemos cumprir a ordem…e aí?”. 

Para o MPF, “qualquer análise superficial das atuais doutrinas policiais, da legislação e orientações nacionais ou dos instrumentos internacionais sobre o uso de força denuncia a vital importância da fase de negociação e seu exaurimento na atuação policial, usando de todos os meios disponíveis para tanto, visando sempre a solução pacífica dos conflitos e fazendo uso da força somente em situações absolutamente excepcionais”.

Além de 82 policiais militares do Batalhão de Choque, o efetivo na reintegração era de 70 policiais federais, mas apenas 15 haviam participado de treinamentos de armamento e tiro em época recente, de acordo com os procuradores.

No ápice da ação, o número de indígenas foi estimado pelo MPF entre 1,5 mil e 2 mil pessoas. Durante o conflito, afirmam os procuradores, houve o acionamento emergencial de uma aeronave e mais 22 policiais militares e dois policiais federais foram enviados às pressas até a sede da PF, a 80 quilômetros de distância, para buscar mais armamento e munições não letais, que haviam acabado. 

Segundo a investigação, a espera por reforço foi de cerca de duas horas e, enquanto isso, as forças policiais ficaram estacionadas, sendo agredidas pelos indígenas, cada vez mais numerosos, e, por vezes, diante da inexistência de instrumentos menos letais disponíveis, disparando com armas de fogo, ainda que inobservando as regras técnicas. A morte de Oziel Gabriel e os ferimentos mais graves aconteceram neste intervalo. 

Além de Oziel Gabriel, o episódio deixou sete vítimas não fatais de arma de fogo (quatro policiais, dois indígenas e um cão militar), nove policiais feridos por pedras e 19 indígenas feridos por munição de elastômero, totalizando 36 vítimas.

Diante da impossibilidade de encontrar o indivíduo culpado pelo tiro que matou o indígena, o inquérito de investigação foi arquivado. O MPF decidiu, então, expedir uma recomendação à Superintendência da PF em Mato Grosso do Sul, especificando detalhadamente toda a legislação nacional e internacional que rege os procedimentos que devem ser seguidos em casos de reintegração de posse de áreas coletivas e controle de distúrbios civis, além do uso de armamento naquelas situações.  

Processo contra delegada

Mesmo diante dos indícios de que a operação policial não seguiu padrões estabelecidos, a sindicância interna da PF chegou à conclusão de que não houve irregularidade na operação. Em parecer, a delegada federal Juliana Resende Silva de Lima, responsável pela investigação, afirmou que “em que pese as consequências indesejáveis da ação – ferimentos e morte de uma pessoa – a operação obedeceu integralmente o detalhado planejamento elaborado”.

O parecer pelo arquivamento foi acatado pela Superintendência da PF. Ocorre que Juliana Resende Silva de Lima era casada com Eduardo Jaworski de Lima, também delegado e um dos comandantes da “operação fracassada” que provocou a morte de Oziel Gabriel. 

Para o MPF, “a delegada cometeu ato de improbidade ao não se declarar impedida de elaborar o parecer, mesmo sendo esposa de um dos principais interessados no arquivamento.” Diante disso, os procuradores ajuizaram ação de improbidade administrativa contra a delegada, que tramita na Justiça Federal de Campo Grande.

A pena prevista inclui ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

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