Sociedade

Os retirantes das favelas

O encarecimento do custo de vida obriga famílias pobres a migrar para bairros cada vez mais distantes

Os retirantes das favelas
Os retirantes das favelas
Foto: Christophe Simon/AFP
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Por dez anos a manicure- Débora Silva Ramos, de 23 anos, subiu e desceu as ladeiras da Rocinha atrás de uma vida melhor. E aos poucos viu chegar o asfalto, a iluminação pública, arremedos de saneamento. Mas a melhora lhe saiu caro. Do casebre de um quarto, banheiro e cozinha americana voltada para um claustrofóbico corredor, ela e o marido, o pizzaiolo Fábio de Jesus, de 33 anos, viram o custo de vida na favela mais famosa do Rio de Janeiro disparar. Em agosto, partiram dali para viver em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, em uma casa com sala ampla, cozinha “de verdade” e uma aprazível varanda. Têm agora mais espaço pelo mesmo aluguel de 300 reais. Com 50 reais de compras, passam a semana. “Nas biroscas da Rocinha ou nos supermercados da zona sul, o dinheiro não rendia”, diz Débora. Mas tudo era perto, admite saudosa. Hoje o marido precisa de duas horas, dois ônibus e um metrô para chegar ao serviço, quando antes levava meia hora. A casa está 40 quilômetros mais longe. “O que não dá é morar na zona sul e ter um padrão de vida incompatível.”

Isso porque o casal saiu antes da ocupação da favela pelas chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), em novembro. A ação, que já ocorreu em outros morros da zona sul, tem selado o processo de transformação das favelas cariocas, que traz, com a mudança da qualidade de vida, o aumento também do custo de vida. Com a urbanização, fruto de ações nas três esferas de governo, e a presença das UPPs, o que vem junto da infraestrutura e da segurança é uma tributação extra e inédita sobre os moradores. Contas de água, luz e tevê a cabo passam a ser cobradas. É o fim do gato, meio-termo entre conquista de serviços sem conquista de direitos. Como parte da população não tem condições de pagar por esses serviços, com a legalização trazida pela transformação da favela “em bairro”, eles acabam baixando o nível de vida. Ou deixam a favela. Ocorre assim uma remoção camuflada, já que as pessoas migram para locais afastados dos grandes centros.

Uma pesquisa recente da Fundação Getulio Vargas mostrou que o valor dos aluguéis nas favelas cariocas subiu 6,8% mais que no resto da cidade desde a implementação das UPPs, em 2008. Segundo Marcelo Neri, coordenador da pesquisa, esse já seria o chamado “efeito UPP”: o impacto econômico da paz trazida pela substituição do ritmo do tráfico pelo papel oficial da polícia. E há o que os especialistas chamam de “efeito olímpico”: investimentos públicos nas favelas próximas às áreas onde ocorrerão os jogos trazem uma urbanização mais intensa – e mais aumento no custo de -vida. O caso é especialmente nítido na Rocinha. O estudo, que comparou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007 e 2009, prevê que a valorização dos aluguéis seja maior justamente na favela deixada por Débora e Fabrício. Isso devido à pressão imobiliária. Sem o tráfico, pessoas acostumadas a viver em bairros convencionais estão dispostas a morar em favelas “pacificadas” e bem localizadas.

*Leia matéria completa na Edição 679 de CartaCapital, já nas bancas.

Por dez anos a manicure- Débora Silva Ramos, de 23 anos, subiu e desceu as ladeiras da Rocinha atrás de uma vida melhor. E aos poucos viu chegar o asfalto, a iluminação pública, arremedos de saneamento. Mas a melhora lhe saiu caro. Do casebre de um quarto, banheiro e cozinha americana voltada para um claustrofóbico corredor, ela e o marido, o pizzaiolo Fábio de Jesus, de 33 anos, viram o custo de vida na favela mais famosa do Rio de Janeiro disparar. Em agosto, partiram dali para viver em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, em uma casa com sala ampla, cozinha “de verdade” e uma aprazível varanda. Têm agora mais espaço pelo mesmo aluguel de 300 reais. Com 50 reais de compras, passam a semana. “Nas biroscas da Rocinha ou nos supermercados da zona sul, o dinheiro não rendia”, diz Débora. Mas tudo era perto, admite saudosa. Hoje o marido precisa de duas horas, dois ônibus e um metrô para chegar ao serviço, quando antes levava meia hora. A casa está 40 quilômetros mais longe. “O que não dá é morar na zona sul e ter um padrão de vida incompatível.”

Isso porque o casal saiu antes da ocupação da favela pelas chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), em novembro. A ação, que já ocorreu em outros morros da zona sul, tem selado o processo de transformação das favelas cariocas, que traz, com a mudança da qualidade de vida, o aumento também do custo de vida. Com a urbanização, fruto de ações nas três esferas de governo, e a presença das UPPs, o que vem junto da infraestrutura e da segurança é uma tributação extra e inédita sobre os moradores. Contas de água, luz e tevê a cabo passam a ser cobradas. É o fim do gato, meio-termo entre conquista de serviços sem conquista de direitos. Como parte da população não tem condições de pagar por esses serviços, com a legalização trazida pela transformação da favela “em bairro”, eles acabam baixando o nível de vida. Ou deixam a favela. Ocorre assim uma remoção camuflada, já que as pessoas migram para locais afastados dos grandes centros.

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