Sociedade

Mulheres na Segurança Pública

A experiência dessas mulheres permanece invisível nas estatísticas oficiais. É preciso conhecer quem são e quais os desafios que enfrentam em seu cotidiano

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Por Wânia Pasinato*

“Quando entramos em nossa instituição, ouvimos muito que o ‘policial não tem sexo’”. Essa frase registrada por uma policial civil sintetiza o contexto que motivou a realização da pesquisa Mulheres na Segurança Pública: estudo técnico nacional, realizada pelo Programa de Qualidade e Valorização Profissional da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), do Ministério da Justiça (MJ), com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Num momento histórico em que as políticas de gênero estão na pauta de discussões dos governos e sociedade, o objetivo foi subsidiar a formulação de projetos e políticas pautadas pelo respeito à diversidade de gênero, reconhecendo que a igualdade não se constrói ao se apagar as diferenças biológicas, sociais e culturais entre homens e mulheres, mas com sua devida valorização e abordagem que permita corrigir a desigualdade histórica que tem contribuído para limitar o exercício de direitos pelas mulheres.

A Pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública (SENASP, 2011), apurou que a participação feminina nas Policiais Civis corresponde a 25% do efetivo nacional. Nas Polícias Militares e Bombeiros, essa participação é de 7,2% e 7,9%, respectivamente.  Nessas duas corporações militares, vários estados ainda mantêm as cotas para o ingresso de mulheres, variando de 10 a 15% das vagas disponibilizadas a cada concurso.

O estudo técnico coletou informações mais detalhadas sobre mulheres policiais civis e militares, peritas e bombeiros que foram entrevistadas ou responderam a um formulário eletrônico disponibilizado pela plataforma de educação à distância da SENASP. O uso dessa ferramenta garantiu maior abrangência à pesquisa, alcançando mulheres que trabalham nas capitais e nos municípios do interior. Além disso, a participação voluntária e o anonimato no preenchimento do formulário contribuíram para relatos sobre injustiças e violação de direitos que quase sempre são silenciadas.

O marco de entrada de mulheres nas instituições de segurança pública no Brasil foi sua admissão no Corpo Feminino da Guarda Civil do Estado de São Paulo, em 1955. Esse processo teria se intensificado a partir dos anos 1980 com a redemocratização. Nas décadas seguintes houve um aumento de mulheres nas instituições policiais acompanhado por muitas mudanças, inclusive em sua qualificação profissional. Hoje é possível encontrar mulheres em diferentes atividades, desde o comando até o operacional. No entanto, a maior parte delas continua atuando em postos administrativos, mais identificados com o feminino.

A experiência dessas mulheres permanece invisível nas estatísticas oficiais e é preciso conhecer quem são e quais os desafios que enfrentam em seu cotidiano. Falar sobre esses temas não foi fácil para muitas das respondentes. Ensinadas a negar as diferenças de gênero para ter algum reconhecimento no exercício de sua profissão, mostraram dificuldade em refletir sobre suas experiências como mulheres resultando em respostas que valorizam a igualdade formal de oportunidades entre homens e mulheres, mas reconhecem que a distribuição de privilégios e benefícios ainda favorece mais seus colegas do sexo masculino. Entre relatos de discriminação e violação de seus direitos, revelaram ambientes profissionais onde as disputas profissionais, o peso das relações hierarquizadas e as tensões decorrentes da presença feminina em ambientes predominantemente masculinos contribuem para acirrar conflitos que discriminam as mulheres por sua condição de gênero, consideradas mais frágeis, menos competentes e expostas ao assédio moral e sexual para ter acesso a direitos que são seus por mérito e esforço pessoal.

Dentre os vários assuntos tratados, as reflexões sobre gênero e a profissão emergiram mais fortemente em temas como a dupla jornada de trabalho. Os plantões ganharam uma dimensão particular à luz das experiências das mulheres que são responsáveis pela administração da casa e pelos cuidados com os filhos. A aposentadoria aos 25 anos de trabalho também surgiu como uma demanda importante, além da denúncia das punições a que estão sujeitas no gozo de licenças médicas, particularmente a licença maternidade.  A lista de temas e situações que afetam o cotidiano dessas mulheres é ampla e não é possível aprofundá-la nesse artigo. Mas é importante enfatizar que a ausência de políticas institucionais que coloquem em foco as diferenças de gênero e algumas necessidades específicas das mulheres tem resultado em prejuízo para a saúde física e mental dessas profissionais, causando transtornos que precisam ser investigados.

Zelar pela qualidade das relações e do ambiente de trabalho e valorizar cada profissional é uma obrigação do estado e as instituições de segurança pública precisam cumprir com sua parte. Esse estudo inédito representa a contribuição da SENASP para colocar o tema nas agendas institucionais e promover mudanças que levem a uma efetiva incorporação das mulheres aos efetivos da segurança pública, com respeito à diversidade de gênero, raça/etnia e orientação sexual e a promoção de seus direitos no desenvolvimento profissional.

 

*Wânia Pasinato é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero/PAGU-Unicamp e do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. Trabalhou como consultora no Programa de Qualidade e Valorização Profissional da SENASP-MJ, com apoio do PNUD.

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