Sociedade

Meta de assentamentos será menor, admite o Incra

Em entrevista, presidente do instituto diz que modelo de reforma agrária de governos anteriores está superado e defende mais investimento em qualidade de assentamentos

Foto: Elza Fiuza/ABr
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No ano passado, pouco mais de 22 mil famílias foram assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o menor número registrado desde 1996. Em contrapartida, os gastos do órgão cresceram 10% em relação a 2010.

O baixo número de assentamentos e a má relação com os  movimentos sociais são consideradas algumas das causas que levaram a presidente Dilma Rousseff a substituir o petista Afonso Florence por Pepe Vargas (PT-RS) no ministério do Desenvolvimento Agrário.

Em entrevista a CartaCapital, o presidente do instituto, Celso Lacerda, atribui ao modelo de reforma agrária utilizado por governos anteriores e às mudanças ocorridas primeiro ano de mandato do governo Dilma pelo resultado.

Para 2012, Lacerda assegura que haverá crescimento no número de assentamentos, mas podera: a meta do Incra é criar cerca de 35 mil assentamentos por ano – quantia bem inferior às médias registradas nos governos Lula e FHC. “O foco da reforma agrária mudou. Reforma agrária não é só redistribuição de terra, é desenvolvimento, geração de renda e produção também”, explica Lacerda, defendendo um maior gasto com a infraestrutura básica dos assentamentos.

Confira abaixo a entrevista:

Carta Capital: O que explica o orçamento destinado à reforma agrária ter crescido e o número de assentamentos em 2011 ter diminuído?


Celso Lacerda:
Isso se deve a vários fatores. É preciso entender a complexidade da reforma agrária. Muito resumidamente, neste último período de reforma agrária, que diz respeito a 25, 30 anos, os governos avaliavam a reforma agrária como uma mera redistribuição de terras. Por isso, toda a estrutura do Incra era voltada para desapropriar terras e destinar (recursos) para a reforma agrária. Acabava aí. Foi um processo muito desqualificado até o governo Fernando Henrique Cardoso.

E é possível provar que isso não é um argumento político olhando a estrutura do Incra. Até 2005, essa estrutura era direcionada a desapropriar terra, reassentar família e fazer colonização. Só a partir de 2006 foi criada uma área de desenvolvimento de projetos de assentamentos no Incra.

Um dos motivos que levou ao baixo número de famílias assentadas foi o primeiro ano de governo. Quando comparamos as famílias assentadas desde o governo FHC, o número de famílias assentadas tem um pico de baixa nesse primeiro ano.

Eu fui nomeado presidente do Incra em março do ano passado e nós conseguimos recompor a direção do Incra em setembro. Portanto, começamos a executar o orçamento do Incra apenas no segundo semestre do ano passado. Mais da metade das áreas compradas foi em dezembro. E essas áreas ainda não viraram assentamentos em 2011, vão virar em 2012.

CC: E quantas áreas são?


CL:
Eu tenho quase certeza que pagamos mais de cem imóveis em dezembro. Com isso, o número de famílias assentadas em 2012 vai ser bem maior do que foi em 2011. Mas também te adianto que o número não chegará a 140 mil famílias assentadas, como se fez em 2007.

CC: Quantas famílias o Incra planeja assentar por ano?


CL: Estamos trabalhando, em 2012, com um número em torno de 35 mil famílias.

CC: Esse número é menor do que todos os anos de assentamentos realizados no governo Lula. É conveniente trabalhar com esse número?


CL: É muito conveniente. Porque a composição de meta não é só o assentamento de famílias em áreas novas. Quando uma família abandona um lote e deixa para outra família ocupar, essa nova família entra na contabilidade de famílias assentadas. Se você pegar a composição de meta do governo Fernando Henrique Cardoso, o grande número era de substituição de famílias em assentamentos já criados. Na época, a rotatividade era muito grande, justamente pelo (fato de o) governo não oferecer condições de sobrevivência para as famílias.

No momento em que se qualifica o processo de reforma agrária, a rotatividade diminui e, consequentemente, o número de famílias que substituem outras em assentamentos antigos cai também. E a composição da meta aumenta em áreas novas.

CC: José Batista de Oliveira, da coordenação nacional do MST, disse recentemente que boa parte dos assentamentos contabilizados no ano passado era, na verdade, lotes já ocupados e não regularizados…


CL:
Não, desses 22 mil assentamentos, nós trabalhamos com mais de cinco mil famílias em áreas desapropriadas ou compradas de forma onerosas. E mais um tanto em novos assentamentos feitos em terras públicas.

O MST divulgou uma nota (falando) do número de famílias assentadas que diz respeito às famílias do MST, mas hoje existe uma enormidade de movimentos beneficiários da reforma agrária.

O número de famílias em assentamentos já existentes sempre entrou nos dados do governo. Não estamos maquiando nada.

CC: Muitos falam da “favelização” dos assentamentos. O governo errou durante os anos em que priorizou o número de assentamentos em vez de investir em estrutura?


CL: São prioridades que estão no mesmo patamar. Você não pode criar assentamentos sem pensar no desenvolvimento deles.

Quando se fala em reforma agrária, não é só redistribuição de terra, é desenvolvimento, geração de renda e produção também.

Até 2002, só se redistribuía terra. Inclusive, há quem diga, embora eu não possa fazer essa afirmação, que essa política foi proposital para criar no imaginário da sociedade brasileira a imagem de uma política fracassada.

Por exemplo, nos oito anos do governo Lula foram construídas e reformadas mais de 400 mil casas nos assentamentos. Talvez, esse tenha sido o maior programa de habitação rural da história do País.

Se compararmos o orçamento do Incra de 2012 com o de 2004, hoje ele é muito maior. Mas hoje a prioridade não é somente o assentamento de famílias.

CC: É possível dizer que houve mudança de foco na política de reforma agrária?


CL: Sem dúvida. Mas essas políticas levam tempo para amadurecer. Durante o governo Lula, a grande preocupação era com o emergencial. Nenhum assentado vai pensar na forma como vai produzir se ele não tem estrada e casa para morar. Não tinha nem como escoar a produção.

A preocupação, nesses anos, foi muito grande com a construção da infraestrutura básica, principalmente estrada, água, casa e energia elétrica. Agora, já estamos numa fase de nos preocuparmos com a produção, embora ainda tenhamos uma demanda de assentar as famílias em acampamentos.

CC: Como o corte de 34% no orçamento do Incra prejudica os planos do órgão?


CL: O governo faz contingenciamento desde o governo Lula. É algo natural, não temos como fugir. O que precisamos é executar nosso orçamento e depois demandar mais. No ano passado tivemos uma suplementação orçamentária de 400 milhões de reais para a compra de terras.

CC: O Incra sabe a dimensão atual da demanda por reforma agrária?


CL: A nossa estimativa é em torno de 180 mil famílias.

CC: No ano passado, a estimativa estava em torno de 170 mil famílias. Por que esse número cresceu?


CL:
Depende muito da conjuntura regional. Ao longo destes últimos anos, o número de acampados no Brasil tem caído. E por conta da economia do País também. Muita gente saiu do meio rural e foi buscar trabalho na cidade. Então se você tiver uma crise em algum setor, esse número pode voltar a aumentar.

Temos uma conjuntura preocupante relacionada ao setor sucroalcooleiro. A tendência da mecanização da colheita da cana-de-açúcar em algumas regiões pode gerar um aumento de pessoas acampadas, por exemplo. É algo que depende da conjuntura regional e econômica.

No ano passado, pouco mais de 22 mil famílias foram assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o menor número registrado desde 1996. Em contrapartida, os gastos do órgão cresceram 10% em relação a 2010.

O baixo número de assentamentos e a má relação com os  movimentos sociais são consideradas algumas das causas que levaram a presidente Dilma Rousseff a substituir o petista Afonso Florence por Pepe Vargas (PT-RS) no ministério do Desenvolvimento Agrário.

Em entrevista a CartaCapital, o presidente do instituto, Celso Lacerda, atribui ao modelo de reforma agrária utilizado por governos anteriores e às mudanças ocorridas primeiro ano de mandato do governo Dilma pelo resultado.

Para 2012, Lacerda assegura que haverá crescimento no número de assentamentos, mas podera: a meta do Incra é criar cerca de 35 mil assentamentos por ano – quantia bem inferior às médias registradas nos governos Lula e FHC. “O foco da reforma agrária mudou. Reforma agrária não é só redistribuição de terra, é desenvolvimento, geração de renda e produção também”, explica Lacerda, defendendo um maior gasto com a infraestrutura básica dos assentamentos.

Confira abaixo a entrevista:

Carta Capital: O que explica o orçamento destinado à reforma agrária ter crescido e o número de assentamentos em 2011 ter diminuído?


Celso Lacerda:
Isso se deve a vários fatores. É preciso entender a complexidade da reforma agrária. Muito resumidamente, neste último período de reforma agrária, que diz respeito a 25, 30 anos, os governos avaliavam a reforma agrária como uma mera redistribuição de terras. Por isso, toda a estrutura do Incra era voltada para desapropriar terras e destinar (recursos) para a reforma agrária. Acabava aí. Foi um processo muito desqualificado até o governo Fernando Henrique Cardoso.

E é possível provar que isso não é um argumento político olhando a estrutura do Incra. Até 2005, essa estrutura era direcionada a desapropriar terra, reassentar família e fazer colonização. Só a partir de 2006 foi criada uma área de desenvolvimento de projetos de assentamentos no Incra.

Um dos motivos que levou ao baixo número de famílias assentadas foi o primeiro ano de governo. Quando comparamos as famílias assentadas desde o governo FHC, o número de famílias assentadas tem um pico de baixa nesse primeiro ano.

Eu fui nomeado presidente do Incra em março do ano passado e nós conseguimos recompor a direção do Incra em setembro. Portanto, começamos a executar o orçamento do Incra apenas no segundo semestre do ano passado. Mais da metade das áreas compradas foi em dezembro. E essas áreas ainda não viraram assentamentos em 2011, vão virar em 2012.

CC: E quantas áreas são?


CL:
Eu tenho quase certeza que pagamos mais de cem imóveis em dezembro. Com isso, o número de famílias assentadas em 2012 vai ser bem maior do que foi em 2011. Mas também te adianto que o número não chegará a 140 mil famílias assentadas, como se fez em 2007.

CC: Quantas famílias o Incra planeja assentar por ano?


CL: Estamos trabalhando, em 2012, com um número em torno de 35 mil famílias.

CC: Esse número é menor do que todos os anos de assentamentos realizados no governo Lula. É conveniente trabalhar com esse número?


CL: É muito conveniente. Porque a composição de meta não é só o assentamento de famílias em áreas novas. Quando uma família abandona um lote e deixa para outra família ocupar, essa nova família entra na contabilidade de famílias assentadas. Se você pegar a composição de meta do governo Fernando Henrique Cardoso, o grande número era de substituição de famílias em assentamentos já criados. Na época, a rotatividade era muito grande, justamente pelo (fato de o) governo não oferecer condições de sobrevivência para as famílias.

No momento em que se qualifica o processo de reforma agrária, a rotatividade diminui e, consequentemente, o número de famílias que substituem outras em assentamentos antigos cai também. E a composição da meta aumenta em áreas novas.

CC: José Batista de Oliveira, da coordenação nacional do MST, disse recentemente que boa parte dos assentamentos contabilizados no ano passado era, na verdade, lotes já ocupados e não regularizados…


CL:
Não, desses 22 mil assentamentos, nós trabalhamos com mais de cinco mil famílias em áreas desapropriadas ou compradas de forma onerosas. E mais um tanto em novos assentamentos feitos em terras públicas.

O MST divulgou uma nota (falando) do número de famílias assentadas que diz respeito às famílias do MST, mas hoje existe uma enormidade de movimentos beneficiários da reforma agrária.

O número de famílias em assentamentos já existentes sempre entrou nos dados do governo. Não estamos maquiando nada.

CC: Muitos falam da “favelização” dos assentamentos. O governo errou durante os anos em que priorizou o número de assentamentos em vez de investir em estrutura?


CL: São prioridades que estão no mesmo patamar. Você não pode criar assentamentos sem pensar no desenvolvimento deles.

Quando se fala em reforma agrária, não é só redistribuição de terra, é desenvolvimento, geração de renda e produção também.

Até 2002, só se redistribuía terra. Inclusive, há quem diga, embora eu não possa fazer essa afirmação, que essa política foi proposital para criar no imaginário da sociedade brasileira a imagem de uma política fracassada.

Por exemplo, nos oito anos do governo Lula foram construídas e reformadas mais de 400 mil casas nos assentamentos. Talvez, esse tenha sido o maior programa de habitação rural da história do País.

Se compararmos o orçamento do Incra de 2012 com o de 2004, hoje ele é muito maior. Mas hoje a prioridade não é somente o assentamento de famílias.

CC: É possível dizer que houve mudança de foco na política de reforma agrária?


CL: Sem dúvida. Mas essas políticas levam tempo para amadurecer. Durante o governo Lula, a grande preocupação era com o emergencial. Nenhum assentado vai pensar na forma como vai produzir se ele não tem estrada e casa para morar. Não tinha nem como escoar a produção.

A preocupação, nesses anos, foi muito grande com a construção da infraestrutura básica, principalmente estrada, água, casa e energia elétrica. Agora, já estamos numa fase de nos preocuparmos com a produção, embora ainda tenhamos uma demanda de assentar as famílias em acampamentos.

CC: Como o corte de 34% no orçamento do Incra prejudica os planos do órgão?


CL: O governo faz contingenciamento desde o governo Lula. É algo natural, não temos como fugir. O que precisamos é executar nosso orçamento e depois demandar mais. No ano passado tivemos uma suplementação orçamentária de 400 milhões de reais para a compra de terras.

CC: O Incra sabe a dimensão atual da demanda por reforma agrária?


CL: A nossa estimativa é em torno de 180 mil famílias.

CC: No ano passado, a estimativa estava em torno de 170 mil famílias. Por que esse número cresceu?


CL:
Depende muito da conjuntura regional. Ao longo destes últimos anos, o número de acampados no Brasil tem caído. E por conta da economia do País também. Muita gente saiu do meio rural e foi buscar trabalho na cidade. Então se você tiver uma crise em algum setor, esse número pode voltar a aumentar.

Temos uma conjuntura preocupante relacionada ao setor sucroalcooleiro. A tendência da mecanização da colheita da cana-de-açúcar em algumas regiões pode gerar um aumento de pessoas acampadas, por exemplo. É algo que depende da conjuntura regional e econômica.

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