Sociedade

Manifesto pelo Dia Internacional da Mulher Negra

A demonstração de força organizada não foi capaz de barrar o retrocesso em conquistas históricas dos movimentos sociais negros e feministas. Assim, continuamos em marcha

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Em 25 de julho é comemorado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e do Caribe. Em 2016, a data será marcada por outra Marcha das Mulheres Negras, em diversos estados. Confira o manifesto: 

O Brasil – como os demais países latino-americanos de tradição escravocrata e colonialista – segue enfrentando as mazelas do racismo estrutural e estruturante de nossa sociedade.

Apesar dos frágeis regimes democráticos instaurados no continente americano após período escravocrata, nunca se assegurou aos negros condições de igualdade com os não-negros. Por isso, lutamos há séculos em condições desiguais para sobreviver e conquistar a cidadania.

Depois de 300 anos de seu assassinato, finalmente em 1995 Zumbi foi oficialmente reconhecido como um herói nacional pelo governo brasileiro.

Desde então, os movimentos sociais feministas e antirracistas reivindicavam a criação de órgãos de governo que tratassem de políticas específicas para essa parcela que representa mais da metade da população brasileira. Mas só em 2003 conquistamos a criação da Secretaria de Política para as Mulheres (SPM) e da Secretaria da Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), ambas com status de ministérios.

No cenário da atual crise financeira internacional, o capitalismo evidencia seu descontrole e avidez por mais e mais lucros, buscando jogar nas costas dos que estão na base da sociedade o alto custo da crise causada pela ciranda financeira.

No quadro social brasileiro, ainda temos uma baixa qualidade de vida da mulher negra, verificada em cada indicador econômico ou social produzido pelo Estado brasileiro. Essa situação tem provocado, de maneira preocupante, o êxodo de mulheres negras, indígenas e afro indígenas, imigrantes e refugiadas, devido ao “progresso” da demarcação de terras pela elite agrária brasileira, além de crises sócio econômicas e culturais ao redor do mundo.

A violência nas sociedades afetadas pelo racismo patriarcal heteronormativo atinge de maneira desproporcional as populações negras, com forte marca do sexismo e das fobias LGBT.

Apesar do empenho nas últimas décadas em ações de diminuição das desigualdades sociais e de enfrentamento da violência contra a mulher, essas não impediram o aumento de 54.2% em assassinatos de mulheres negras entre 2003-2013, o aumento do encarceramento feminino e a continuidade das violações de direitos das mulheres negras, em conflito armado e guerras civis não declaradas.

O recrudescimento do racismo e o modelo de desenvolvimento social e econômico no Brasil e no mundo impactam profundamente a vida das mulheres negras, indígenas e afro indígenas, imigrantes e refugiadas.

A consequência são mortes evitáveis de mulheres: por falta de acesso à assistência de saúde pública e adequada, falta de procedimentos no combate à violência contra a mulher pelo machismo patriarcal, pelas manifestações de discriminação por raça, etnia e/ou nacionalidade, de gênero e/ou orientação sexual, intolerância religiosa etc.

Casos como o de Luana Barbosa dos Reis, vitimada pelo Estado por ser uma mulher negra e lésbica, assim como o da haitiana ferida em atentado xenofóbico contra imigrantes negros, em agosto de 2015, na Baixada do Glicério (região central de São Paulo), demonstram o quanto o genocídio da nossa população se aprofunda de diversas formas: machismo, LBTfobia, xenofobia e racismo andando de mãos dadas no Brasil.

Nós, mulheres negras, temos participado dos grandes momentos da luta antirracista em nosso país. Estivemos presentes na Marcha Zumbi dos Palmares – contra o Racismo, pela Igualdade e a Vida, que reuniu cerca de 30 mil pessoas em Brasília, e nas duas outras realizadas para comemorar a vitoriosa Marcha Zumbi dos Palmares, levando nossas reivindicações específicas enquanto mulheres e negras.

Em 2015, passados vinte anos do reconhecimento de Zumbi dos Palmares e da morte da grande liderança feminina negra Lélia Gonzalez, as mulheres negras brasileiras tomaram para si a ação política sob a forma de presença organizada nas ruas.

E no dia 18 de novembro de 2015 realizaram, em Brasília, a Marcha das Mulheres Negras – Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver, que reuniu cerca de 50 mil mulheres de todos os recantos do Brasil.

Em São Paulo, em 25 de julho de 2014, Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Afro Caribenha e Dia Nacional de Teresa de Benguela, mulheres negras de diferentes segmentos da sociedade se juntaram e realizaram o lançamento oficial da Marcha das Mulheres Negras 2015.

O evento reuniu cerca de 200 mulheres, vindas do movimento de mulheres negras do Estado de São Paulo, de partidos, sindicatos e centrais sindicais, ONGs, igrejas, movimentos populares, organizações estudantis de mulheres e de juventude.

A organização das mulheres negras de São Paulo para a Marcha resultou numa ampla mobilização de mulheres negras, organizadas ou não. Graças a essa mobilização foi possível levar a Brasília uma grande delegação, que se somou a contingentes de mulheres de todo o Brasil.

Fizemos ecoar nossa voz não apenas no Planalto central mas em todo o Brasil, consolidando nossas reivindicações contra o racismo e a violência.

E pelo bem viver como uma nova utopia.

Entretanto, essa demonstração de força organizativa não foi capaz de barrar o retrocesso em relação a conquistas históricas dos movimentos sociais negros e feministas, com o desmonte, no primeiro semestre de 2016, da Seppir e SPM.

O advento do golpe no Brasil pela direita, com apoio dos fundamentalistas,
aprofundou ainda mais o processo de retirada de direitos, que atinge mais diretamente as mulheres negras, indígenas e afro indígenas, imigrantes e refugiadas.

O desmonte completo da SPM, SEPPIR, da SECADI e o fim do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do Ministério da Saúde são algumas das ações que demonstram a falta de compromisso dos golpistas com as pautas e políticas públicas relacionadas ao combate ao racismo e ao machismo.

Em São Paulo, continuamos enfrentando o desmonte da educação pública. Os jovens e adolescentes, na sua maioria garotas negras, que protagonizaram as ocupações de escolas, denunciaram além do descaso, a fraude na compra das merendas escolares.

Marchamos pela retomada da luta por cotas nas universidades estaduais paulistas, como política de reparação histórica.

Lutamos contra a morte da juventude negra por parte da polícia militarizada.

Denunciamos o higienismo social e a omissão, que sobretudo no inverno, atinge principalmente a população de rua, causando mortes.

Estamos em marcha: 

No dia 25 de julho de 2016 voltamos a ocupar as ruas:

• Em defesa da democracia e contra o Golpe: Fora Temer!

• Pela luta intransigente contra o racismo e a discriminação, independentemente da raça,etnia e/ou nacionalidade;

• Pelo fim do machismo, do racismo, da lesbofobia, da transfobia, da intolerância religiosa, da xenofobia, e do preconceito e discriminação de qualquer natureza;

• Pelo fim da pobreza;

• Contra a retirada de direitos e a precarização ainda maior do trabalho, por mais emprego, melhores salários e igualdade salarial para as mulheres negras;

• Contra a exploração sexual das crianças e adolescentes;

• Contra todas as formas de violência, racista e machista e homofóbica: física, verbal e psicológica;

• Contra o genocídio da juventude negra e periférica;

• Contra a intolerância religiosa, por respeito e preservação das religiões de matrizes africanas;

• Pela preservação da biodiversidade e do meio-ambiente, em defesa e reconhecimento da titulação de terras das Quilombolas, das Mulheres do Campo, da Floresta e das Águas;

• Pela implementação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) alterada pela Lei 10.639/03 (obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no ensino fundamental e médio);

• Pelo direito à educação pública de qualidade e acesso e permanência na universidade;

• Pelo direito à saúde e direitos sexuais e reprodutivos (aborto legal, seguro e fim da violência obstétrica);

• Em defesa da moradia digna, do direito à cidade e à urbanidade;

• Pela valorização da trabalhadora doméstica (Lei Complementar 150/2015);

• Pelo empoderamento das mulheres negras, indígenas e afro indígenas;

• Contra o higienismo social e a gentrificação

• Por mais poder político para as mulheres negras, indígenas e afro indígenas, imigrantes e refugiadas;

• Pelo reconhecimento e preservação dos saberes materiais e imateriais da população de qualquer raça, etnia nacional ou estrangeira no Brasil (cultura, tecnologia, arquitetura, culinária, saúde etc.);

• Por uma política de Comunicação de enfrentamento ao racismo, com a consolidação de uma mídia igualitária, democrática, não racista e não sexista.

 Assinam o manifesto:

Àgò Lònà Associação Cultural
Anarco Punk Aurora Negra
Articulação de Mulheres Brasileiras
Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras
Associação de Skate Light
Associação dos Moradores do Conjunto Casa Branca
Batuque na Cozinha – Economia Solidária
Caminhada de Lésbica e de Bissexuais
CCS Vila Dalva
CEERT
Central de Movimentos Populares
Círculo Palmarino
Cojira-SP
Coletivo Adelinas
Coletivo Anarco Punk Aurora Negra
Coletivo Autônomo de Trabalhadores Sociais
Coletivo de Oyá
Coletivo Luana Barbosa
Coletivo Milton Santos
Coletivo Negra Sim
Coletivo Negra Sô
Coletivo Oyá Xequerês
CONEN
Consulta Popular
Conversa de Negras
CTB
Frente de Mulheres Imigrantes e Refugiadas
GAPP (Grupo de Articulação Política Preta)
Habitação Tiradentes Presente – Negrada no Comando
Ilê ase Oju Oyá
Ilú Obá de Min
Levante Popular da Juventude
Marcha Mundial das Mulheres
Movimento das Catadoras
PCdoB
PSOL
PT
Quilombação
RUA – Juventude Anticapitalista
Sindsep-CUT
UBM
UJS
UNEAFRO
UNEGRO
Xequerês

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