Sociedade

Indígenas ocupam Dsei há 10 dias no MT

Guerreiros de 16 etnias do Xingu exigem exoneração de coordenador do Distrito Especial de Saúde Indígena, do qual suspeitam

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Quando foi convidado a participar do Kuarup na aldeia Tuatuari, do povo Yawalapiti, em agosto último, o atual secretário especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Rodrigo Rodrigues, não hesitou um segundo e aceitou na hora. Poucas semanas depois, no entanto, ao ser convidado pelos indígenas para um diálogo político, relutou. Como relata abaixo a liderança do povo Kuikuro, Marrayury, também conhecido como Jair Cineasta: “Se vem na festa do Kuarup, por que não quer vir aqui para discutir os nossos problemas de atendimento de saúde?”

Os indígenas acusam o atual coordenador regional de desvio de recursos e pedem a sua exoneração imediata. Marrayury, que integra o Coletivo Kuikuro de Cinema (CKC) e desenvolve um projeto de produção de conteúdo de mídia, transmitiu o relato abaixo para a coluna. O CKC está com uma campanha aberta para arrecadar recursos para a compra de equipamentos, que podem ser doados nesse projeto da Vakinha.

Marrayury Kuikuro / Coletivo Kuikuro de Cinema

Completa 10 dias nesta quinta-feira 15 a mobilização de indígenas do Parque Indígena do Xingu pela mudança da coordenação da saúde na região. Quase 400 guerreiros de 16 etnias estão ocupando a sede do Distrito Especial de Saúde Indígena (DSEI) do Xingu, em Canarana (MT), e não deixarão o local até terem suas demandas atendidas.

Os guerreiros afirmam que somente irão deixar a sede do distrito depois da exoneração do atual coordenador e de sua auxiliar financeira, e for publicada no Diário Oficial a nomeação de uma pessoa de confiança, conforme carta divulgada no dia 5 de setembro.

A demanda dos povos do Xingu é a saída imediata do coordenador regional da Saúde, Otercindo Francisco da Silva, indicado ao cargo pelo deputado federal Valtenir Pereira (PMDB-MT). Silva sofre críticas desde que tomou posse, pois os indígenas sempre souberam se tratar de uma indicação política a servir bem a outros interesses em um ano eleitoral.

Rodrigo Rodrigues, secretário especial de Saúde Indígena (Sesai) no Ministério da Saúde, disse em entrevista ao Instituto Socioambiental (ISA) que ele, por sua vez, foi indicado à chefia da Sesai por três parlamentares do PMDB: Leonardo Picciani (PMDB-RJ), Carlos Bezerra (PMDB-MT) e Valtenir Pereira. 

Os indígenas tiveram na terça-feira 6 uma reunião com o deputado Valtenir Pereira, junto de Otercindo da Silva, o coordenador atual, e nessa reunião ele entregou o cargo. Afirmou que já havia sido feito o pedido de exoneração formal e que estaria prestes a sair no Diário Oficial. Mas Rodrigo Rodrigues, que também é do Mato Grosso, tem se recusado a dialogar com as lideranças.

Na última comunicação, disse que iria mandar um auxiliar, proposta recusada pelos guerreiros. A demanda é a negociação direta, no distrito de Canarana, com Rodrigues, uma vez que desconfiam de uma tentativa de ganhar tempo. 

Enquanto isso, há temor de articulações com a Polícia Federal para intimidar e prender os indígenas que estão protestando pacificamente. A cúpula da Sesai não quer negociar, enquanto os indígenas querem ouvir diretamente o secretário da entidade.

Os indígenas desde o início desconfiaram da indicação política para esse cargo, que exige experiência técnica e conhecimento das culturas indígenas, mas a questão se agravou.

Não apenas pela falta de acesso à saúde, mas também pelas suspeitas de graves esquemas de desvios, indicativos de corrupção. A respeito de tais denúncias, os indígenas se reuniram com o Ministério Público Federal, na segunda-feira 12.

Yefuka Kayabi, uma das lideranças da ocupação, contou para a equipe do MPF que os recursos que entram não estão sendo utilizados para comprar medicamentos para as aldeias. Yefuka perguntou para o MPF: os 18 milhões de reais que chegam ao distrito, para onde vão, com o que e onde estão sendo gastos?

Após a conversa com os guerreiros, o MPF foi verificar alguns arquivos de pagamento, documentos financeiros, colhendo informações e provas, fazendo entrevistas com indígenas. Querem encontrar os responsáveis pelos supostos desvios e os destinatários. 

Se por ano chegam 18 milhões de reais para cuidar da saúde dos povos indígenas do Xingu e todos nós estamos sofrendo com a falta de medicamentos, para onde foi esse dinheiro? Ocupamos o distrito para melhorar a nossa saúde. Há muita mortalidade e, com ela, muito sofrimento. 

A suspeita levantada pelos indígenas da ocupação é que uma funcionária do departamento financeiro da DSEI participaria de um esquema de desvios de recursos para campanhas políticas nas eleições municipais. Estes desvios estariam por trás da atual crise que está afundando a nossa saúde.

Esta funcionária também estaria por trás, desconfiam os indígenas, de articulações junto da Polícia Federal para intimidar os indígenas que estão na ocupação, afirmando que o protesto seria violento e que os indígenas estariam cometendo crimes como de “sequestro” e “cárcere privado” e “formação de quadrilha”. Tudo isso é prontamente negado por todos os guerreiros que reafirmam, e relato isso daqui diretamente da ocupação, ser este um protesto pacífico.

Guerreiros que fazem a vigília durante a noite já identificaram que ela passa na frente do distrito tentando entrar, mas os guerreiros vigiando não permitem. Desconfiam que ela quer usar o computador para esvaziar as provas. 

Os índios, os caciques tradicionais e os membros do conselhos de saúde indicam a nomeação da atual secretaria municipal de saúde de Canarana, Alessandra Santos Abreu, uma pessoa que trabalha há anos na área e conquistou a confiança dos caciques tradicionais do Xingu.

Quando o pessoal do Xingu convidou o Roberto Rodrigues, da Sesai, para vir para o Kuarup no Yawalapiti, muito rápido ele confirmou e disse que viria para ver a nossa festa. Mas, agora, a gente não entende porque ele não quer visitar o Xingu para dialogar e ouvir as nossas demandas. Se vem na festa do Kuarup, por que não quer vir aqui para discutir os nossos problemas de atendimento de saúde?

Decidimos que iremos até Brasília em uma comitiva de lideranças de todas as etnias para falar com o ministro da Saúde. Os caciques e as lideranças tradicionais do Xingu estão revoltados, estamos organizados e vamos lutar.

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