Sociedade

Eu sou trans e religiosa

Mulheres trans dividem suas experiências em espaços em que, por vezes, reina o conservadorismo

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“Há alguns anos eu estava na fila do ônibus, cheia de gente. Passou um senhor e disse ‘Jesus te ama’ pra mim. Só pra mim. Foi à toa? Não foi”, diz Brunna Valin, 42, que cresceu em família evangélica.

Aos 12, cansada das violências, deixou de ir à igreja. “Eu era tida como demônio, do inferno, pecadora, uma aberração. Todos os meninos da minha idade, que também eram e ainda são evangélicos, tinham prática sexual comigo, mas eu era a pecadora. Parei de acreditar na religião”.

Thaïs de Azevedo, 67 anos, conheceu o kardecismo por meio dos pais, que seguem a religião, e frequentou a Federação Espírita do Estado de São Paulo, onde são ministrados cursos e palestras sobre essa vertente do espiritismo.

Ela conta que não se sente acolhida de coração, embora haja uma aceitação social. “Em espaços religiosos o preconceito é velado, mas já ouvi coisas muito simplistas, como quando me disseram que hoje sou assim porque em outra vida fui uma mulher maldosa. Então quer dizer que no fundo eu sou uma pecadora, senão eu teria sido uma mulher maravilhosa? Não é bem assim”, diz.

Já no candomblé, uma das religiões que mais sofre perseguições no Brasil, Giu Nonato, travesti de 23 anos, encontrou seu espaço. “Nas brigas em casa, ou quando acontecia alguma coisa comigo na rua, era para o terreiro que eu ia, conversar com a minha mãe de santo”, conta.

Mas mesmo lá encontrou barreiras. Por vezes não respeitaram seu nome social e propositalmente a trataram no masculino. “Nunca vai ser tranquilo porque a gente sempre causa estranhamento em qualquer espaço, mas hoje me sinto acolhida e vou tentando desconstruir essas ideias lá”.

O candomblé e a cultura trans dividem pontos em comum, como o pajubá, expressões de origem africana muito utilizadas pela comunidade LGBT e pela religião, e a relação fluida com o gênero. Alguns orixás ora são uma entidade feminina, ora masculina, outros têm histórias sobre homossexualidade e bissexualidade.

“A gente cresce com uma consciência transfóbica e isso acaba sendo reproduzido dentro de qualquer religião. Mas nos fundamentos do candomblé não tem nada que condene, e no geral têm muitas pessoas LGBT nos terreiros. A casa que eu frequento tem um homem trans e muitas mulheres lésbicas”, diz Giu.

Em um texto para a plataforma Medium, Giu pede: “Não nos valhamos das armas dos nossos opressores para oprimir quem está conosco. Culpa, pecado, são noções cristãs que não cabem ao Candomblé. Revisemos nossos valores para não cair no erro de reproduzir, dentro deste nosso espaço de resistência que é o Ilê Axé, uma discriminação tão caracteristicamente branca-cristã”.

Para Thaïs, o kardecismo foi também uma ferramenta para se compreender como mulher trans. “Eu tive mais segurança para modificar o meu redor e desfazer mal entendidos”, conta, reafirmando que acredita que o mundo está se tornando um lugar melhor. “Eu sou travesti, preta e idosa. São todos fatores de exclusão. E há 20 anos eu não estaria aqui dando entrevista, eu sequer saía à noite na rua”.

Brunna se reconciliou com a crença de sua família, mas só anos mais tarde, quando conheceu uma igreja evangélica inclusiva. “Lá, primeiro vem a Brunna, depois a minha orientação sexual. Não é como outras igrejas que te aceitam para tentar te mudar”.

Relembrando aquela cena no ponto de ônibus, que ocorreu alguns anos atrás, Brunna tem uma certeza: “Eu entendi que a prática da religião é o amor, e o que aquele homem fez na fila do ônibus é preconceito, não é amor, então não é religião”. 

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