Sociedade

Decisão do STF encara a realidade sobre o aborto

De maneira corajosa, a corte enfrentou o que estava por trás de uma clínica clandestina em uma área pobre do Rio de Janeiro

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O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, foi claro: criminalizar o aborto é uma violação dos direitos fundamentais das mulheres. Não foram poucos os direitos listados por ele: saúde, integridade, igualdade e segurança.

Ao proibir uma mulher de decidir sobre o aborto, o Estado brasileiro viola de maneira cruel os direitos de grupos mais vulneráveis de mulheres: as negras e indígenas, as pobres ou nordestinas.

Barroso qualificou esse efeito perverso da lei criminal como discriminação às mulheres pobres, para quem o aborto clandestino é prática de muito risco e sofrimento.

A decisão, tomada na terça-feira 29, foi inesperada por uma razão simples. O caso não era de uma mulher concreta reclamando o direito ao aborto ou a não ser presa por o ter realizado; ou uma ação constitucional, como será a do dia 7 de dezembro sobre as consequências da epidemia do vírus zika entre meninas e mulheres no Brasil.

Em 2014, Ministro Marco Aurélio Mello recebeu uma ação penal contra cinco pessoas que trabalhavam em uma clínica de aborto em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A discussão era se cabia ou não prisão preventiva para os acusados de realizar aborto ilegalmente.

A resposta de Marco Aurélio foi uma liminar contrária à prisão preventiva: não havia risco à ordem pública ou à investigação. Barroso pediu vistas ao caso e fez um retorno argumentativo original.

Além de seguir o voto de Marco Aurélio, Barroso avançou na discussão que importa à Suprema Corte: enfrentou o que estava escondido por trás de uma clínica clandestina de aborto em zonas pobres do Rio de Janeiro.

Aquele não poderia ser apenas um caso de habeas corpus sobre prender ou não preventivamente pessoas acusadas de um crime. A pergunta correta seria outra: por que haveria crime neste caso?

Com um giro original, honesto e corajoso, Barroso deu a resposta: aborto não pode ser crime, segundo a Constituição Federal, pois viola direitos fundamentais das mulheres. Ou seja, além de não caber prisão preventiva aos acusados, o aborto deveria ser descriminalizado nas 12 primeiras semanas de gestação.

Para o voto, Barroso usou dados epidemiológicos e legislações de outros países. O aborto é legalizado ou descriminalizado em grande parte dos países democráticos, entendidos lá como um direito à intimidade e uma proteção à saúde.

Se realizado em condições seguras, não há risco na interrupção de uma gestação. Se há impacto à saúde das mulheres pelo aborto, os riscos estão na ilegalidade e clandestinidade da prática. É o cenário de crime que adoece as mulheres: elas temem ser presas, se arriscam com métodos que desconhecem a segurança, silenciam sobre suas histórias.

Para se ter uma ideia da magnitude do aborto no Brasil, uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez, pelo menos, um aborto. São milhões de mulheres que, em algum momento da vida, experimentaram a angústia de atravessar a fronteira da legalidade.

Barroso falou delas ontem. Não havia uma mulher para lhe oferecer o rosto e a biografia, mas todas nós, mulheres comuns, conhecemos histórias de muitas mulheres que fizeram aborto.

Elas usaram medicamentos, chás ou ervas, algumas se arriscaram em clínicas como a de Duque de Caxias. Algumas morreram e é nosso dever contar suas histórias como histórias de graves violações do Estado brasileiro contra as mulheres. Elas morreram em situação de intenso sofrimento, comparável às práticas tortura.

Infelizmente, a resposta madrugadeira da Câmara dos Deputados foi alegar ímpeto legislativo na Suprema Corte e mover-se para propostas de maior criminalização.

Não houve nada de ativismo judicial no voto de Barroso: aborto é uma questão constitucional e é dever da corte enfrentá-la à luz dos direitos fundamentais.

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