Sociedade

De pernas à mostra

Durante o escaldante verão carioca, empresas liberam o uso de bermuda no local de trabalho

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Por Amanda Lourenço

A primeira impressão ao entrar na empresa de tecnologia Ydreams, no Rio de Janeiro, é de que se trata de um escritório como qualquer outro: computadores, planilhas, salas de reunião. Mas, depois que dois gatos passam dando boas-vindas, fica evidente que aquele não é um ­ambiente de trabalho comum. Uma televisão e um sofá confortável em um canto mais afastado também fazem parte do cenário, assim como funcionários bem-humorados, que naquele dia reclamam de uma cafeteira quebrada, em tom de tragédia. Detalhe importante: dia quente, e quase todos os funcionários trabalham de bermuda.

Vale dizer que não há no cenário a irreverência de quem pretende vender uma imagem descolada. A empresa entende que em dias de 40 graus a bermuda é a indumentária ideal.

Daniel Japiassu, diretor de operações da Ydreams, é ele mesmo adepto da bermuda e não vê nenhuma razão para proibir o uso de roupas coloquiais no ambiente corporativo: “Trabalhar de roupa social não aumenta o rendimento dos funcionários, então por que não liberar o uso da bermuda? O calor desta cidade pede roupas leves”, argumenta.

A política de informalidade da empresa também inclui lanche comunitário e videogame para a equipe de cerca de 35 pessoas. O clima de descontração já pegou de surpresa alguns candidatos a vagas de emprego. “Algumas pessoas chegam na entrevista de terno e ficam um pouco embaraçadas quando se deparam com todo mundo de bermuda. Essa informalidade já é normal nas agências de publicidade, mas na área de tecnologia nem tanto”, conta o diretor.

Às reuniões com clientes, entretanto, os funcionários não deixam de envergar roupas mais tradicionais. O problema é quando elas são marcadas de última hora e a equipe toda está à vontade. Japiassu lembra que os ­representantes da ­Ydreams já foram barrados em reúniões por causa da bermuda: “Não nos deixaram entrar. Tivemos de pegar ­calças ­emprestadas para poder participar”.

Getúlio de Oliveira, dono da empresa de engenharia e arquitetura Engearq, também admite que seus funcionários usem bermuda. Mais prevenido, carrega sempre no carro uma calça e um par de sapatos. Nunca se sabe quando pode precisar. “Sempre tenho por perto roupas sociais, mas dependendo do cliente nem uso. Já cheguei em reuniões e encontrei todo mundo de bermudão”, conta o executivo.

A opção da bermuda para todos os funcionários da Engearq é uma novidade deste verão, mas vai durar apenas o período da estação. No resto do ano, as roupas sociais devem voltar. A medida foi bem-aceita por todos. Por outro lado, a nova norma não é uma imposição e há quem prefira ir trabalhar com roupas convencionais, como o diretor de operações Júnior Kirsten: “Me sinto mais confortável de calça mesmo”.


Oliveira explica que o princípio é justamente dar liberdade para cada um se vestir como quiser e igualar os direitos dos gêneros: “Acho injusto que as mulheres possam vir mais frescas e os homens não. É um preconceito bobo”.

O problema é que na área de construção nem todos os funcionários podem ter o privilégio de usar mangas curtas. As roupas dos operários, por exemplo, devem estar de acordo com os padrões ­estabelecidos pelas normas de segurança. Mas Oliveira está estudando formas de beneficiar também os operários, pro­curando tecidos mais leves. “Ainda não encontrei a melhor solução, mas estamos de olho no problema”, afirma o empresário.

A prefeitura do Rio de Janeiro já permite oficialmente o uso de bermuda por seus funcionários no verão desde 2003, por decreto do então prefeito Cesar Maia. Mas, apesar de a medida fazer a alegria de muitos servidores municipais, não foram todas as secretarias que aderiram. A Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro, responsável pela recuperação do chamado Porto Maravilha, não adotou a medida por causa das frequentes inspeções às obras, apesar de os escritórios ficarem longe da poeira dos canteiros. Já a Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos não tem nenhum motivo aparente, simplesmente não foi um hábito adquirido pelo grupo. “Aqui no nosso prédio ninguém aderiu, mesmo com as altas temperaturas”, informou a assessoria de comunicação, provando que ainda existe certa pressão social pela formalidade.

O decreto da prefeitura do Rio de Janeiro deste verão permite o uso de bermuda entre os dias 19 de dezembro e 31 de março. Na teoria, a medida vale também para motoristas de ônibus, vans credenciadas, taxistas e trocadores, como são conhecidos os cobradores de ônibus no Rio. Mas, na prática, os funcionários das empresas continuam sendo obrigados a usar calça social escura todos os dias. “Quem dera poder trabalhar de bermuda! Somos obrigados a ficar no calor mesmo, porque nem ar-condicionado tem mais. Tenho só um ventiladorzinho aqui no painel que não funciona”, conta o motorista Ricardo Barbosa.

“Para mim que sou trocador ainda dá pra aguentar, mas para o motorista que fica do lado do motor fervendo é demais”, lamenta o trocador Jorge Pereira. “De que adianta uma lei permitindo que a gente trabalhe de bermuda, se a empresa só entrega calça no pacote de uniforme?”

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