Política

Da vanguarda ao atraso

Privilégio e corporativismo envergonham o MP

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Está na pauta do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a proposta para a criação do auxílio-moradia e o pagamento de verbas indenizatórias em relação ao auxílio-saúde recebido pelos membros do Ministério Público da União e dos estados.

Aprovado, o benefício alcançará cerca de 20 mil procuradores e, por discutível isonomia, beneficiará os juízes em número igual ou superior. Esse privilégio se soma ao vale-alimentação e ao plano de saúde já existentes.

A criação do auxílio-moradia, no valor aproximado de 3 mil reais mensais, trará embutido o princípio da retroatividade de cinco anos.

Quem estiver interessado faça as contas. Antes, porém, sente-se para suportar o susto provocado por essa retroatividade: 3 mil reais por mês viram 36 mil anuais; multiplicado pelos 60 meses referentes aos cinco anos retroativos, o resultado se transforma em 180 mil, sem contar a correção. Agora basta multiplicar pelos integrantes do MP. E não se pode esquecer, posteriormente, de fazer a mesma conta para a Magistratura. Esse princípio de equiparação, segundo a ministra Eliana Calmon, foi estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça, neste caso, em causa própria.

A enaltecida ministra, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), recebeu, em setembro, 84 mil reais do citado auxílio-alimentação. Naquele mês, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que o contracheque dela registrou salário de R$ 113.009,50.

Com a mesma coragem com que denunciou juízes corruptos ou, segundo ela, “bandidos de toga”, a ministra respondeu publicamente ao jornal: “O Ministério Público já recebe esse vale-alimentação sem questionamento algum. O Conselho Nacional de Justiça entendeu o processo de equiparação e isso levou ao pagamento”.

Data venia, a magistrada não se saiu bem quanto a esse privilégio. Sobre esse ganho, cerca de mil reais por mês, não incide Imposto de Renda. O Leão é manso. Não ruge  nem morde essa gente.

O procurador-geral da República paga vale-alimentação a todos os membros do Ministério Público da União, sem que haja lei prevendo tal benefício. A Constituição fixa a remuneração dos integrantes do MP como “parcela única”, o subsídio. O pagamento seria, portanto, ilegal.

Tudo indica que isso se transformou numa artimanha para contornar as decisões da Presidência e do Congresso. Ou seja, inconformados com o aumento oficial que recebem, articulam aumento sobre o aumento. Tudo em causa própria.

A ministra Eliana Calmon errou também quando disse que o MP vem recebendo o vale, isso sem questionamento algum. Há quem questione, sim.

Luiz Moreira Lima, conselheiro do CNMP, que travou e venceu, praticamente isolado, a luta com Gurgel e asseclas para ser reconduzido à função, tenta fazer prevalecer a lei. Ele pediu vista e, ao avaliar a instituição auxílio-moradia, desmontou esse sistema alternativo criado para driblar o aumento oficial.

Essa situação mostra mais um retrocesso nos princípios republicanos. O Ministério Público ganhou vida nova com a Constituição de 1988. Tornou-se uma instituição de vanguarda do Estado brasileiro na luta contra velhos vícios da República. Há exceções, mas a regra não durou muito.

O corporativismo renasce recrudescido numa das mais importantes instituições da República.

Andante mosso

O belo e a fera I


A sucessão para o governo do Rio de Janeiro é uma das principais indicações das dificuldades da formação da aliança partidária da candidatura Dilma Rousseff em 2014.

Pesquisa do Vox Populi, feita na primeira semana de março – a primeira pós-eleição municipal –, mostra que o petista Lindberg Farias, jovem político chamado de Lindinho, é o nome mais forte na disputa. O mais provável opositor dele é Luiz Fernando Pezão, do PMDB, apoiado pelo governador Sérgio Cabral.

Figura amável, sem os dotes estéticos do adversário, Pezão é um homem fisicamente desconjuntado que briga com a balança, em torno dos 100 quilos, e calça 45.

O belo e a fera II


Mas, obviamente, essas razões não definirão a disputa que ainda nem chegou ao ponto certo de largada.

A competição, entretanto, ressalvadas as hecatombes, será entre os dois, segundo a competitividade apontada pelo Vox Populi.

Lindberg, hoje, tem intenções de voto entre 30% e 27%. Pezão gira em torno de 11%.


É preciso ponderar, no entanto, que Pezão tem um nível de conhecimento de cerca de 30% entre os eleitores. Lindberg tem 70%. A rejeição a Pezão é de 5%. Alta em relação ao conhecimento dele junto ao eleitorado. A rejeição de Lindberg é de apenas 3%.


Sujeito oculto


Não se sabe por quais razões a imprensa carioca escondeu o economista Sérgio Besserman como nome alternativo do PSDB para candidato ao governo do Rio. Ele virou um “intelectual tucano” com 1% das intenções de voto, na pesquisa Vox Populi, por pura caipirice. Talvez idiotice.

Besserman, ex-presidente do IBGE no governo FHC, é muito mais do que isso. Se for realmente dos quadros do PSDB, certamente é um dos melhores. O porcentual que obteve significa apenas que não é um nome conhecido do eleitor fluminense.

Al mare


Marcio Rocha Mello, presidente da petroleira HRT, surpreendeu o mercado: reforçou o time de advogados externos.

Mello, cuja empresa enfrenta problemas, segundo relatórios do Banco Itaú, contratou Francisco Mussnich, chefe de uma das bancas mais caras do País. Ex-desafeto de Mello, o advogado notabilizou-se como consultor do banqueiro Daniel Dantas.

A Petrobras interpretou o movimento como um sinal de tempos turbulentos para o empresário, com o qual, por sinal, firmou parceria em outubro de 2012.

Gurgel sob fogo


Crime de responsabilidade é a base do pedido de impeachment do procurador-geral da Republica, Roberto Gurgel, protocolado dia 11 de março no Senado.Entre os fatos juntados na representação há três processos distintos contra a governadora do Maranhão, Roseana Sarney.

A documentação lista os recursos contra a expedição de diploma a governadores eleitos em 2010 (tabela). A praxe do Tribunal Superior Eleitoral é a de encaminhar os pedidos ao vice- -procurador-geral eleitoral. No caso, a subprocuradora Sandra Cureau. As duas únicas exceções, como se vê, são os dois processos contra Roseana sobre os quais Gurgel repousa em paz há quase dois anos.

Justiça: Tarda e falha


A Justiça brasileira é historicamente dominada pela lerdeza e pelos interesses.

Não é obra do acaso. Favorece isso a lentidão dos magistrados (que dispõem de um generoso período de férias) e um Código de Processo Penal que, manejado por bons advogados, pode ser driblado infinitamente. Bom advogado exige muito dinheiro. Acesso exclusivo dos ricos. Nesse caso, só os pobres vão para o inferno. Ou seja, as prisões brasileiras. Isso não é retórica. Eis uma prova:

Um dos mais hediondos crimes praticados no Brasil faz 40 anos.

No dia 18 de maio de 1973, o corpo de Araceli Cabrera Crespo, de 8 anos, foi achado nos fundos do Hospital Infantil de Vitória (ES).

Assassinada, sofreu abuso sexual e foi desfigurada com ácido para dificultar a identificação do corpo. Os responsáveis eram integrantes de famílias capixabas influentes e, pelo menos, outras duas pessoas morreram por denunciar os criminosos.Identificados, sim. Punidos, não.

A data da morte de Araceli tornou-se oficialmente o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

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