Sociedade

Compra-me ou devoro-te!

Mais um dia, mais um shopping center: no Brasil, como em outros países em desenvolvimento, a onda consumista segue em alta. Mas há sinais de ressaca à frente

O shopping abriga entre as lojas de grife, a primeira loja de cosméticos Sephora do País, que gerou tumulto em sua inauguração. Foto: Olga Vlahou
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Há algumas semanas, o colega Willian Vieira publicou aqui em Brasiliana o registro etnográfico de suas perambulações pelo novíssimo Shopping JK. Nosso destemido Malinowski mergulhou nas entranhas do novo templo paulistano do consumo, fez contato com seus habitantes e registrou em prosa os exóticos comportamentos e rituais que observou. Sobreviveu à submersão aparentemente sem sequelas. O texto de CartaCapital, como é hábito, contrapõe-se à cobertura caipira da mídia local.

Vieira conta com a admiração deste escriba, cuja taxa de permanência em centros comerciais limita-se a 7 minutos ao ano, tempo necessário para deixar o carro no estacionamento de um estabelecimento local, cruzar a passos largos os corredores e ganhar a rua, rumo a um consultório odontológico vizinho.

Os grandes centros comerciais surgiram há quase 100 anos, nos Estados Unidos. Multiplicaram-se após a Segunda Guerra Mundial, por lá e alhures, acompanhando a expansão dos subúrbios. Desde o princípio, a ideia foi criar um ambiente fechado, destinado a estabelecer certo nível de controle sobre o comportamento das vítimas: os consumidores.

Depois de décadas de expansão, nos Estados Unidos muitos centros comerciais vêm perecendo, vítimas da crise econômica e do comércio eletrônico. No Brasil, os centros comerciais já se contam às centenas e o número continua crescendo. Enquanto o mundo começa a sentir os efeitos da era do consumismo, os países em desenvolvimento continuam emulando os desenvolvidos, clonando seus vícios com algumas décadas de atraso. Hoje, significativamente, os maiores centros comerciais do mundo estão em países em desenvolvimento, tais como China, Filipinas, Malásia, Tailândia, Turquia e Indonésia.

Alguns urbanistas veem os centros comerciais com desconfiança. Os gigantes são frequentemente acusados de provocar a decadência de centros urbanos e de gerar impactos negativos sobre o trânsito. Por estes e outros motivos, alguns países desenvolvidos estabeleceram restrições à construção de grandes centros comerciais.

Sociólogos e antropólogos também costumam torcer o nariz para esses caixotes urbanos, tomados de horror por seus ambientes artificiais e sanitizados. Alguns os classificam como “não lugares”, espaços sem história ou identidade, aos quais multidões afluem sem que os indivíduos estabeleçam contato ou relação entre si, movidos unicamente pelo objetivo de consumir, sejam roupas, filmes, livros, refeições ou “experiências”.

True Stories, filme de 1986, dirigido e estrelado por David Byrne, apresenta uma divertida colagem de personagens e histórias passadas na cidade fictícia de Virgil, no Texas. O centro comercial da cidade é o ponto de encontro dos personagens, referência central de suas existências. Poderia estar em qualquer lugar da Terra, ou aqui e agora.

Consumo e consumismo têm sido objeto de interesse de cientistas sociais há tempos: sociólogos e antropólogos lhes dedicam prosa e verso. Em geral, os incomoda que o marketing e a cultura do consumo tenham um papel tão central em nossa sociedade. Agasta-lhes constatar que o mundo hoje iguala desenvolvimento a consumo. Irrita-os o mantra que afirma que quanto mais desenvolvida for uma sociedade mais seus cidadãos consomem. De fato, para a velha e para a nova classe média sucesso significa acumular bugigangas eletroeletrônicas, panos com marcas e acessórios com grifes, significa comprar uma casa e lotá-la de peças de utilidade incerta e de gosto duvidoso.

Reza uma jocosa definição que a cultura do consumo é um amálgama de valores e comportamentos que se sustenta em três pilares: a mídia, o automóvel e o cartão de crédito. A mídia, especialmente a tevê, diz às hordas o que comprar e onde encontrar; o automóvel as transporta até as fontes; e o cartão de crédito viabiliza a transação, mesmo que o cidadão não tenha fundos.

No entanto, testemunhamos nas últimas décadas sinais de uma embriaguez que antecipa uma ressaca de grandes proporções: degradação ambiental, esgotamento de recursos naturais, invasão da esfera privada pelo mundo do trabalho, fragmentação do núcleo familiar, corrosão dos valores etc. A locomotiva do consumo, que nos trouxe até aqui, ameaça sair dos trilhos e vitimar seus frenéticos passageiros. Os pilotos usam alguma criatividade, unida a respeitáveis verbas de propaganda, para reformar e embelezar a máquina. Diz-se que o consumo agora deve ser responsável, verde e consciente. Mais agora é menos, porém, mais caro. Mas… serão os passageiros sensíveis ao discurso? Será a reforma suficiente para evitar desastres? Descobriremos nos próximos anos, ou não…

Últimos artigos de Thomaz Wood Jr.:

Há algumas semanas, o colega Willian Vieira publicou aqui em Brasiliana o registro etnográfico de suas perambulações pelo novíssimo Shopping JK. Nosso destemido Malinowski mergulhou nas entranhas do novo templo paulistano do consumo, fez contato com seus habitantes e registrou em prosa os exóticos comportamentos e rituais que observou. Sobreviveu à submersão aparentemente sem sequelas. O texto de CartaCapital, como é hábito, contrapõe-se à cobertura caipira da mídia local.

Vieira conta com a admiração deste escriba, cuja taxa de permanência em centros comerciais limita-se a 7 minutos ao ano, tempo necessário para deixar o carro no estacionamento de um estabelecimento local, cruzar a passos largos os corredores e ganhar a rua, rumo a um consultório odontológico vizinho.

Os grandes centros comerciais surgiram há quase 100 anos, nos Estados Unidos. Multiplicaram-se após a Segunda Guerra Mundial, por lá e alhures, acompanhando a expansão dos subúrbios. Desde o princípio, a ideia foi criar um ambiente fechado, destinado a estabelecer certo nível de controle sobre o comportamento das vítimas: os consumidores.

Depois de décadas de expansão, nos Estados Unidos muitos centros comerciais vêm perecendo, vítimas da crise econômica e do comércio eletrônico. No Brasil, os centros comerciais já se contam às centenas e o número continua crescendo. Enquanto o mundo começa a sentir os efeitos da era do consumismo, os países em desenvolvimento continuam emulando os desenvolvidos, clonando seus vícios com algumas décadas de atraso. Hoje, significativamente, os maiores centros comerciais do mundo estão em países em desenvolvimento, tais como China, Filipinas, Malásia, Tailândia, Turquia e Indonésia.

Alguns urbanistas veem os centros comerciais com desconfiança. Os gigantes são frequentemente acusados de provocar a decadência de centros urbanos e de gerar impactos negativos sobre o trânsito. Por estes e outros motivos, alguns países desenvolvidos estabeleceram restrições à construção de grandes centros comerciais.

Sociólogos e antropólogos também costumam torcer o nariz para esses caixotes urbanos, tomados de horror por seus ambientes artificiais e sanitizados. Alguns os classificam como “não lugares”, espaços sem história ou identidade, aos quais multidões afluem sem que os indivíduos estabeleçam contato ou relação entre si, movidos unicamente pelo objetivo de consumir, sejam roupas, filmes, livros, refeições ou “experiências”.

True Stories, filme de 1986, dirigido e estrelado por David Byrne, apresenta uma divertida colagem de personagens e histórias passadas na cidade fictícia de Virgil, no Texas. O centro comercial da cidade é o ponto de encontro dos personagens, referência central de suas existências. Poderia estar em qualquer lugar da Terra, ou aqui e agora.

Consumo e consumismo têm sido objeto de interesse de cientistas sociais há tempos: sociólogos e antropólogos lhes dedicam prosa e verso. Em geral, os incomoda que o marketing e a cultura do consumo tenham um papel tão central em nossa sociedade. Agasta-lhes constatar que o mundo hoje iguala desenvolvimento a consumo. Irrita-os o mantra que afirma que quanto mais desenvolvida for uma sociedade mais seus cidadãos consomem. De fato, para a velha e para a nova classe média sucesso significa acumular bugigangas eletroeletrônicas, panos com marcas e acessórios com grifes, significa comprar uma casa e lotá-la de peças de utilidade incerta e de gosto duvidoso.

Reza uma jocosa definição que a cultura do consumo é um amálgama de valores e comportamentos que se sustenta em três pilares: a mídia, o automóvel e o cartão de crédito. A mídia, especialmente a tevê, diz às hordas o que comprar e onde encontrar; o automóvel as transporta até as fontes; e o cartão de crédito viabiliza a transação, mesmo que o cidadão não tenha fundos.

No entanto, testemunhamos nas últimas décadas sinais de uma embriaguez que antecipa uma ressaca de grandes proporções: degradação ambiental, esgotamento de recursos naturais, invasão da esfera privada pelo mundo do trabalho, fragmentação do núcleo familiar, corrosão dos valores etc. A locomotiva do consumo, que nos trouxe até aqui, ameaça sair dos trilhos e vitimar seus frenéticos passageiros. Os pilotos usam alguma criatividade, unida a respeitáveis verbas de propaganda, para reformar e embelezar a máquina. Diz-se que o consumo agora deve ser responsável, verde e consciente. Mais agora é menos, porém, mais caro. Mas… serão os passageiros sensíveis ao discurso? Será a reforma suficiente para evitar desastres? Descobriremos nos próximos anos, ou não…

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