Sociedade

Colonialismo mental e nacionalismo ingênuo

O atraso educacional e a mentalidade retrógrada da elite são as razões dos problemas institucionais brasileiros

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A expressão “colonialismo mental” é forte na obra do ex-ministro e professor de Harvard Roberto Mangabeira Unger, que critica a atitude brasileira de achar quase tudo no exterior melhor. Copiamos instituições americanas que não nos couberam bem ou que são simplesmente ruins, como o impeachment, que até hoje ninguém sabe ao certo se é jurídico, político ou se os dois ao mesmo tempo.

Copiamos também dos americanos o presidencialismo engessado, o federalismo pouco cooperativo e a forma bizarra de nomeação dos membros da Corte Suprema pelo Presidente da República.

O direito, um modificador e estabilizador das instituições, foi copiado pelo Brasil, em regra, da Europa continental, especialmente dos países de origem latina, que, com exceção da França, são mais atrasados do que, por exemplo, os nórdicos, a Alemanha e o Reino Unido. 

O colonialismo mental vem de uma cultura de subserviência, de sentimento enrugado de inferioridade e ficou canonizado na expressão “complexo de vira-lata”. Nosso atraso institucional não vem daí, no entanto. 

O oposto do colonialismo mental pode ser chamado de “nacionalismo ingênuo”, manifestado no desconhecimento das teorias e práticas mais avançadas existentes no planeta.

As atitudes proféticas podem criar ideias inovadoras, apesar de o sujeito estar distanciado do mundo, mas isso é raro. Em se tratando de instituições (as estruturas sociais) e de políticas (os projetos de modificação e sedimentação das estruturas), é importante conhecer as respostas humanas a elas. É mais fácil a genialidade emergir de onde há um repertório do que de onde há poucas informações.

Sem o conhecimento do que há de avançado, recai-se com frequência no nacionalismo ingênuo, aquela falsa noção de que estamos bem servidos por aqui e não precisamos dos estrangeiros.

Nem o colonialismo mental, nem o nacionalismo ingênuo nos servem.

Parece evidente que não podemos ignorar todas as teorias e práticas existentes no mundo, sobretudo em países mais desenvolvidos, onde o fomento à pesquisa e à inovação é maior. Não é à toa que nunca conquistamos um Prêmio Nobel, em qualquer área, desde que ele foi criado, há mais de 100 anos.

Também não se deve desconsiderar que nossos problemas são os nossos problemas específicos, e soluções de fora podem não nos servir. Contudo, o ser humano é ser humano em qualquer lugar e, no mínimo, é possível realizar aproximações para efeito de comparação e ponto de partida.

O brasileiro é capaz, trabalhador e criativo. Ele tem as capacidades para disputar com os estrangeiros em praticamente todas as áreas, mas, para ser tão bom, precisa desenvolvê-las e conhecer o que de melhor já foi produzido.

Talvez Mangabeira Unger não criasse tantas boas ideias, hoje discutidas mundialmente, se não tivesse ido estudar em Harvard, se tornado professor da universidade mais importante do planeta, estudado a história mundial da Filosofia, que não tem nenhum nome brasileiro muito relevante, e os clássicos internacionais da Economia, da Sociologia etc., que também não têm nenhum brasileiro como ícone.

Proponho uma visão pragmática, destituída de preconceitos, vaidades e orgulhos. Em se tratando de instituições e políticas públicas, nós somos, em regra, periferia, o que não determina o nosso futuro.

Se nascemos colônia apenas em 1500, se ainda somos periferia em 2016, um país tentando se desenvolver aos trancos e barrancos, isso não quer dizer que será sempre assim. Nós podemos assumir a vanguarda já, mas não vai ser virando as costas ao mundo e achando que podemos resolver tudo aqui dentro isolados.

Defendo, portanto, que o atraso institucional brasileiro decorre de dois grandes problemas, sem prejuízo da existência de outros. O primeiro deles é o distanciamento do mundo. Temos um grave problema educacional, pois a grande maioria das nossas crianças chega ao fim do ensino médio sem conseguir interpretar um texto em português e realizar cálculos matemáticos simples.

Sem sequer digerir o português, como se conectarão com o restante do mundo, que hoje fala, em sua maioria, mandarim, espanhol e inglês? O conhecimento mundial avançado está em inglês, mas o Brasil sempre aparece como um dos piores países em avaliações da língua. A China oferece múltiplas oportunidades de negócios, mas praticamente ninguém no Brasil fala mandarim.

É preciso atacar o problema emergencial da educação e buscar uma difusão do ensino de línguas com muito mais qualidade. Proponho um programa de atração e organização de professores estrangeiros que possam dar aulas de línguas de qualidade nos setores público e privado, aproveitando para ensinar sua história e sua cultura, o que colaboraria imensamente na educação dos brasileiros e os ajudaria a construir um sentimento de nacionalismo com pertencimento ao mundo.

A língua é parte central da cultura de um país e apenas pode ser aprendida com qualidade quando se adentra na própria cultura. O ensino de línguas estrangeiras no Brasil é pobre, pois pautado na memorização e na tradução direta, sem explicação de aspectos pragmáticos que levem às especificidades de cada língua.

Como ensina a Transdisciplinaridade, a globalização não permite que sejamos apenas cidadãos de cidades, estados e países. Pertencemos a um mesmo planeta, que está interligado, em constante comunicação. Quanto menos brasileiros participarem desse mundo, teremos menos relações comerciais, intercâmbio científico, inovação e outros pilares para o sucesso de uma nação.

Quando conhecemos os outros, passamos a conhecer melhor a nós mesmos. Aproximar-se de outras culturas é conhecer novos mundos, mas similares ao nosso, o que permite olhar para os caminhos que levaram a resultados distintos e pensar se os nossos caminhos não poderiam ser melhorados. A comparação é uma boa ferramenta cognitiva, mas ela carece de base a ser comparada.

O segundo problema brasileiro não está desvinculado do primeiro e é igualmente importante. Trata-se da mentalidade conservadora e retrógrada da nossa classe dominante, o que gera a cópia daquilo que existe de ruim no exterior. O problema do Brasil não é o colonialismo mental puro e simples, pois, caso se copiasse tudo o que há de melhor no exterior, o nosso país já seria um dos mais desenvolvidos do mundo.

Por falta de conhecimento, questões ideológicas e interesses, a classe dominante brasileira, que financiava as campanhas eleitorais até outro dia e determina até hoje a pauta dos governantes, faz escolhas que não são as melhores para a população, optando por instituições e políticas extrativas, em vez de inclusivas.

O problema brasileiro não é copiar os estrangeiros, mas copiar mal e, sobretudo, os americanos, como lembra Jessé Souza, que são um dos países menos desenvolvidos entre os desenvolvidos, apesar de o seu PIB enorme e outros fatores falsearem um suposto inigualável avanço. 

Os Estados Unidos são o país mais desigual entre os desenvolvidos e repleto de problemas semelhantes aos brasileiros, ainda que já tenham alcançado patamares mais avançados em vários aspectos. A nossa elite não gosta de lembrar, por exemplo, que os Estados Unidos tributam muito mais progressivamente do que o Brasil.

Se procuramos instituições e políticas mais avançadas, encontraremos naqueles com a melhor qualidade de vida do mundo, como Austrália, Canadá e os nórdicos. Há pouquíssima informação sobre esses países por aqui, no entanto.

O Brasil tem problemas grave e eles são, em sua maioria, conhecidos. Falta vontade, repertório de soluções e imaginação institucional, de modo a podermos criar propostas arrojadas sob medida para os nossos problemas.

É preciso ir além do colonialismo mental e do nacionalismo ingênuo. Para tanto, é preciso trabalho árduo de aprofundamento nas teorias e práticas mais progressistas e avançadas do mundo e, então, audácia na criação de propostas inovadoras e bem justificadas, que sejam capazes de vencer o conservadorismo da nossa elite e dos nossos políticos.

*Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology

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