Sociedade

Chapecoense: a tragédia ensina a usar a empatia

É preciso que deixemos de ver as pessoas como estatísticas, personagens e peças de tabuleiro

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O acidente com o voo que levava o time da Chapecoense para a disputa do primeiro jogo das finais da Copa Sul-Americana tirou a vida de um ex-colega meu de redação. Guilherme Van Der Laars não era um amigo próximo. Tampouco trabalhamos na mesma editoria. Mas a lembrança de um profissional competente, correto, pai de duas crianças e à espera de mais uma foi o bastante para me fazer sofrer. 

O resto da população mundial nem precisou de tanto para se comover. A morte é um fato inevitável da nossa existência. Mas dói porque interrompe histórias. A família que não terá mais o pai, a cidade que perde seus heróis, o time que interrompe uma ascensão vertiginosa. Havia rostos, sonhos, planos naquele avião. Mesmo à distância, todos sentiram. 

Em um de seus livros recentes, o acadêmico Alain de Botton defende que nos mobilizamos tão pouco com desgraças ainda maiores no Haiti ou na África porque a imprensa não nos ajuda a ter envolvimento com quem sofreu.

Claro que, humanos, deveríamos nos sensibilizar com as tragédias por si só. Mas, sim, fica mais fácil quando nos reconhecemos um pouco ali. Seja com um time de futebol ou uma criança deitada na areia, vestida de forma muito parecida com os filhos que buscamos na escola. 

Não será por isso que nos mobilizamos tanto por um furacão em Nova York e tão pouco quando ele devasta a América Central? Conhecemos aquelas ruas, vimos nos filmes, exploramos nos seriados. Sabemos mais ou menos quem são aquelas pessoas. Antes da morte, conhecemos suas vidas. Suas alegrias. Quando tudo é dor, anestesiamos o choque. 

O desastre que levou a vida de tantos atletas nos presenteou com o maior exercício de empatia que já vi. O sisudo ministro José Serra chorou. O brasileiro, hostil com políticos e futebol, se viu irmanado na dor. Entre nós e com os vizinhos sul-americanos, tão esquecidos. 

Descobrimos, assim, que a Colômbia de Narcos e da rejeição a um processo de paz é também uma nação de amor e gestos de grandeza. Eles estão aqui do lado, mas quantas vezes você tinha pensado nisso? Talvez, agora, as notícias que chegam de lá nos afetem de uma forma diferente. 

Pessoas precisam parar de ser estatísticas, personagens, peças de tabuleiro. Pessoas têm que voltar a ser pessoas, em todos os seus lados e pontos de vista. É função do jornalismo, da publicidade e da economia olhar mais para a vida, os sonhos, os planos, a música, a língua, a poesia.

Os roteiristas sabem: só choramos a tragédia do herói depois de conhecer suas alegrias e amores. Quando ele morre na primeira cena, ninguém se abala. Se o nosso mundo fica plano, sem nuance, cabe apenas na planilha. Vira número. Impossível de nos causar comoção, mobilização ou solidariedade.

As reações ao acidente mostraram que, sim, nós temos empatia. Só fomos desacostumados pelos jornais, economistas e políticos a exercitá-la. 

*Rafael Simi é jornalista

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