Política

Cabo de guerra judicial

Professores de três universidades estaduais do Ceará tentam há 20 anos na Justiça receber o piso salarial no estado

Foto: UECE/CE
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Há 20 anos, cerca de mil professores da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Universidade Regional do Cariri (URCA) e Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) vivem um impasse jurídico com o governo cearense. Os docentes conseguiram na Justiça do Trabalho o direito de receber o piso salarial da categoria estabelecido em 1986 e suspenso no ano seguinte pelo então governador Tasso Jereissati (PSDB). O estado perdeu em todas as instâncias, mas, de acordo com o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região e o Tribunal Superior do Trabalho (TST), utiliza-se da Procuradoria-Geral do Ceará para apresentar seguidos recursos (alguns deles tecnicamente incorretos) a fim de postergar o pagamento dos valores.

Devido à posição do governo, a Justiça começou neste ano a executar a sentença por meio de sequestros nas contas do estado. Desde então, os professores passaram a receber parcelas da diferença salarial referente à adoção do piso. Os valores dizem respeito a pagamentos a partir de 2007, quando a causa foi julgada definitivamente e a sentença não cumprida pelo Ceará. Desde abril deste ano foram expedidos nove alvarás para o saque de mais de 19,9 milhões de reais destinados às três universidades.

Os docentes (ativos e aposentados) da UECE e da URCA receberam quatro parcelas referentes ao período entre agosto e dezembro de 2007. Na UVA, foram sete pagamentos, quitando também valores de 2008. Em média, com exceção de pensionistas de professores falecidos e outros herdeiros não beneficiados, cada integrante do processo ganhou de 600 reais a 3 mil reais por repasse.

E os sequestros continuarão indeterminadamente até que o governo adote o piso. Quando isso ocorrer, eles serão suspensos e o estado deverá pagar aos professores as diferenças salariais entre 1986 e 2007, na forma de precatórios. O valor, no entanto, ainda não pode ser calculado devido à necessidade de realizar as correções financeiras do período e porque o governo não implementou a decisão.

“Não queremos quebrar o estado, mas o governo deixou a dívida virar uma bola de neve”, afirma Gilberto Telmo, professor aposentado da UECE e integrante da ação desde o seu princípio. Segundo ele, há disposição da maioria da categoria em negociar os atrasados, desde que seja adotado o piso.

A briga se arrasta nas cortes desde 1992, quando o Sindicato dos Docentes de Ensino Público do Estado (Sindesp) procurou a Justiça. Quatro anos depois, foi determinada a reimplantação do piso salarial. Decisão mantida recentemente pelo TST após diversos recursos do governo, que não pode mais contestar o mérito do pagamento.

O estado tentou, então, levar a medida ao Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido para o direcionamento do caso à Justiça comum. A corte negou a ação em dezembro passado, mas ainda não julgou os embargos de declaração.

O desejo do sindicato é restabelecer o piso dos professores entre oito e dez salários mínimos, dependendo, além de outros fatores, da função, titulação e jornada de trabalho (de 12 a 40 horas semanais) que ocupavam à época. “Tínhamos o segundo melhor salário entre as universidades públicas do País, agora temos, talvez, o segundo pior”, lamenta Luiz Boaventura de Souza, presidente do Sindesp. Atualmente, os salários dos docentes nas três universidades estão entre 1,3 mil e 8 mil reais.

A decisão da Justiça é válida apenas para os professores incluídos na ação. Com a demora, 205 deles faleceram e a maioria dos docentes vivos tem mais de 65 anos. Mas, segundo a Procuradoria-Geral, que interpõe os recursos no caso em nome do governo cearense, as tentativas de barrar a execução da sentença são “corretas” e focadas em um aspecto principal: a quantidade de anos pelos quais os professores teriam direito a receber.

Para o governo, a execução deve ocorrer até a data em que os docentes migraram do regime contratual celetista para estatutário, em 1990. Ou seja, a diferença salarial a ser paga seria de cerca de quatro anos e não de 25, como desejam os professores. “O estado do Ceará, portanto, refuta qualquer alegação de descumprimento de ordem judicial ou de protelação, estando cumprindo o dever que lhe cabe, sem renúncia, na defesa do erário”, afirma a Procuradoria em nota a CartaCapital.

“A procuradoria admite a dúvida em relação às gratificações, mas nunca sentou para conversar. O governador não nos recebe”, rebate Telmo.

Há uma série de decisões favoráveis aos professores na Justiça do Trabalho nos últimos anos. O TST enviou, inclusive, o processo para execução na 4ª Vara do Trabalho de Fortaleza, onde também não cabem mais recursos. Em despachos, o TRT destacou que o governo demostra “falta de lealdade” ao não cumprir as decisões e que os embargos são “incidentes escancaradamente proletórios”.

A execução prossegue, mas como ainda não há trânsito em julgado no STF sobre a competência da Justiça do Trabalho na causa, o Supremo alerta que ela “será provisória, pois poderá vir a ser reformada pela corte”.

Antes de os docentes começarem a receber parte dos valores do sequestro, um acordo chegou a ser proposto pelo governo em 2008. Aprovada pelo grupo em assembleia geral, a medida não foi implementada. “Dizem que somos intransigentes, mas tentaram ganhar tempo com a negociação para ir ao Supremo”, relata Telmo. “O estado usa de má fé, da forma mais desonesta possível. Mas não vamos ceder”, completa Boaventura.

O governo cearense não nega a dívida. Sustenta, porém, que “a base de cálculo está errada” e que os valores do sindicato são “muito superiores a qualquer parâmetro nacional, estadual ou municipal”, fugindo da “razoabilidade”. Para o estado, o piso deve ser calculado a partir da remuneração como um todo, ou do vencimento base “sem a possibilidade de duplicá-lo e quadruplicá-lo” para atingir até 40 salários mínimos como base, além das gratificações. “O Estado cumpre o seu dever tentando demonstrar ao juízo esse erro de execução que entende existente.”

Os professores, por outro lado, negam que os valores ultrapassem o teto de 14 mil reais do salário do governador.

O não cumprimento da decisão já causa outros problemas ao Ceará. O estado foi multado diversas vezes por postergar a adoção da sentença e, desde o início de novembro, o Ministério Público Federal investiga a conduta de uma das universidades envolvidas no processo. Ao contrário da UECE e da URCA, a UVA não recorreu da decisão de adotar o piso, nem conseguiu uma liminar para suspendê-la. Como também não cumpriu a sentença, entrou na mira do MPF por possível crime de desobediência de ordem judicial.

Há 20 anos, cerca de mil professores da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Universidade Regional do Cariri (URCA) e Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) vivem um impasse jurídico com o governo cearense. Os docentes conseguiram na Justiça do Trabalho o direito de receber o piso salarial da categoria estabelecido em 1986 e suspenso no ano seguinte pelo então governador Tasso Jereissati (PSDB). O estado perdeu em todas as instâncias, mas, de acordo com o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região e o Tribunal Superior do Trabalho (TST), utiliza-se da Procuradoria-Geral do Ceará para apresentar seguidos recursos (alguns deles tecnicamente incorretos) a fim de postergar o pagamento dos valores.

Devido à posição do governo, a Justiça começou neste ano a executar a sentença por meio de sequestros nas contas do estado. Desde então, os professores passaram a receber parcelas da diferença salarial referente à adoção do piso. Os valores dizem respeito a pagamentos a partir de 2007, quando a causa foi julgada definitivamente e a sentença não cumprida pelo Ceará. Desde abril deste ano foram expedidos nove alvarás para o saque de mais de 19,9 milhões de reais destinados às três universidades.

Os docentes (ativos e aposentados) da UECE e da URCA receberam quatro parcelas referentes ao período entre agosto e dezembro de 2007. Na UVA, foram sete pagamentos, quitando também valores de 2008. Em média, com exceção de pensionistas de professores falecidos e outros herdeiros não beneficiados, cada integrante do processo ganhou de 600 reais a 3 mil reais por repasse.

E os sequestros continuarão indeterminadamente até que o governo adote o piso. Quando isso ocorrer, eles serão suspensos e o estado deverá pagar aos professores as diferenças salariais entre 1986 e 2007, na forma de precatórios. O valor, no entanto, ainda não pode ser calculado devido à necessidade de realizar as correções financeiras do período e porque o governo não implementou a decisão.

“Não queremos quebrar o estado, mas o governo deixou a dívida virar uma bola de neve”, afirma Gilberto Telmo, professor aposentado da UECE e integrante da ação desde o seu princípio. Segundo ele, há disposição da maioria da categoria em negociar os atrasados, desde que seja adotado o piso.

A briga se arrasta nas cortes desde 1992, quando o Sindicato dos Docentes de Ensino Público do Estado (Sindesp) procurou a Justiça. Quatro anos depois, foi determinada a reimplantação do piso salarial. Decisão mantida recentemente pelo TST após diversos recursos do governo, que não pode mais contestar o mérito do pagamento.

O estado tentou, então, levar a medida ao Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido para o direcionamento do caso à Justiça comum. A corte negou a ação em dezembro passado, mas ainda não julgou os embargos de declaração.

O desejo do sindicato é restabelecer o piso dos professores entre oito e dez salários mínimos, dependendo, além de outros fatores, da função, titulação e jornada de trabalho (de 12 a 40 horas semanais) que ocupavam à época. “Tínhamos o segundo melhor salário entre as universidades públicas do País, agora temos, talvez, o segundo pior”, lamenta Luiz Boaventura de Souza, presidente do Sindesp. Atualmente, os salários dos docentes nas três universidades estão entre 1,3 mil e 8 mil reais.

A decisão da Justiça é válida apenas para os professores incluídos na ação. Com a demora, 205 deles faleceram e a maioria dos docentes vivos tem mais de 65 anos. Mas, segundo a Procuradoria-Geral, que interpõe os recursos no caso em nome do governo cearense, as tentativas de barrar a execução da sentença são “corretas” e focadas em um aspecto principal: a quantidade de anos pelos quais os professores teriam direito a receber.

Para o governo, a execução deve ocorrer até a data em que os docentes migraram do regime contratual celetista para estatutário, em 1990. Ou seja, a diferença salarial a ser paga seria de cerca de quatro anos e não de 25, como desejam os professores. “O estado do Ceará, portanto, refuta qualquer alegação de descumprimento de ordem judicial ou de protelação, estando cumprindo o dever que lhe cabe, sem renúncia, na defesa do erário”, afirma a Procuradoria em nota a CartaCapital.

“A procuradoria admite a dúvida em relação às gratificações, mas nunca sentou para conversar. O governador não nos recebe”, rebate Telmo.

Há uma série de decisões favoráveis aos professores na Justiça do Trabalho nos últimos anos. O TST enviou, inclusive, o processo para execução na 4ª Vara do Trabalho de Fortaleza, onde também não cabem mais recursos. Em despachos, o TRT destacou que o governo demostra “falta de lealdade” ao não cumprir as decisões e que os embargos são “incidentes escancaradamente proletórios”.

A execução prossegue, mas como ainda não há trânsito em julgado no STF sobre a competência da Justiça do Trabalho na causa, o Supremo alerta que ela “será provisória, pois poderá vir a ser reformada pela corte”.

Antes de os docentes começarem a receber parte dos valores do sequestro, um acordo chegou a ser proposto pelo governo em 2008. Aprovada pelo grupo em assembleia geral, a medida não foi implementada. “Dizem que somos intransigentes, mas tentaram ganhar tempo com a negociação para ir ao Supremo”, relata Telmo. “O estado usa de má fé, da forma mais desonesta possível. Mas não vamos ceder”, completa Boaventura.

O governo cearense não nega a dívida. Sustenta, porém, que “a base de cálculo está errada” e que os valores do sindicato são “muito superiores a qualquer parâmetro nacional, estadual ou municipal”, fugindo da “razoabilidade”. Para o estado, o piso deve ser calculado a partir da remuneração como um todo, ou do vencimento base “sem a possibilidade de duplicá-lo e quadruplicá-lo” para atingir até 40 salários mínimos como base, além das gratificações. “O Estado cumpre o seu dever tentando demonstrar ao juízo esse erro de execução que entende existente.”

Os professores, por outro lado, negam que os valores ultrapassem o teto de 14 mil reais do salário do governador.

O não cumprimento da decisão já causa outros problemas ao Ceará. O estado foi multado diversas vezes por postergar a adoção da sentença e, desde o início de novembro, o Ministério Público Federal investiga a conduta de uma das universidades envolvidas no processo. Ao contrário da UECE e da URCA, a UVA não recorreu da decisão de adotar o piso, nem conseguiu uma liminar para suspendê-la. Como também não cumpriu a sentença, entrou na mira do MPF por possível crime de desobediência de ordem judicial.

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