Cultura

Axé, São Jorge

A mãe de santo avisou: a entrevista sobre um livro baseado na indolência do povo com o Candomblé não ia ser publicada. Nem o livro foi

Axê
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Começou pela cidade do Rio de Janeiro: dia de São Jorge, 23 de abril, é feriado. E o feriado se estendeu para todo o Estado do Rio.

Como somos um país rico em feriados – e respectivas “emendas”, quando eles caem no meio da semana – tem muita gente que censura mais este, dedicado ao santo.

Eu, particularmente, sempre me dei muito bem com ele. Tanto que, quando foi reinaugurado meu bar preferido em Copacabana, a imagem de São Jorge foi presente meu, que a dona do bar diariamente enfeitava com rosas vermelhas, como o santo gosta.

Nesta semana, diante de mais um choppinho descompromissado, um amigo de botequim, o Murilinho, comentou sobre o feriado, dedicado a um santo cuja história é quase uma lenda. Implorei, assustado, para ele não repetir essa frase. Expliquei que São Jorge nasceu da Capadócia, hoje Turquia, era um militar guerreiro e acabou morto pelos romanos em 303 por não renunciar ao cristianismo. Hoje é importante, tanto no catolicismo, como em todas as religiões africanas. Axé.

Diante da expressão de interrogação na face de Murilinho, entre um gole e outro da “loirinha gelada”, contei a ele uma experiência, no mínimo estranha, que tive envolvendo São Jorge, no Candomblé.

A Complexo B borda São Jorge em camisas de todos os times

Aconteceu depois de uma reportagem que fiz com uma conhecida mãe de santo, do Terreiro de Neive Branco, em Salvador. Eu a entrevistei sobre um livro que defendia a tese de que o brasileiro era indolente por sua cultura vinda do Candomblé e da Umbanda.

A mãe de santo, incomodada, respondeu tudo que perguntei. Quando terminou e entrevista, porém, ela pediu que eu escrevesse num papel o nome do livro duas vezes, em cruz. Entreguei o papel e ela e perguntei o porquê daquilo. Ela, voz suave, respondeu:

– Meu filho, sei que você não vai falar mal do candomblé. Assim mesmo, se alguém ler sua reportagem, vai querer saber o que diz o livro. E eu vou “trancar” esse livro. Ninguém vai comprar… São Jorge cuidará disso para nós. É para ele que vou entregar esse livro. E concluiu:

– Vai lá, entrega a reportagem para seu chefe, mas não se espante… ela não vai ser publicada.

É evidente que eu concluí a matéria dizendo isso. O editor de religião, Sergio Oyama, era protestante, Batista convicto. Desafiando, me pediu para entregar à mãe de santo a matéria quando fosse publicada. Concordei, já me divertindo com a ideia de ver como reagiria a sacerdotisa.

Acontece que, nessa mesma época, o Papa começou a proibir o uso de camisinha e pílula. Isso virou pauta para todas as redações, conversas, discussões acaloradas de religiosos – e também ateus. E a minha matéria foi ficando de lado.

Seis meses depois, meu editor – Batista, repito – pediu para atualizar o texto, o que fiz imediatamente. Ele dizia que ia publicar o texto de qualquer jeito. Por motivos diversos os espaços de outras editorias tomavam o de religião. E a matéria nunca foi publicada. Eu diria que por pura coincidência, ou falta de importância. Mas não foi como viu o editor.

Anos depois, também diante de um copo de cerveja, rindo do caso, lembramos da matéria.E ele pediu para eu contar tudo, em tom divertido, para ele publicar onde estava trabalhando. Escrevi, mandei – terminando o texto dizendo que não iria dar o nome do livro senão esse novo texto poderia acabar não sendo publicado. Ele mandou pagar o trabalho. Quando saiu a revista, não achei minha matéria. Liguei para ele. Ele foi honesto:

– Na hora de mandar para a gráfica, fiquei com medo. Essa mãe de santo é forte, mesmo. Sei lá, a revista anda mal das pernas e acaba até fechando. Melhor deixar a história de feitiço para lá. Eu não acredito nessas coisas, mas também não precisa provocar, não é mesmo?

Rimos e nunca mais voltamos ao assunto. Acho, mesmo, que o livro encalhou na editora. E, por las dudas, também prefiro não contar aqui o nome do livro. Como o Oyama disse, para que mexer nessas coisas? – o que, em outras palavras, quer dizer: “que las hay, las hay”.

Acabei concluindo, já alegrinho depois de mais um gole, que achava São Jorge realmente popular no Brasil. Afinal, ao lado de sua imagem sempre está a bandeira brasileira. É adesivo de carro, padroeiro de cidades, e paróquias, com direito a procissões e festas, meio pagãs, mas festas. E também homenageado em terreiros umbandistas e de candomblé. Enfim, é um santo querido, que tem a confiança de todos, de  torcedor de futebol e estilista de moda. Diante dessa argumentação toda, Murilo acabou concordando que ele merece, mesmo, ter seu dia comemorado por todos os brasileiros.

A propósito, lembrando isso tudo, para garantia de proteção forte, vou vestir uma de minhas camisetas com a imagem de São Jorge. Axé, Babá.

Começou pela cidade do Rio de Janeiro: dia de São Jorge, 23 de abril, é feriado. E o feriado se estendeu para todo o Estado do Rio.

Como somos um país rico em feriados – e respectivas “emendas”, quando eles caem no meio da semana – tem muita gente que censura mais este, dedicado ao santo.

Eu, particularmente, sempre me dei muito bem com ele. Tanto que, quando foi reinaugurado meu bar preferido em Copacabana, a imagem de São Jorge foi presente meu, que a dona do bar diariamente enfeitava com rosas vermelhas, como o santo gosta.

Nesta semana, diante de mais um choppinho descompromissado, um amigo de botequim, o Murilinho, comentou sobre o feriado, dedicado a um santo cuja história é quase uma lenda. Implorei, assustado, para ele não repetir essa frase. Expliquei que São Jorge nasceu da Capadócia, hoje Turquia, era um militar guerreiro e acabou morto pelos romanos em 303 por não renunciar ao cristianismo. Hoje é importante, tanto no catolicismo, como em todas as religiões africanas. Axé.

Diante da expressão de interrogação na face de Murilinho, entre um gole e outro da “loirinha gelada”, contei a ele uma experiência, no mínimo estranha, que tive envolvendo São Jorge, no Candomblé.

A Complexo B borda São Jorge em camisas de todos os times

Aconteceu depois de uma reportagem que fiz com uma conhecida mãe de santo, do Terreiro de Neive Branco, em Salvador. Eu a entrevistei sobre um livro que defendia a tese de que o brasileiro era indolente por sua cultura vinda do Candomblé e da Umbanda.

A mãe de santo, incomodada, respondeu tudo que perguntei. Quando terminou e entrevista, porém, ela pediu que eu escrevesse num papel o nome do livro duas vezes, em cruz. Entreguei o papel e ela e perguntei o porquê daquilo. Ela, voz suave, respondeu:

– Meu filho, sei que você não vai falar mal do candomblé. Assim mesmo, se alguém ler sua reportagem, vai querer saber o que diz o livro. E eu vou “trancar” esse livro. Ninguém vai comprar… São Jorge cuidará disso para nós. É para ele que vou entregar esse livro. E concluiu:

– Vai lá, entrega a reportagem para seu chefe, mas não se espante… ela não vai ser publicada.

É evidente que eu concluí a matéria dizendo isso. O editor de religião, Sergio Oyama, era protestante, Batista convicto. Desafiando, me pediu para entregar à mãe de santo a matéria quando fosse publicada. Concordei, já me divertindo com a ideia de ver como reagiria a sacerdotisa.

Acontece que, nessa mesma época, o Papa começou a proibir o uso de camisinha e pílula. Isso virou pauta para todas as redações, conversas, discussões acaloradas de religiosos – e também ateus. E a minha matéria foi ficando de lado.

Seis meses depois, meu editor – Batista, repito – pediu para atualizar o texto, o que fiz imediatamente. Ele dizia que ia publicar o texto de qualquer jeito. Por motivos diversos os espaços de outras editorias tomavam o de religião. E a matéria nunca foi publicada. Eu diria que por pura coincidência, ou falta de importância. Mas não foi como viu o editor.

Anos depois, também diante de um copo de cerveja, rindo do caso, lembramos da matéria.E ele pediu para eu contar tudo, em tom divertido, para ele publicar onde estava trabalhando. Escrevi, mandei – terminando o texto dizendo que não iria dar o nome do livro senão esse novo texto poderia acabar não sendo publicado. Ele mandou pagar o trabalho. Quando saiu a revista, não achei minha matéria. Liguei para ele. Ele foi honesto:

– Na hora de mandar para a gráfica, fiquei com medo. Essa mãe de santo é forte, mesmo. Sei lá, a revista anda mal das pernas e acaba até fechando. Melhor deixar a história de feitiço para lá. Eu não acredito nessas coisas, mas também não precisa provocar, não é mesmo?

Rimos e nunca mais voltamos ao assunto. Acho, mesmo, que o livro encalhou na editora. E, por las dudas, também prefiro não contar aqui o nome do livro. Como o Oyama disse, para que mexer nessas coisas? – o que, em outras palavras, quer dizer: “que las hay, las hay”.

Acabei concluindo, já alegrinho depois de mais um gole, que achava São Jorge realmente popular no Brasil. Afinal, ao lado de sua imagem sempre está a bandeira brasileira. É adesivo de carro, padroeiro de cidades, e paróquias, com direito a procissões e festas, meio pagãs, mas festas. E também homenageado em terreiros umbandistas e de candomblé. Enfim, é um santo querido, que tem a confiança de todos, de  torcedor de futebol e estilista de moda. Diante dessa argumentação toda, Murilo acabou concordando que ele merece, mesmo, ter seu dia comemorado por todos os brasileiros.

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