Sociedade

Autoritarismo de tribunal reflete a falta de transparência do futebol brasileiro

CBF, Justiça Desportiva e Procuradoria deveriam ser independentes. Como não são, podem perseguir a liberdade de expressão das torcidas, como fazem agora

Imagem divulgada no Twitter mostra a manifestação da torcida do Atlético-MG, que exibiu um mosaico com as cores do Fluminense e a inscrição "CBF" de cabeça para baixo. Foto: Reprodução
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No futebol chinês, os gritos de torcida parecem saídos do jardim da infância. “Nosso time é melhor que o seu” e “China, jogue bem” são algumas das manifestações ouvidas nos estádios da China. Viver num mundo assim talvez seja o sonho dos comandantes do futebol brasileiro. Alguns deles, inclusive, estão agindo para tentar tornar o esporte tão autoritário quanto o governo chinês.

A reta final do Campeonato Brasileiro escancarou uma onda despótica. No dia 29, durante partida entre Náutico e Atlético-GO, no estádio dos Aflitos, no Recife, o árbitro Leandro Vuaden atrasou o início do jogo em 15 minutos por conta de uma faixa erguida pela torcida pernambucana: “Não irão nos derrubar no apito!!!”, diziam os torcedores, indignados com o que, avaliavam, eram erros contra o Náutico. Vuaden só autorizou o pontapé inicial depois de a torcida, orientada pela polícia, retirar a faixa.

No último domingo 21, foi a vez da torcida do Atlético-MG protestar. No estádio Independência, em Belo Horizonte, onde o clube recebeu o líder Fluminense, a torcida fez um mosaico com as cores do time carioca e com a inscrição CBF (Confederação Brasileira de Futebol) de cabeça para baixo. Era uma insinuação de que o Fluminense estaria sendo beneficiado pela arbitragem e por decisões do Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). O árbitro não reclamou do mosaico atleticano. Coube ao procurador do STJD, Paulo Schmitt, essa tarefa. “Esta manifestação levantando a hipótese que existe corrupção na CBF, ela tem de ser levada ao Tribunal pelo menos”, disse Schmitt ao canal ESPN Brasil.

Não é preciso ser um constitucionalista para entender que as duas atitudes ferem o direito de se manifestar livremente, garantido a todos os brasileiros. No estádio de futebol, ao que consta, vigora a Constituição, e não um estado de exceção. Para Vuaden e Schmitt talvez seja difícil entender isso, afinal ambos integram um sistema com características semelhantes às do governo chinês (onde a torcida é dócil): autoritarismo, falta de transparência e a recusa de dar explicações ao público.

A reação de Vuaden é fruto da carta branca que os árbitros têm da CBF. Os árbitros são, na maioria das vezes, figuras que podem errar à vontade sem sofrer punição. Isso só ocorre quando prejudicam clubes especiais, os que não podem ser prejudicados. Em grande medida livres de punição, os árbitros se tornam pequenos ditadores. O autoritarismo está expresso até na postura de alguns deles. Há quem mostre o cartão em frente ao rosto do jogador. Outros gesticulam de forma histérica. A face mais clara do autoritarismo são as punições mais severas ao atleta que questiona a autoridade do árbitro do que ao que coloca a integridade física do colega em risco.

O caso de Schmitt é mais grave. Ao levar o protesto da torcida atleticana ao STJD, o procurador está agindo como advogado da CBF e do próprio STJD. Tivesse Schmitt independência, ele estaria investigando as denúncias contra a CBF, ou o estranho caso do auditor do STJD Jonas Lopes Neto, que no início do mês puniu (por uma jogada perigosa) a principal estrela do Atlético-MG, Ronaldinho Gaúcho, ao mesmo tempo em que manifestava hostilidade ao jogador numa rede social.

Schmitt não tem independência porque a Justiça desportiva brasileira funciona como o governo chinês. Ela é montada para não ser isenta ou transparente. Os nove membros do Tribunal Pleno do STJD, instância máxima da entidade, são indicados por CBF (2), federações (2), atletas (2) e árbitros (1) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (2). Os membros do pleno elegem o procurador e indicam os 25 membros das comissões disciplinares. A CBF paga todas as contas do STJD e fica com o dinheiro arrecadado pelas multas impostas pelo tribunal. Como se vê, ao contrário do estado brasileiro, onde Executivo, Judiciário e Ministério Público desfrutam de independência, no futebol a CBF, o STJD e a Procuradoria-Geral são parte de um mesmo todo, como ocorre nos países autoritários. Também como ocorre nas ditaduras, quem diverge do poder estabelecido está à mercê da Justiça. Por isso, não causam estranheza as diversas denúncias de favorecimento de clubes contra a CBF e contra o STJD que se acumulam ano a ano. Elas são, no mínimo, plausíveis.

Esse sistema obscuro se perpetua pois não há interesse em modificá-lo. A CBF, que fatura milhões com a seleção brasileira e nada investe no futebol local, não tem interesse em criar uma Justiça desportiva independente. Nenhum dos presidentes antigos do STJD manifestou a necessidade de reformas serem feitas. O atual presidente do tribunal, Flavio Zveiter, filho de Luiz Zveiter, um ex-presidente conhecido pelos inúmeros processos disciplinares que responde no Conselho Nacional de Justiça, também não parece ter essa intenção. Tudo conspira para que as coisas fiquem como estão. Está claro que a ação contra a torcida do Atlético-MG é apenas uma parte do buraco negro que se tornou o futebol brasileiro.

No futebol chinês, os gritos de torcida parecem saídos do jardim da infância. “Nosso time é melhor que o seu” e “China, jogue bem” são algumas das manifestações ouvidas nos estádios da China. Viver num mundo assim talvez seja o sonho dos comandantes do futebol brasileiro. Alguns deles, inclusive, estão agindo para tentar tornar o esporte tão autoritário quanto o governo chinês.

A reta final do Campeonato Brasileiro escancarou uma onda despótica. No dia 29, durante partida entre Náutico e Atlético-GO, no estádio dos Aflitos, no Recife, o árbitro Leandro Vuaden atrasou o início do jogo em 15 minutos por conta de uma faixa erguida pela torcida pernambucana: “Não irão nos derrubar no apito!!!”, diziam os torcedores, indignados com o que, avaliavam, eram erros contra o Náutico. Vuaden só autorizou o pontapé inicial depois de a torcida, orientada pela polícia, retirar a faixa.

No último domingo 21, foi a vez da torcida do Atlético-MG protestar. No estádio Independência, em Belo Horizonte, onde o clube recebeu o líder Fluminense, a torcida fez um mosaico com as cores do time carioca e com a inscrição CBF (Confederação Brasileira de Futebol) de cabeça para baixo. Era uma insinuação de que o Fluminense estaria sendo beneficiado pela arbitragem e por decisões do Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). O árbitro não reclamou do mosaico atleticano. Coube ao procurador do STJD, Paulo Schmitt, essa tarefa. “Esta manifestação levantando a hipótese que existe corrupção na CBF, ela tem de ser levada ao Tribunal pelo menos”, disse Schmitt ao canal ESPN Brasil.

Não é preciso ser um constitucionalista para entender que as duas atitudes ferem o direito de se manifestar livremente, garantido a todos os brasileiros. No estádio de futebol, ao que consta, vigora a Constituição, e não um estado de exceção. Para Vuaden e Schmitt talvez seja difícil entender isso, afinal ambos integram um sistema com características semelhantes às do governo chinês (onde a torcida é dócil): autoritarismo, falta de transparência e a recusa de dar explicações ao público.

A reação de Vuaden é fruto da carta branca que os árbitros têm da CBF. Os árbitros são, na maioria das vezes, figuras que podem errar à vontade sem sofrer punição. Isso só ocorre quando prejudicam clubes especiais, os que não podem ser prejudicados. Em grande medida livres de punição, os árbitros se tornam pequenos ditadores. O autoritarismo está expresso até na postura de alguns deles. Há quem mostre o cartão em frente ao rosto do jogador. Outros gesticulam de forma histérica. A face mais clara do autoritarismo são as punições mais severas ao atleta que questiona a autoridade do árbitro do que ao que coloca a integridade física do colega em risco.

O caso de Schmitt é mais grave. Ao levar o protesto da torcida atleticana ao STJD, o procurador está agindo como advogado da CBF e do próprio STJD. Tivesse Schmitt independência, ele estaria investigando as denúncias contra a CBF, ou o estranho caso do auditor do STJD Jonas Lopes Neto, que no início do mês puniu (por uma jogada perigosa) a principal estrela do Atlético-MG, Ronaldinho Gaúcho, ao mesmo tempo em que manifestava hostilidade ao jogador numa rede social.

Schmitt não tem independência porque a Justiça desportiva brasileira funciona como o governo chinês. Ela é montada para não ser isenta ou transparente. Os nove membros do Tribunal Pleno do STJD, instância máxima da entidade, são indicados por CBF (2), federações (2), atletas (2) e árbitros (1) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (2). Os membros do pleno elegem o procurador e indicam os 25 membros das comissões disciplinares. A CBF paga todas as contas do STJD e fica com o dinheiro arrecadado pelas multas impostas pelo tribunal. Como se vê, ao contrário do estado brasileiro, onde Executivo, Judiciário e Ministério Público desfrutam de independência, no futebol a CBF, o STJD e a Procuradoria-Geral são parte de um mesmo todo, como ocorre nos países autoritários. Também como ocorre nas ditaduras, quem diverge do poder estabelecido está à mercê da Justiça. Por isso, não causam estranheza as diversas denúncias de favorecimento de clubes contra a CBF e contra o STJD que se acumulam ano a ano. Elas são, no mínimo, plausíveis.

Esse sistema obscuro se perpetua pois não há interesse em modificá-lo. A CBF, que fatura milhões com a seleção brasileira e nada investe no futebol local, não tem interesse em criar uma Justiça desportiva independente. Nenhum dos presidentes antigos do STJD manifestou a necessidade de reformas serem feitas. O atual presidente do tribunal, Flavio Zveiter, filho de Luiz Zveiter, um ex-presidente conhecido pelos inúmeros processos disciplinares que responde no Conselho Nacional de Justiça, também não parece ter essa intenção. Tudo conspira para que as coisas fiquem como estão. Está claro que a ação contra a torcida do Atlético-MG é apenas uma parte do buraco negro que se tornou o futebol brasileiro.

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