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Alunos de Clouseau

Documentos inéditos sobre a atuação da Stratfor no Brasil expõem o amadorismo de espiões e fontes. Sua representante foi recebida no Gabinete de Segurança Institucional da presidência

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Por Natalia Viana e Willian Vieira*

“Foi uma honra e um privilégio tomar parte em uma conversa tão estimulante na sala de situação e ser levada em um tour guiado pelo palácio presidencial.” Era janeiro de 2011 e a Stratfor era apenas uma agência curiosamente bem colocada no mundo das informações de inteligência e geopolítica internacional, quando sua diretora de análise, Reva Bhalla, escreveu um e-mail mais que agradecido ao secretário-adjunto do Gabinete de Segurança Institucional do Planalto, José Antônio de Macedo Soares, por tê-la apresentado ao local reservado onde militares e agentes se reúnem em tempos de crise de segurança.

Bhalla queria ainda reaver um mapa do Brasil presenteado por Soares e roubado no aeroporto. “Fiquei com o coração partido. Eu realmente amei o mapa e estava tão honrada em tê-lo.” Um mês depois, Soares lhe escreveu: tinha em mãos a cópia do mapa, feito para a Marinha. “Para qual endereço devo mandar esse tubo de aparência tão suspeita com o mapa?” Bhalla respondeu agradecida, emocionada, difícil de conter. “Eu estava num bar com amigos ontem e um cara perto de mim viu o imenso sorriso que surgiu em meurosto quando eu vi sua mensagem, virou pra mim e disse: ‘uau, queria saber o que faz uma garota sorrir assim’. Acho que ele nunca adivinharia que tinha a ver com um mapa múndi com o Brasil no centro”. Deu ainda o endereço para postagem. E pediu o dele, “caso haja algo que eu queira mandar como agradecimento por toda a simpatia e hospitalidade que você mostrou durante minha visita ao seu belo país.”

Geralmente discreta em público, a executiva americana de origem indiana ficou conhecida mundo afora depois que a comunicação da Stratfor, hackeada em dezembro do ano passado, passou a ser publicada pelo WikiLeaks. Em um dos emails mais polêmicos, Bhalla é instruída pelo seu chefe, o autor de best sellers sobre estratégia militar e CEO da Stratfor, George Fridman, sobre como lidar com suas “fontes”, homens ligados a empresas e governos detentores de informações de interesse. “Se você considera a fonte valiosa, tem de assumir o controle sobre ela. Controle significa controle financeiro, sexual ou psicológico”, ensina o mestre,

Até agora pouco se sabia sobre como a Stratfor agia no Brasil. Mas documentos aos quais a Agência Pública e a Carta Capital tiveram acesso descortinam um modus operanti tragicômico, no centro do qual figura Reva Bhalla. Ela esteve no País por dois meses, em uma temporada de encontros nos quais abusou do seu charme e foi recebida de braços abertos até por funcionários de carreira do GSI, órgão responsável por garantir a segurança da presidência e que lhe confiou informações sensíveis às quais poucos brasileiros têm acesso. Em um dos e-mails, Bhalla relata aos colegas da Stratfor que naquela visita ao GSI chegou a se reunir com o ministro-chefe, o general José Elito Siqueira. Foi até convidada a visitar um posto militar na Amazônia. E durante a longa conversa com Macedo Soares, diz ter ouvido que a Abin capturara “terroristas” em São Paulo, incluindo pessoas ligadas aos ataques de 11 de setembro. O GSI confirmou a visita de Bhalla.

Clique aqui para ler o relato sobre o encontro de Bhalla com a cúpula do GSI

Batizado de “Arquivos de Inteligencia Global”, o novo vazamento do Wikileaks trouxe luz a um ramo pouco conhecido da inteligência privada, exatamente por situar-se na fronteira entre a análise e produção de boletins geopolíticos de baixa qualidade e a simples arapongagem. Abreviação de “Straregic Forecasting Inc”, algo como “previsão estratégica”, a Stratfor mistura jornalismo, análise política e métodos de espionagem para vender a seus clientes “previsões” sobre o que vai acontecer em diversos países do mundo. Além de oferecer um boletim com análises geopolíticas e militares, faz relatórios por encomenda e fornece “briefings” por teleconferência. Por trás de tudo o que leva a marca Stratfor está George Friedman.

Dos arapongas à bola de cristal

Filho de judeus fugido do holocausto húngaro que dedicou sua vida a lecionar sobre a arte da guerra nos Estados Unidos, Friedman é dono de uma biografia cara ao modelo americano de self made man. Cresceu no Bronx novaiorquino e doutorou-se em ciência política pela prestigiada universidade Cornell, antes de se tornar consultor para o Pentágono, o Army War College e a National Defense University. Por duas décadas entremeou pesquisas acadêmicas com a publicação de livros sobre os mesmas temas e com títulos bombásticos, como America’s Secret War, The Intelligence Edge, The Coming War With Japan, The Future of War e dois best sellers da lista do Times (The Next 100 Years e The Next Decade, exatamente os dois nos quais prevê o futuro da humanidade sob o ponto de vista da geopolítica e da guerra).

Foi essa figura, então então professor da Universidade Estadual da Louisiana, quem fundou em Austin, Texas, em 1996, uma empresa nova no ramo. Ele juntou com 15 jovens alunos e os levou para o Texas, onde os transformou em analistas de inteligência. Nascia a Stratfor – que, em 1999, já chamava a atenção ao “prever” os desenvolvimentos do conflito nos Balcãs. Um Centro de Crise para Kosovo foi colocado online e passou a ser seguido e mesmo citado por jornalões como o New York Times.

A fórmula de Friedman era simples e eficiente: juntar, sob sua influência, antigos espiões soviéticos com know-how sobre países da antiga influência comunista, militares aposentados americanos, adidos e jornalistas mundo afora interessados em “colaborar” para ganhar dinheiro com sua grande paixão, a geopolítica. Tanto que a correspondência da empresa, obtidas pelo WikiLeaks, inclui dezenas de documentos internos do FBI e das forças de segurança americanas, tendo revelado por exemplo que o Departamento de Segurança Pública do Texas tem um agente encoberto no Occupy Austin. Embora esteja longe de ser uma das maiores no mercado de “análise de risco”, a Stratfor conta ente seus clientes com empresas como a Lockheed Martin, Morthrop Grumman, Raytheon, Coca-Cola e Dow Chemical. A pedido das duas últimas, monitorava as atividades de ativistas de direitos humanos e ambientais que pudessem lhes causar problemas. Além disso, faturou um contrato do comando da Marinha americana para fazer uma previsão estratégica para os próximos anos.

Apesar do delicado perfil ético e da proximidade de suas fontes com o poder, a verdade é que grande parte dos documentos revelados até agora mostram como a Stratfor agia com um amadorismo risível, marcada por informação de má qualidade. Nada de Sherlock Holmes ou James Bond; algo mais próximo do inspetor Clouseau, magistralmente interpretado por Peter Sellers. Nada de investigação de ponta, o que fica claro por outro documento publicado pelo Wikilieaks, uma espécie de “glossário” com máximas de uso interno da empresa. “O fluxo de material passivo reduz o custo da inteligência e aumenta o tempo de análise. O poder da Stratfor é reunir com eficiência a análise passiva, descobrir padrões rapidamente, e análise fabulosa. Ou é isso que dizemos aos clientes. É melhor ter algumas fontes no bolso também.” É com essa visão “geoestratégica”, crivada por um discurso militarista de direita, que a empresa consegue enorme simpatia dentre os “aficionados por inteligência”, como descreve o mesmo glossário: um cliente com apetite de CIA e orçamento de Botswana “define a maioria dos clientes da Stratfor”.

No Brasil, a clientela da Strafor inclui o Brazilian Army Comission, comissão do exército sediada em Washington, com uma assinatura anual do boletim no valor de US$ 1.825; o Ministério da Defesa, com três assinaturas num valor total de US$ 9.702; e a ABIN, com uma assinatura anual de US$ 3.450. Por incrível que pareça, assinar os boletins da empresa é praxe, por exemplo, entre os cursos de relações internacionais do Brasil, segundo Reginaldo Mattar Nasser, professor de relações internacionais da PUC-SP. “A questão é que nesse ‘pacote’ de informações objetivas, que não é assinado por ninguém, aparecem avaliações políticas que entram como se fossem informações corretas, incontestáveis”. Nasser diz que os alunos gostam dos boletins porque eles trazem informações gerais, como PIB e o histórico dos países. O problema é que, no bolo, vêm análises conservadoras: segundo a Stratfor, a Primavera Árabe geraria ambientes de anarquia, os palestinos seriam os agressores unilaterais a Israel e os adeptos do Islã seriam todos terroristas.

O tour de Reva Bhalla no Brasil

Foi para formular uma visão própria do Brasil e criar “fontes que se mantém no bolso” que a analista Reva Bhalla esteve no País entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011. “Após passar tempo com cariocas no Rio, o pessoal do Itamaraty em Brasília, os gaúchos no Rio Grande do Sul e todo tipo de paulistas em SP, deixo seu belo país com uma melhor compreensão da alma brasileira”, escreveu ela a Macedo Soares, do GSI. Na verdade, Reva conseguiu pouca informação que não pudesse ser encontrada com uma busca rápida do Google. A conversa com o alto escalão do GSI é a notável exceção – e bastante preocupante, se contarmos que se trata de funcionários públicos encarregados justamente de proteger informações sensíveis à segurança nacional.

Além do GSI, Reva conversou com o diretor do Instituto Fernando Henrique Cardoso. O cientista político Sérgio Fausto diz que de fato se encontrou com Bhalla em seu escritório em São Paulo. “Nunca tinha ouvido falar da Stratfor. Olhei o site deles e tal. Ela me encontrou aqui. Era uma moça muito bonita, aliás, uma jovem de uns 30 anos bem vestida como convém a executivas da área. Mas uma moça que não conhecia nada de Brasil e estava tateando. Tinha uma preocupação específica sobre segurança pública e sobre a atuação do Brasil na vizinhança, com a Bolívia, a questão do narcotráfico. Questões que eu conhecia apenas de ler jornal”.

Bhalla ainda solicitou contatos por e-mail, que Fausto passou sem problemas. No fim do e-mail, porém, ele ironizava: “Como um dos nossos melhores compositores, Antonio Carlos Jobim, costumava dizer: ‘Brasil não é um país para principiantes’”. Assim como ironiza agora o trabalho da empresa. “Se eu fosse um cliente interessado em informações de mercado, não os contrataria. Eles não têm as conexões latino-americanas nem a expertise no assunto.”

A principal fonte da Stratfor no Brasil é, na verdade, o jornalista Nelson During, editor-chefe do Defesa Net, site que “tem um pensamento como o da Stratfor”, nas palavras de Bhalla. Pouco conhecido fora dos círculos dos aficionados por temas militares e inteligência, o Defesa Net surgiu em 1999, quando During começou a enviar boletins semanais por e-mail para órgãos governamentais, empresas privadas e pessoas interessadas nas áreas. Incomunicável em uma base militar nos Estados Unidos, segundo informou sua assistente, ele não respondeu à reportagem. Em emails subsequentes ao seu encontro com Bhalla em janeiro de 2011 – no qual discutou do submarino nuclear à tríplice fronteira –uring é citado como “fonte de inteligência”, e ganha o código BR 707, sendo interlocutor constante sobre assuntos de relevância estratégica, como a presença britânica nas Malvinas.

Durante os dois meses, Bhalla foi também ao Rio de Janeiro, onde visitou o morro Dona Marta para conhecer as UPPS. “Não dá para não ficar impressionado com este modelo”, escreveu. E esteve na Escola Superior de Guerra, onde foi recebida por um major-general não identificado. Ali, ouviu frases com potencial para se tornarem pérolas da literatura Wikileakiana. Em email no dia 6 de janeiro, descreve as informações sobre “futuras questões sobre a Defesa brasileira” dizendo que, segundo sua fonte, a maior prioridade para os militares brasileiros agora é a modernização. “Uma força militar é como um cachorro que você mantem no quintal. Nosso cão tem envelhecido, está perdendo vários dentes, mesmo ficando cego de um olho. Não precisamos de um Rottweiller per si, mas sim de um bom cão de guarda, só para deixar claro que ‘estamos aqui’”, filosofou a tal fonte.

Segundo os documentos, a relação entre a Stratfor e a ESG não acabaram aí. Em novembro do ano passado, o atual analista da empresa para o Brasil, Renato Whitaker, marcou um encontro com o diretor do Centro de Estudos Estratégicos da escola e comandante da Artilharia Divisionária da 6ª Divisão de Exército, o general-de-brigada João Cesar Zambão da Silva, onde conseguiu “folhear o esboço do Livro Branco da Defesa”, no dia 25 – antes, portanto, que o “documento chave da Política Nacional” fosse publicado.

Clique aqui para ler o relato sobre o encontro de Bhalla com a cúpula do GSI

Zambão afirmou a Carta Capital: “ Conheço sim o Sr. Whitaker, que trabalha para a Stratfor e que vem a ser filho de um embaixador que serviu na ESG como assistente do Ministério das Relações Exteriores e, por seu intermédio, informalmente, tomei conhecimento da atuação da empresa no País. A ESG não tem qualquer interesse na Stratfor e o Centro de Estudos Estratégicos não tem relações com a empresa. Inclusive, a Escola não é assinante de qualquer produto da Stratfor.”

Zambão confirma ainda o encontro marcado para o dia 25 de novembro de 2011 na própria ESG. “Recebi o sr. Whitaker para uma conversa informal, (como costumo fazer com qualquer pessoa, em situações similares) e, sim, conversamos sobre o Livro Branco, principalmente sobre a sua importância como veículo de divulgação de assuntos de defesa para a sociedade.” Ainda assim, afirma não ter qualquer relação com a empresa. “Gostaria de esclarecer que não ‘sou fonte da empresa’ e não tenho qualquer espécie de vínculo com ela.”

Os ensinamentos da Stratfor: como cativar fontes 

Renato Whitaker, um rapaz de apenas 23 anos, é formado pelo Ibmec em relações internacionais. Ex-estagiário da Santos Lab, fabricante de aeronaves não tripuladas para militares e civis, aparece no Facebook com um cachimbo a la Sherlock Homes e um bigode falso. Mas não é exatamente o currículo ou a imagem o que o ajudou a adentrar o mundo da inteligência corporativa. Ser filho do embaixador aposentado Christiano Whitaker, sim.

Em 12 de setembro de 2011, recém-contratado, Whitaker escreveu aos chefes oferecendo uma lista de potenciais fontes de informação – entre elas uma amiga que estudava medicina e poderia opinar sobre malária e seu professor brasileiro de krav magá, luta israelense –, mas cuja maioria dos contatos era “graças a meu pai”, “ex-diplomata, bem versado nos assuntos internacionais do Brasil, grande mente e com boas conexões”. Um certo major do Exército, ligado à ESG, seria amigo de seu pai, assim como o chefe do GSI, “uma espécie de mini-Stratfor do governo”. Um colega de treino trabalharia para a Petrobrás. “Não sei com o que ele trabalha lá e se ainda trabalha, mas pode ser uma boa entrada no setor de petróleo”.

A carta era uma resposta às orientações passadas a ele pela analista para América do Sul, Allison Marie Fedirka. A jovem também passou dois meses no Brasil levantando “fontes”. Americana, Fedirka nasceu em Lombard, Illinois, e se formou em espanhol pela Washington University in St. Louis, no Missouri – daí ser a “correspondente” da empresa para a região. Fiel às regras da Stratfor, ela comenta que em 2009 chegou a entrar em contato com um diplomata brasileiro sem se identificar como funcionária da empresa de inteligência. “Eu não recebi autorização para me declarar abertamente Stratfor até março ou abril de 2010”.

Em visita ao Paraguai naquele ano, Fedirka conseguiu cativar o adido policial da embaixada brasileira, que a recebeu no seu escritório em pleno sábado, em caráter excepcional. “Por mim não haveria problema em, excepcionalmente, atendê-la no dia 03.07 às 10:00 hs porquanto, inobstante as instalações da Adidância Policial serem parte integrante da estrutura da Embaixada do Brasil, possuem entrada independente e autônoma e como moro praticamente ao lado da Embaixada não me causaria nenhum problema.”, escreveu o delegado Antonio Celso dos Santos em 21 de junho de 2010. Em outubro, ele lamenta que ela não voltará a visitá-lo e pede que ela mande notícias: “gosto muito de conversar com você”. Ao que Fedirka comenta em email a outro analista da Stratfor, Paulo Gregoire: “Que saco que eu não vou voltar mais. Me dar bem com um cara da polícia federal parece algo que poderia ser muito útil”.

Os documentos mostram que todas as conversas de Fedirka com o delegado foram repassadas para Gregoire, seu superior, de acordo com a norma interna da Stratfor, elucidadas por George Friedman naquele polêrmico email sobre como lidar com as fontes. “A decisão sobre como estabelecer o seu contato virá do seu supervisor e não de você. (…) Cada encontro seria planejado entre você e o seu supervisor e cada encontro teria um objetivo específico que não seria discutir o assunto de interesse, que seria escondido, mas analisar a personalidade (da fonte) e caminhar para o controle”.

Em 2011, encarregada de introduzir Whitaker no mundo da alta inteligência, Fedirka escreveu: “Parece que você já conheceu algumas pessoas interessantes com quem pode construer relacionamentos e utilizar como fontes mlitares. Lembre-se de, quando for só bater papo com eles, enviar tudo através de insights”. Ao pedir uma lista de pessoas que ele conhece, ela escreve: “Eu o encorajaria a ver se há alguma maneira de se envolver com o setor de petróleo no Rio. Você sabe que é mais fácil dizer que fazer, mas você está no lugar certo para isso. Podemos escolher um alvo particular ou dois e tentar arrumar uma reunião. Isso é uma ambição de médio prazo – leva tempo para identificar lugares, eventos e ou conseguir marcar reuniões”.

Stratfor e a mídia brasileira

No final do email a Whitaker, Fedirka manda uma lista de temas de interesse da Stratfor que enviara ao jornal Folha de São Paulo, incluindo a relação com a China, projetos financiados pelo BNDES, projetos de infraestrutura e exercícios militares na fronteira. Afinal, sua principal missão em 2011 fora entrar em contato com grandes veículos de imprensa no Brasil para oferecer-lhes assinaturas dos boletins da Stratfor em um acordo de cooperação que os tornaria parte do grupo de “Confed Partners” – ou “Confed Fuck House”, o bordel dos confederados, como Friedman e sua equipe chamavam entre quatro paredes os parceiros.

A Stratfor chegou a escrever acordos de “cooperação” para serem fechados com a Agência Estado, o portal Terra, a revista Época e a Folha de S Paulo. Os memorandos previam, invariavelmente, que ambas as partes poderiam republicar informações do outro e que as duas empresas “se apoiariam com informação de background e pesquisa, quando for pedido pela outra parte”. Em um email em que explica os termos do acordo proposto para a Folha de S Paulo, Fedirka descreve: “Nós esperamos que a comunicação flua nos dois sentidos uma vez por semana, e mais se houver uma crise. É apenas um diálogo informal via email”.

Procuradas pela reportagem, o editor-executivo da Agência Estado, Roberto Lira, negou ter registro ou conhecimento de qualquer relacionamento com a Stratfor. O site Terra confirmou através da sua assessoria de imprensa que foi procurado pela Strafor, mas disse que o acordo não foi assinado e “portanto nunca publicou conteúdo proveniente da Stratfor em nenhum dos seus portais”. Hélio Gurowitz, diretor de redação da Época, afirmou que “Desde que dirijo ÉPOCA, nunca assinamos nenhum conteúdo da Stratfor nem firmamos nenhum tipo de acordo de colaboração com eles. Apenas, eventualmente, nossos jornalistas da área de internacional consultaram analistas ou relatórios da Stratfor como uma entre várias fontes para algumas reportagens”.

A Folha de S Paulo foi o único jornal que chegou a assinar o acordo, segundo as comunicações obtidas pelo Wikileaks. A reportagem apurou que jornalistas da Folha foram apresentados e conversaram com analistas da Stratfor sobre questões de background. Ana Estela de Sousa Pinto, editora da Folha, nega que houvesse “acordo de troca de informações, no sentido mercantil” entre seus jornalistas e a Stratfor. “Jornalista da Folha não tem que falar algo para eles. Não há o que você chama de parceria”, escreveu por email.

A mídia já foi mais afeita à Stratfor. Não apenas jornais como o New York Times, mas agências como a AFP consultavam relatórios da empresa e até entrevistavam seus analistas sempre que eclodia alguma nova guerra. O próprio Times, curioso com a meteórica ascenção da empresa, encarregou um repórter de entender como funcionava a bola de cristal de Fridman. Em 2003, a reportagem narra o encontro em um hotel de Austin, justamente no dia em que a Guerra do Iraque começara. Qual um oráculo bem informado, Friedman cravara a data e o horário do início da guerra. Afinal, ele tinha suas fontes militares in loco, o que justificaria que milhares de pessoas de Wall Street ao Oriente Médio pagassem por seus boletins.

Desde a eclosão dos documentos do Wikileaks, a divulgação dos boletins tem sido gratuita. Mas a Stratforcontinua na ativa. Como bem descreveu a reportagem do Times, “esse mundo de espionagem privada parece a rotina de um adolescente de 16 anos: demanda passar horas sentado num computador, mandando SMS para todo mundo que você conhece”. Uma fórmula barata que rendia à Stratfor, segundo estimativas, uma receita de cerca de doze milhões de dólares ao ano. Friedman não desistiria assim fácil de talgalinha de ovos de ouro.

Reva Bhalla, da Stratfor, no GSI

Atual diretora de análise da Stratfor, a americana Reva Bhalla não precisou gastar um tostão, grampear telefones ou pagar propinas para conseguir fácil acesso ao alto escalão da inteligência brasileira.

Em 6 de janeiro de 2011, segundo documentos internos da empresa analisados pela Agência Pública e pela , Bhalla foi recebida com entusiasmo pelo gabinete do ministro-chefe do GSI, o general José Elito Siqueira, menos de um mês depois de chegar ao País para sua missão em nome da Stratfor.

Mais do que ser bem recebida, Bhalla obteve informações confidenciais de funcionários do GSI que são negadas até mesmo aos brasileiros.

No seu relato, ela diz ter sido levada à chamada “sala de situação”, local onde militares e agentes de inteligência se reunem com a presidência em caso de crises de segurança nacional. “Eu tive a impressão de que o Brasil não tem que lidar com esse tipo de questão com muita freqüência. Eles disseram que durante o governo Lula eles se reuniram 64 vezes. Havia mapas muito legais por todo o lugar. Eles me deram de presente um lindo mapa do mundo com Brasilia ao centro (muito ambicioso? Ahaha)”, escreve.

O contato, segundo ela, teria sido armado por um “amigo diplomata” que estaria trabalhando no escritório da própria presidenta, diz ela, sem identificar o nome. “Todos, inclusive o General Elito Sequeiro (sic) –  o chefe do GSI, o qual eu encontrei mais tarde no seu escritório, conhecem e lêem os relatórios da Stratfor regularmente. Eles estavam, literalmente, me dizendo sobre as notícias da Stratfor que haviam lido nesta manhã, e que quase todos ali eram membros”.

Animada com o “tour completo” que recebeu do palácio presidencial, Bhalla chegou à sala da presidenta Dilma Rousseff – mas ela estava numa reunião. “Eu queria dizer ‘olá’ em nome da Stratfor”.

A analista relata ter conversado longamente com o secretario-adjunto José Antônio Macedo Soares, cujo nome chegou a ser cotado pelo Palácio do Planalto para assumir a direção da Abin. Segundo seu relato, ele lhe explicou tranquilamente que o Brasil se esforça para não atrair atenção para si mesmo como palco de ações ligadas ao terrorismo. “Como Macedo Soares me disse, nós capturamos vários ‘terroristas’ em São Paulo – pessoas da Al Qaeda, Hezbollah, e até pessoas ligadas aos ataques de 11 de setembro. Mas nós não queremos nos vangloriar por isso e  não queremos atenção. Isso não serve nossos interesses e não queremos que os EUA nos empurre para esse assunto’”, escreve.

A informação, prontamente repassada para a rede de analistas da Stratfor, confirma uma revelação feita pelo WikiLeaks em 2010, nos primeiros documentos diplomáticos sobre o Brasil publicados pela organização. Os despachos traziam o então embaixador dos Estados Unidos em Brasília, Clifford Sobel, a dizer, ainda em 2008, que a Polícia Federal “frequentemente prende pessoas ligadas ao terrorismo, mas os acusa de uma variedade de crimes não relacionados a terrorismo para evitar chamar a atenção da imprensa e dos altos escalões do governo”. O mesmo telegrama de Sobel cita dois exemplos. Em 2007, a PF teria capturado um potencial facilitador terrorista sunita que operava primordialmente em Santa Catarina sob acusação de entrar no País sem declarar fundos – e estaria trabalhando pela sua deportação. A operação Byblos, que desmantelou uma quadrilha de falsifcação de documentos brasileiros no Rio de Janeiro para libaneses também é citada como exemplo de operação de contra-terrorismo.

alunos de Clouseau

Histórias sobre prisões de suspeitos de terrorismo no Brasil haviam pipocado antes do vazamento dos documentos diplomáticos. Em maio de 2009, a PF prendeu um libanês acusado de propagar pela internet material racista. À época, o colunista da Folha Jânio de Freitas escreveu que para preservar o sigilo a PF atribuiu a prisão, inclusive internamente, a uma investigação sobre células de neonazistas, enquanto o libanês seria na verdade suspeito de ligação com a Al Qaeda. Quase um mês depois, o Gabinete da Segurança Institucional da Presidência criou um grupo de prevenção e combate ao terrorismo, com a finalidade oficial de exercer o “acompanhamento de assuntos pertinentes ao terrorismo internacional e de ações” para “a sua prevenção e neutralização”.

Foi exatamente no GSI e com funcionários do órgão que Bhalla teve reuniões pessoais que renderam relatórios de inteligência privada, para alimentar os boletins a clientes no mundo todo.

Naquele encontro, ela teria perguntado ainda sobre a capacidade do GSI em vigiar e capturar esses ‘terroristas’. “A resposta não me pareceu tão confiante assim. Ele disse basicamente que isso é muito difícil. São Paulo tem uma população estrangeira muito grande. Fronteiras são difíceis de controlar: essa é a atitude brasileira em relação a isso”. Segundo a analista, eles teriam reonhecido que há alvos de terrorismo no Brasil. E teriam citado uma misteriosa “casa noturna israelense” em São Paulo como um exemplo.

“Eu levantei a questão do terrorismo, já que Macedo Soares é basicamente o único brasileiro que foi citado pelo Wikileaks. Eu perguntei a ele se isso causou algum tipo de problemas e ele riu e disse “só inveja”! Aparentemente vários oficiais brasileiros ficaram seriamente com ciúmes de que ele tenha ficado com toda a fama, haha”, relata Bhalla no seu email. Macedo Soares foi interlocutor do ex-embaixador Sobel nos primeiros documentos diplomáticos vazados.

Amazônia e crack

A conversa não parou por aí. Bhalla chegou a ser convidada a visitar um posto militar na Amazônia na sua próxima visita, “coisa que eu definitivamente vou fazer”. Ouviu do alto escalão do GSI, que “a corrupção nesses postos é mais concentrado na polícia do que nos militares”.

“Um deles levantou um ponto interessante, dizendo que uma coisa que o Brasil tem feito muito bem é controlar a qualidade dos precursores químicos que entram no país. Então, a cocaína produzida na Bolívia, por exemplo, não é ‘classe A’ que os compradores de NY querem. Ao invés disso, são de baixa qualidade, crack, que é vendido em São Paulo. Então essa é uma conseqüência não-intencional para eles: drogas mais baratas e de baixo valor permeiam o mercado brasileiro”, descreveu.

No fim da mensagem, a analista diz ter desgostado da capital federal, no mesmo tom informal que marca os demais emails da Stratfor publicados pelo WikiLeaks. E envia uma foto sua diante da catedral de Brasília.

A correspondência com Macedo Soares não terminou aí, como mostra a esfuziante mensagem sobre o mapa com o Brasil no centro, reenviado a Bhalla dois meses depois da visita.

A reportagem procurou o GSI através da sua assessoria de imprensa, mas recebeu como resposta que o ministro José Antônio de Macedo Soares está de férias no exterior e se dispinibilizaria a esclarecer o assunto depois do dia 3 de março. A assessoria confirmou, no entanto, que o ministro-chefe José Elito Siqueira “recebeu, em 06 Jan 11, a Sra Reva Bhalla para cumprimento protocolar durante a sua visita ao GSI”.

Oficialmente, o governo sempre negou a existência de atividades terroristas no Brasil – e continua negando, mesmo depois das revelações do Wikileaks. Já os militares brasileiros parecem ficar bem mas à vontade quando falam do assunto com americanos – sejam eles diplomatas, militares, ou arapongas como os da Stratfor.

*Colaboraram Luiza Bodenmüller e Jessica Mota. Reportagem feita em parceria com a Agência Pública de jornalismo investigativo:

Por Natalia Viana e Willian Vieira*

“Foi uma honra e um privilégio tomar parte em uma conversa tão estimulante na sala de situação e ser levada em um tour guiado pelo palácio presidencial.” Era janeiro de 2011 e a Stratfor era apenas uma agência curiosamente bem colocada no mundo das informações de inteligência e geopolítica internacional, quando sua diretora de análise, Reva Bhalla, escreveu um e-mail mais que agradecido ao secretário-adjunto do Gabinete de Segurança Institucional do Planalto, José Antônio de Macedo Soares, por tê-la apresentado ao local reservado onde militares e agentes se reúnem em tempos de crise de segurança.

Bhalla queria ainda reaver um mapa do Brasil presenteado por Soares e roubado no aeroporto. “Fiquei com o coração partido. Eu realmente amei o mapa e estava tão honrada em tê-lo.” Um mês depois, Soares lhe escreveu: tinha em mãos a cópia do mapa, feito para a Marinha. “Para qual endereço devo mandar esse tubo de aparência tão suspeita com o mapa?” Bhalla respondeu agradecida, emocionada, difícil de conter. “Eu estava num bar com amigos ontem e um cara perto de mim viu o imenso sorriso que surgiu em meurosto quando eu vi sua mensagem, virou pra mim e disse: ‘uau, queria saber o que faz uma garota sorrir assim’. Acho que ele nunca adivinharia que tinha a ver com um mapa múndi com o Brasil no centro”. Deu ainda o endereço para postagem. E pediu o dele, “caso haja algo que eu queira mandar como agradecimento por toda a simpatia e hospitalidade que você mostrou durante minha visita ao seu belo país.”

Geralmente discreta em público, a executiva americana de origem indiana ficou conhecida mundo afora depois que a comunicação da Stratfor, hackeada em dezembro do ano passado, passou a ser publicada pelo WikiLeaks. Em um dos emails mais polêmicos, Bhalla é instruída pelo seu chefe, o autor de best sellers sobre estratégia militar e CEO da Stratfor, George Fridman, sobre como lidar com suas “fontes”, homens ligados a empresas e governos detentores de informações de interesse. “Se você considera a fonte valiosa, tem de assumir o controle sobre ela. Controle significa controle financeiro, sexual ou psicológico”, ensina o mestre,

Até agora pouco se sabia sobre como a Stratfor agia no Brasil. Mas documentos aos quais a Agência Pública e a Carta Capital tiveram acesso descortinam um modus operanti tragicômico, no centro do qual figura Reva Bhalla. Ela esteve no País por dois meses, em uma temporada de encontros nos quais abusou do seu charme e foi recebida de braços abertos até por funcionários de carreira do GSI, órgão responsável por garantir a segurança da presidência e que lhe confiou informações sensíveis às quais poucos brasileiros têm acesso. Em um dos e-mails, Bhalla relata aos colegas da Stratfor que naquela visita ao GSI chegou a se reunir com o ministro-chefe, o general José Elito Siqueira. Foi até convidada a visitar um posto militar na Amazônia. E durante a longa conversa com Macedo Soares, diz ter ouvido que a Abin capturara “terroristas” em São Paulo, incluindo pessoas ligadas aos ataques de 11 de setembro. O GSI confirmou a visita de Bhalla.

Clique aqui para ler o relato sobre o encontro de Bhalla com a cúpula do GSI

Batizado de “Arquivos de Inteligencia Global”, o novo vazamento do Wikileaks trouxe luz a um ramo pouco conhecido da inteligência privada, exatamente por situar-se na fronteira entre a análise e produção de boletins geopolíticos de baixa qualidade e a simples arapongagem. Abreviação de “Straregic Forecasting Inc”, algo como “previsão estratégica”, a Stratfor mistura jornalismo, análise política e métodos de espionagem para vender a seus clientes “previsões” sobre o que vai acontecer em diversos países do mundo. Além de oferecer um boletim com análises geopolíticas e militares, faz relatórios por encomenda e fornece “briefings” por teleconferência. Por trás de tudo o que leva a marca Stratfor está George Friedman.

Dos arapongas à bola de cristal

Filho de judeus fugido do holocausto húngaro que dedicou sua vida a lecionar sobre a arte da guerra nos Estados Unidos, Friedman é dono de uma biografia cara ao modelo americano de self made man. Cresceu no Bronx novaiorquino e doutorou-se em ciência política pela prestigiada universidade Cornell, antes de se tornar consultor para o Pentágono, o Army War College e a National Defense University. Por duas décadas entremeou pesquisas acadêmicas com a publicação de livros sobre os mesmas temas e com títulos bombásticos, como America’s Secret War, The Intelligence Edge, The Coming War With Japan, The Future of War e dois best sellers da lista do Times (The Next 100 Years e The Next Decade, exatamente os dois nos quais prevê o futuro da humanidade sob o ponto de vista da geopolítica e da guerra).

Foi essa figura, então então professor da Universidade Estadual da Louisiana, quem fundou em Austin, Texas, em 1996, uma empresa nova no ramo. Ele juntou com 15 jovens alunos e os levou para o Texas, onde os transformou em analistas de inteligência. Nascia a Stratfor – que, em 1999, já chamava a atenção ao “prever” os desenvolvimentos do conflito nos Balcãs. Um Centro de Crise para Kosovo foi colocado online e passou a ser seguido e mesmo citado por jornalões como o New York Times.

A fórmula de Friedman era simples e eficiente: juntar, sob sua influência, antigos espiões soviéticos com know-how sobre países da antiga influência comunista, militares aposentados americanos, adidos e jornalistas mundo afora interessados em “colaborar” para ganhar dinheiro com sua grande paixão, a geopolítica. Tanto que a correspondência da empresa, obtidas pelo WikiLeaks, inclui dezenas de documentos internos do FBI e das forças de segurança americanas, tendo revelado por exemplo que o Departamento de Segurança Pública do Texas tem um agente encoberto no Occupy Austin. Embora esteja longe de ser uma das maiores no mercado de “análise de risco”, a Stratfor conta ente seus clientes com empresas como a Lockheed Martin, Morthrop Grumman, Raytheon, Coca-Cola e Dow Chemical. A pedido das duas últimas, monitorava as atividades de ativistas de direitos humanos e ambientais que pudessem lhes causar problemas. Além disso, faturou um contrato do comando da Marinha americana para fazer uma previsão estratégica para os próximos anos.

Apesar do delicado perfil ético e da proximidade de suas fontes com o poder, a verdade é que grande parte dos documentos revelados até agora mostram como a Stratfor agia com um amadorismo risível, marcada por informação de má qualidade. Nada de Sherlock Holmes ou James Bond; algo mais próximo do inspetor Clouseau, magistralmente interpretado por Peter Sellers. Nada de investigação de ponta, o que fica claro por outro documento publicado pelo Wikilieaks, uma espécie de “glossário” com máximas de uso interno da empresa. “O fluxo de material passivo reduz o custo da inteligência e aumenta o tempo de análise. O poder da Stratfor é reunir com eficiência a análise passiva, descobrir padrões rapidamente, e análise fabulosa. Ou é isso que dizemos aos clientes. É melhor ter algumas fontes no bolso também.” É com essa visão “geoestratégica”, crivada por um discurso militarista de direita, que a empresa consegue enorme simpatia dentre os “aficionados por inteligência”, como descreve o mesmo glossário: um cliente com apetite de CIA e orçamento de Botswana “define a maioria dos clientes da Stratfor”.

No Brasil, a clientela da Strafor inclui o Brazilian Army Comission, comissão do exército sediada em Washington, com uma assinatura anual do boletim no valor de US$ 1.825; o Ministério da Defesa, com três assinaturas num valor total de US$ 9.702; e a ABIN, com uma assinatura anual de US$ 3.450. Por incrível que pareça, assinar os boletins da empresa é praxe, por exemplo, entre os cursos de relações internacionais do Brasil, segundo Reginaldo Mattar Nasser, professor de relações internacionais da PUC-SP. “A questão é que nesse ‘pacote’ de informações objetivas, que não é assinado por ninguém, aparecem avaliações políticas que entram como se fossem informações corretas, incontestáveis”. Nasser diz que os alunos gostam dos boletins porque eles trazem informações gerais, como PIB e o histórico dos países. O problema é que, no bolo, vêm análises conservadoras: segundo a Stratfor, a Primavera Árabe geraria ambientes de anarquia, os palestinos seriam os agressores unilaterais a Israel e os adeptos do Islã seriam todos terroristas.

O tour de Reva Bhalla no Brasil

Foi para formular uma visão própria do Brasil e criar “fontes que se mantém no bolso” que a analista Reva Bhalla esteve no País entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011. “Após passar tempo com cariocas no Rio, o pessoal do Itamaraty em Brasília, os gaúchos no Rio Grande do Sul e todo tipo de paulistas em SP, deixo seu belo país com uma melhor compreensão da alma brasileira”, escreveu ela a Macedo Soares, do GSI. Na verdade, Reva conseguiu pouca informação que não pudesse ser encontrada com uma busca rápida do Google. A conversa com o alto escalão do GSI é a notável exceção – e bastante preocupante, se contarmos que se trata de funcionários públicos encarregados justamente de proteger informações sensíveis à segurança nacional.

Além do GSI, Reva conversou com o diretor do Instituto Fernando Henrique Cardoso. O cientista político Sérgio Fausto diz que de fato se encontrou com Bhalla em seu escritório em São Paulo. “Nunca tinha ouvido falar da Stratfor. Olhei o site deles e tal. Ela me encontrou aqui. Era uma moça muito bonita, aliás, uma jovem de uns 30 anos bem vestida como convém a executivas da área. Mas uma moça que não conhecia nada de Brasil e estava tateando. Tinha uma preocupação específica sobre segurança pública e sobre a atuação do Brasil na vizinhança, com a Bolívia, a questão do narcotráfico. Questões que eu conhecia apenas de ler jornal”.

Bhalla ainda solicitou contatos por e-mail, que Fausto passou sem problemas. No fim do e-mail, porém, ele ironizava: “Como um dos nossos melhores compositores, Antonio Carlos Jobim, costumava dizer: ‘Brasil não é um país para principiantes’”. Assim como ironiza agora o trabalho da empresa. “Se eu fosse um cliente interessado em informações de mercado, não os contrataria. Eles não têm as conexões latino-americanas nem a expertise no assunto.”

A principal fonte da Stratfor no Brasil é, na verdade, o jornalista Nelson During, editor-chefe do Defesa Net, site que “tem um pensamento como o da Stratfor”, nas palavras de Bhalla. Pouco conhecido fora dos círculos dos aficionados por temas militares e inteligência, o Defesa Net surgiu em 1999, quando During começou a enviar boletins semanais por e-mail para órgãos governamentais, empresas privadas e pessoas interessadas nas áreas. Incomunicável em uma base militar nos Estados Unidos, segundo informou sua assistente, ele não respondeu à reportagem. Em emails subsequentes ao seu encontro com Bhalla em janeiro de 2011 – no qual discutou do submarino nuclear à tríplice fronteira –uring é citado como “fonte de inteligência”, e ganha o código BR 707, sendo interlocutor constante sobre assuntos de relevância estratégica, como a presença britânica nas Malvinas.

Durante os dois meses, Bhalla foi também ao Rio de Janeiro, onde visitou o morro Dona Marta para conhecer as UPPS. “Não dá para não ficar impressionado com este modelo”, escreveu. E esteve na Escola Superior de Guerra, onde foi recebida por um major-general não identificado. Ali, ouviu frases com potencial para se tornarem pérolas da literatura Wikileakiana. Em email no dia 6 de janeiro, descreve as informações sobre “futuras questões sobre a Defesa brasileira” dizendo que, segundo sua fonte, a maior prioridade para os militares brasileiros agora é a modernização. “Uma força militar é como um cachorro que você mantem no quintal. Nosso cão tem envelhecido, está perdendo vários dentes, mesmo ficando cego de um olho. Não precisamos de um Rottweiller per si, mas sim de um bom cão de guarda, só para deixar claro que ‘estamos aqui’”, filosofou a tal fonte.

Segundo os documentos, a relação entre a Stratfor e a ESG não acabaram aí. Em novembro do ano passado, o atual analista da empresa para o Brasil, Renato Whitaker, marcou um encontro com o diretor do Centro de Estudos Estratégicos da escola e comandante da Artilharia Divisionária da 6ª Divisão de Exército, o general-de-brigada João Cesar Zambão da Silva, onde conseguiu “folhear o esboço do Livro Branco da Defesa”, no dia 25 – antes, portanto, que o “documento chave da Política Nacional” fosse publicado.

Clique aqui para ler o relato sobre o encontro de Bhalla com a cúpula do GSI

Zambão afirmou a Carta Capital: “ Conheço sim o Sr. Whitaker, que trabalha para a Stratfor e que vem a ser filho de um embaixador que serviu na ESG como assistente do Ministério das Relações Exteriores e, por seu intermédio, informalmente, tomei conhecimento da atuação da empresa no País. A ESG não tem qualquer interesse na Stratfor e o Centro de Estudos Estratégicos não tem relações com a empresa. Inclusive, a Escola não é assinante de qualquer produto da Stratfor.”

Zambão confirma ainda o encontro marcado para o dia 25 de novembro de 2011 na própria ESG. “Recebi o sr. Whitaker para uma conversa informal, (como costumo fazer com qualquer pessoa, em situações similares) e, sim, conversamos sobre o Livro Branco, principalmente sobre a sua importância como veículo de divulgação de assuntos de defesa para a sociedade.” Ainda assim, afirma não ter qualquer relação com a empresa. “Gostaria de esclarecer que não ‘sou fonte da empresa’ e não tenho qualquer espécie de vínculo com ela.”

Os ensinamentos da Stratfor: como cativar fontes 

Renato Whitaker, um rapaz de apenas 23 anos, é formado pelo Ibmec em relações internacionais. Ex-estagiário da Santos Lab, fabricante de aeronaves não tripuladas para militares e civis, aparece no Facebook com um cachimbo a la Sherlock Homes e um bigode falso. Mas não é exatamente o currículo ou a imagem o que o ajudou a adentrar o mundo da inteligência corporativa. Ser filho do embaixador aposentado Christiano Whitaker, sim.

Em 12 de setembro de 2011, recém-contratado, Whitaker escreveu aos chefes oferecendo uma lista de potenciais fontes de informação – entre elas uma amiga que estudava medicina e poderia opinar sobre malária e seu professor brasileiro de krav magá, luta israelense –, mas cuja maioria dos contatos era “graças a meu pai”, “ex-diplomata, bem versado nos assuntos internacionais do Brasil, grande mente e com boas conexões”. Um certo major do Exército, ligado à ESG, seria amigo de seu pai, assim como o chefe do GSI, “uma espécie de mini-Stratfor do governo”. Um colega de treino trabalharia para a Petrobrás. “Não sei com o que ele trabalha lá e se ainda trabalha, mas pode ser uma boa entrada no setor de petróleo”.

A carta era uma resposta às orientações passadas a ele pela analista para América do Sul, Allison Marie Fedirka. A jovem também passou dois meses no Brasil levantando “fontes”. Americana, Fedirka nasceu em Lombard, Illinois, e se formou em espanhol pela Washington University in St. Louis, no Missouri – daí ser a “correspondente” da empresa para a região. Fiel às regras da Stratfor, ela comenta que em 2009 chegou a entrar em contato com um diplomata brasileiro sem se identificar como funcionária da empresa de inteligência. “Eu não recebi autorização para me declarar abertamente Stratfor até março ou abril de 2010”.

Em visita ao Paraguai naquele ano, Fedirka conseguiu cativar o adido policial da embaixada brasileira, que a recebeu no seu escritório em pleno sábado, em caráter excepcional. “Por mim não haveria problema em, excepcionalmente, atendê-la no dia 03.07 às 10:00 hs porquanto, inobstante as instalações da Adidância Policial serem parte integrante da estrutura da Embaixada do Brasil, possuem entrada independente e autônoma e como moro praticamente ao lado da Embaixada não me causaria nenhum problema.”, escreveu o delegado Antonio Celso dos Santos em 21 de junho de 2010. Em outubro, ele lamenta que ela não voltará a visitá-lo e pede que ela mande notícias: “gosto muito de conversar com você”. Ao que Fedirka comenta em email a outro analista da Stratfor, Paulo Gregoire: “Que saco que eu não vou voltar mais. Me dar bem com um cara da polícia federal parece algo que poderia ser muito útil”.

Os documentos mostram que todas as conversas de Fedirka com o delegado foram repassadas para Gregoire, seu superior, de acordo com a norma interna da Stratfor, elucidadas por George Friedman naquele polêrmico email sobre como lidar com as fontes. “A decisão sobre como estabelecer o seu contato virá do seu supervisor e não de você. (…) Cada encontro seria planejado entre você e o seu supervisor e cada encontro teria um objetivo específico que não seria discutir o assunto de interesse, que seria escondido, mas analisar a personalidade (da fonte) e caminhar para o controle”.

Em 2011, encarregada de introduzir Whitaker no mundo da alta inteligência, Fedirka escreveu: “Parece que você já conheceu algumas pessoas interessantes com quem pode construer relacionamentos e utilizar como fontes mlitares. Lembre-se de, quando for só bater papo com eles, enviar tudo através de insights”. Ao pedir uma lista de pessoas que ele conhece, ela escreve: “Eu o encorajaria a ver se há alguma maneira de se envolver com o setor de petróleo no Rio. Você sabe que é mais fácil dizer que fazer, mas você está no lugar certo para isso. Podemos escolher um alvo particular ou dois e tentar arrumar uma reunião. Isso é uma ambição de médio prazo – leva tempo para identificar lugares, eventos e ou conseguir marcar reuniões”.

Stratfor e a mídia brasileira

No final do email a Whitaker, Fedirka manda uma lista de temas de interesse da Stratfor que enviara ao jornal Folha de São Paulo, incluindo a relação com a China, projetos financiados pelo BNDES, projetos de infraestrutura e exercícios militares na fronteira. Afinal, sua principal missão em 2011 fora entrar em contato com grandes veículos de imprensa no Brasil para oferecer-lhes assinaturas dos boletins da Stratfor em um acordo de cooperação que os tornaria parte do grupo de “Confed Partners” – ou “Confed Fuck House”, o bordel dos confederados, como Friedman e sua equipe chamavam entre quatro paredes os parceiros.

A Stratfor chegou a escrever acordos de “cooperação” para serem fechados com a Agência Estado, o portal Terra, a revista Época e a Folha de S Paulo. Os memorandos previam, invariavelmente, que ambas as partes poderiam republicar informações do outro e que as duas empresas “se apoiariam com informação de background e pesquisa, quando for pedido pela outra parte”. Em um email em que explica os termos do acordo proposto para a Folha de S Paulo, Fedirka descreve: “Nós esperamos que a comunicação flua nos dois sentidos uma vez por semana, e mais se houver uma crise. É apenas um diálogo informal via email”.

Procuradas pela reportagem, o editor-executivo da Agência Estado, Roberto Lira, negou ter registro ou conhecimento de qualquer relacionamento com a Stratfor. O site Terra confirmou através da sua assessoria de imprensa que foi procurado pela Strafor, mas disse que o acordo não foi assinado e “portanto nunca publicou conteúdo proveniente da Stratfor em nenhum dos seus portais”. Hélio Gurowitz, diretor de redação da Época, afirmou que “Desde que dirijo ÉPOCA, nunca assinamos nenhum conteúdo da Stratfor nem firmamos nenhum tipo de acordo de colaboração com eles. Apenas, eventualmente, nossos jornalistas da área de internacional consultaram analistas ou relatórios da Stratfor como uma entre várias fontes para algumas reportagens”.

A Folha de S Paulo foi o único jornal que chegou a assinar o acordo, segundo as comunicações obtidas pelo Wikileaks. A reportagem apurou que jornalistas da Folha foram apresentados e conversaram com analistas da Stratfor sobre questões de background. Ana Estela de Sousa Pinto, editora da Folha, nega que houvesse “acordo de troca de informações, no sentido mercantil” entre seus jornalistas e a Stratfor. “Jornalista da Folha não tem que falar algo para eles. Não há o que você chama de parceria”, escreveu por email.

A mídia já foi mais afeita à Stratfor. Não apenas jornais como o New York Times, mas agências como a AFP consultavam relatórios da empresa e até entrevistavam seus analistas sempre que eclodia alguma nova guerra. O próprio Times, curioso com a meteórica ascenção da empresa, encarregou um repórter de entender como funcionava a bola de cristal de Fridman. Em 2003, a reportagem narra o encontro em um hotel de Austin, justamente no dia em que a Guerra do Iraque começara. Qual um oráculo bem informado, Friedman cravara a data e o horário do início da guerra. Afinal, ele tinha suas fontes militares in loco, o que justificaria que milhares de pessoas de Wall Street ao Oriente Médio pagassem por seus boletins.

Desde a eclosão dos documentos do Wikileaks, a divulgação dos boletins tem sido gratuita. Mas a Stratforcontinua na ativa. Como bem descreveu a reportagem do Times, “esse mundo de espionagem privada parece a rotina de um adolescente de 16 anos: demanda passar horas sentado num computador, mandando SMS para todo mundo que você conhece”. Uma fórmula barata que rendia à Stratfor, segundo estimativas, uma receita de cerca de doze milhões de dólares ao ano. Friedman não desistiria assim fácil de talgalinha de ovos de ouro.

Reva Bhalla, da Stratfor, no GSI

Atual diretora de análise da Stratfor, a americana Reva Bhalla não precisou gastar um tostão, grampear telefones ou pagar propinas para conseguir fácil acesso ao alto escalão da inteligência brasileira.

Em 6 de janeiro de 2011, segundo documentos internos da empresa analisados pela Agência Pública e pela , Bhalla foi recebida com entusiasmo pelo gabinete do ministro-chefe do GSI, o general José Elito Siqueira, menos de um mês depois de chegar ao País para sua missão em nome da Stratfor.

Mais do que ser bem recebida, Bhalla obteve informações confidenciais de funcionários do GSI que são negadas até mesmo aos brasileiros.

No seu relato, ela diz ter sido levada à chamada “sala de situação”, local onde militares e agentes de inteligência se reunem com a presidência em caso de crises de segurança nacional. “Eu tive a impressão de que o Brasil não tem que lidar com esse tipo de questão com muita freqüência. Eles disseram que durante o governo Lula eles se reuniram 64 vezes. Havia mapas muito legais por todo o lugar. Eles me deram de presente um lindo mapa do mundo com Brasilia ao centro (muito ambicioso? Ahaha)”, escreve.

O contato, segundo ela, teria sido armado por um “amigo diplomata” que estaria trabalhando no escritório da própria presidenta, diz ela, sem identificar o nome. “Todos, inclusive o General Elito Sequeiro (sic) –  o chefe do GSI, o qual eu encontrei mais tarde no seu escritório, conhecem e lêem os relatórios da Stratfor regularmente. Eles estavam, literalmente, me dizendo sobre as notícias da Stratfor que haviam lido nesta manhã, e que quase todos ali eram membros”.

Animada com o “tour completo” que recebeu do palácio presidencial, Bhalla chegou à sala da presidenta Dilma Rousseff – mas ela estava numa reunião. “Eu queria dizer ‘olá’ em nome da Stratfor”.

A analista relata ter conversado longamente com o secretario-adjunto José Antônio Macedo Soares, cujo nome chegou a ser cotado pelo Palácio do Planalto para assumir a direção da Abin. Segundo seu relato, ele lhe explicou tranquilamente que o Brasil se esforça para não atrair atenção para si mesmo como palco de ações ligadas ao terrorismo. “Como Macedo Soares me disse, nós capturamos vários ‘terroristas’ em São Paulo – pessoas da Al Qaeda, Hezbollah, e até pessoas ligadas aos ataques de 11 de setembro. Mas nós não queremos nos vangloriar por isso e  não queremos atenção. Isso não serve nossos interesses e não queremos que os EUA nos empurre para esse assunto’”, escreve.

A informação, prontamente repassada para a rede de analistas da Stratfor, confirma uma revelação feita pelo WikiLeaks em 2010, nos primeiros documentos diplomáticos sobre o Brasil publicados pela organização. Os despachos traziam o então embaixador dos Estados Unidos em Brasília, Clifford Sobel, a dizer, ainda em 2008, que a Polícia Federal “frequentemente prende pessoas ligadas ao terrorismo, mas os acusa de uma variedade de crimes não relacionados a terrorismo para evitar chamar a atenção da imprensa e dos altos escalões do governo”. O mesmo telegrama de Sobel cita dois exemplos. Em 2007, a PF teria capturado um potencial facilitador terrorista sunita que operava primordialmente em Santa Catarina sob acusação de entrar no País sem declarar fundos – e estaria trabalhando pela sua deportação. A operação Byblos, que desmantelou uma quadrilha de falsifcação de documentos brasileiros no Rio de Janeiro para libaneses também é citada como exemplo de operação de contra-terrorismo.

alunos de Clouseau

Histórias sobre prisões de suspeitos de terrorismo no Brasil haviam pipocado antes do vazamento dos documentos diplomáticos. Em maio de 2009, a PF prendeu um libanês acusado de propagar pela internet material racista. À época, o colunista da Folha Jânio de Freitas escreveu que para preservar o sigilo a PF atribuiu a prisão, inclusive internamente, a uma investigação sobre células de neonazistas, enquanto o libanês seria na verdade suspeito de ligação com a Al Qaeda. Quase um mês depois, o Gabinete da Segurança Institucional da Presidência criou um grupo de prevenção e combate ao terrorismo, com a finalidade oficial de exercer o “acompanhamento de assuntos pertinentes ao terrorismo internacional e de ações” para “a sua prevenção e neutralização”.

Foi exatamente no GSI e com funcionários do órgão que Bhalla teve reuniões pessoais que renderam relatórios de inteligência privada, para alimentar os boletins a clientes no mundo todo.

Naquele encontro, ela teria perguntado ainda sobre a capacidade do GSI em vigiar e capturar esses ‘terroristas’. “A resposta não me pareceu tão confiante assim. Ele disse basicamente que isso é muito difícil. São Paulo tem uma população estrangeira muito grande. Fronteiras são difíceis de controlar: essa é a atitude brasileira em relação a isso”. Segundo a analista, eles teriam reonhecido que há alvos de terrorismo no Brasil. E teriam citado uma misteriosa “casa noturna israelense” em São Paulo como um exemplo.

“Eu levantei a questão do terrorismo, já que Macedo Soares é basicamente o único brasileiro que foi citado pelo Wikileaks. Eu perguntei a ele se isso causou algum tipo de problemas e ele riu e disse “só inveja”! Aparentemente vários oficiais brasileiros ficaram seriamente com ciúmes de que ele tenha ficado com toda a fama, haha”, relata Bhalla no seu email. Macedo Soares foi interlocutor do ex-embaixador Sobel nos primeiros documentos diplomáticos vazados.

Amazônia e crack

A conversa não parou por aí. Bhalla chegou a ser convidada a visitar um posto militar na Amazônia na sua próxima visita, “coisa que eu definitivamente vou fazer”. Ouviu do alto escalão do GSI, que “a corrupção nesses postos é mais concentrado na polícia do que nos militares”.

“Um deles levantou um ponto interessante, dizendo que uma coisa que o Brasil tem feito muito bem é controlar a qualidade dos precursores químicos que entram no país. Então, a cocaína produzida na Bolívia, por exemplo, não é ‘classe A’ que os compradores de NY querem. Ao invés disso, são de baixa qualidade, crack, que é vendido em São Paulo. Então essa é uma conseqüência não-intencional para eles: drogas mais baratas e de baixo valor permeiam o mercado brasileiro”, descreveu.

No fim da mensagem, a analista diz ter desgostado da capital federal, no mesmo tom informal que marca os demais emails da Stratfor publicados pelo WikiLeaks. E envia uma foto sua diante da catedral de Brasília.

A correspondência com Macedo Soares não terminou aí, como mostra a esfuziante mensagem sobre o mapa com o Brasil no centro, reenviado a Bhalla dois meses depois da visita.

A reportagem procurou o GSI através da sua assessoria de imprensa, mas recebeu como resposta que o ministro José Antônio de Macedo Soares está de férias no exterior e se dispinibilizaria a esclarecer o assunto depois do dia 3 de março. A assessoria confirmou, no entanto, que o ministro-chefe José Elito Siqueira “recebeu, em 06 Jan 11, a Sra Reva Bhalla para cumprimento protocolar durante a sua visita ao GSI”.

Oficialmente, o governo sempre negou a existência de atividades terroristas no Brasil – e continua negando, mesmo depois das revelações do Wikileaks. Já os militares brasileiros parecem ficar bem mas à vontade quando falam do assunto com americanos – sejam eles diplomatas, militares, ou arapongas como os da Stratfor.

*Colaboraram Luiza Bodenmüller e Jessica Mota. Reportagem feita em parceria com a Agência Pública de jornalismo investigativo:

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