Sociedade

Abandono afetivo e convívio familiar: questão de Estado

O Estado brasileiro tem deixado de cumprir seu papel de protetor das famílias e, em vez disso, colabora para o abandono dos filhos

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A decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de condenar um pai ao pagamento de indenização por danos morais à filha por “abandono afetivo” abre questionamentos sobre outras responsabilidades do Estado em relação ao direto de crianças e adolescentes.

Os ministros da 3ª Turma do STJ determinaram que uma moradora de Votorantim (SP), de 38 anos, receba do pai R$ 200 mil por ele não ter lhe dado assistência moral ou afetiva durante a infância dela. A decisão do tribunal configura-se adequada. Sempre que não pairar dúvidas sobre a situação de abandono, que precisa ser comprovada, são devidos não só os danos materiais, mas também os danos morais.

Últimos artigos de Pedro Serrano:

Não é da natureza do dano moral monetizar a emoção, nem se presta a esse papel, mas, sim, estabelecer uma compensação que dê à vítima algum tipo de alívio à situação vivida. Ameniza-se a agrura, sem substituir o prejuízo causado —afinal, não há como sanar o dano emocionalmente.

A Constituição brasileira determina, em seu artigo 227, que é dever “da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem” o direito “à convivência familiar”. É em respeito a essa determinação que surge a recente decisão do STJ.

Mas e quanto a outras situações em que o Estado não apenas deixa de garantir aos jovens o direito à convivência familiar, como até mesmo impede o contato frequente entre pais e filhos?

O princípio de garantir a convivência familiar está na Constituição atuando sobre as famílias, sobre a sociedade e, especialmente, sobre o Estado —no âmbito do serviço público, com destaque para a situação prisional e de execução penal.

De fato, as mulheres que cumprem pena nas prisões brasileiras não têm garantido, atualmente, o direito de convivência com os filhos. E esse é um problema que não recebe a devida atenção do Estado, responsável, como expresso na Carta Magna, por garantir a existência da convivência familiar. Ocorre, senão, o contrário: o Estado acaba promovendo o abandono de crianças, pois, no cumprimento do dever de punir e condenar, esquece da obrigação de proteger a convivência entre mães e filhos.

A vida está repleta de situações em que se chocam direitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos, cabendo à Justiça a interpretação no caso concreto de qual princípio deve preponderar —mas jamais suprimir os outros princípios em conflito. Nesse sentido, o Estado brasileiro, no aludido caso das detentas, busca cumprir seu papel de punir e garantir a sanção ao crime cometido, mas as péssimas condições das penitenciárias colocam em xeque o melhor cumprimento dessa obrigação estatal quando se colide esse princípio com os demais direitos fundamentais da pessoa humana.

É, portanto, dever do Estado promover nos âmbitos prisionais a convivência familiar em condições salubres. E esse princípio constitucional não se colide com a necessária obrigação de punir, tampouco com a exigência de ambientes adequados para o cumprimento da pena.

As crianças são hipossuficientes e, portanto, há responsabilidade ainda maior do Estado em promover sua proteção. Como disse a ministra do STJ Nancy Andrighi, relatora do recurso que determinou a indenização de R$ 200 mil por abandono efetivo, “o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente”. É o caso, então, de se garantir esse cuidado para os filhos e as filhas das detentas brasileiras, até porque privá-los do convívio familiar é estender a punição aplicada às mães aos seus descendentes de primeiro grau, o que é vedado pela Constituição. Incompatível com o Estado de Direito estender a punição da pessoa a seus descendentes , subtraindo destes hipossuficientes o direito a convivência saudável com sua mãe.

O Judiciário tem se mantido em silêncio em relação a essa questão, o que é grave porque o Estado deixa de cumprir seu papel de protetor das famílias e, em vez disso, colabora para o abandono dos filhos. Na esteira da decisão do STJ, abre-se a oportunidade de debater a fundo essa questão e solucioná-la.

O aperfeiçoamento da sociedade e de nossas instituições passa, necessariamente, por essas discussões. Nossa responsabilidade é não sermos omissos.

A decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de condenar um pai ao pagamento de indenização por danos morais à filha por “abandono afetivo” abre questionamentos sobre outras responsabilidades do Estado em relação ao direto de crianças e adolescentes.

Os ministros da 3ª Turma do STJ determinaram que uma moradora de Votorantim (SP), de 38 anos, receba do pai R$ 200 mil por ele não ter lhe dado assistência moral ou afetiva durante a infância dela. A decisão do tribunal configura-se adequada. Sempre que não pairar dúvidas sobre a situação de abandono, que precisa ser comprovada, são devidos não só os danos materiais, mas também os danos morais.

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Não é da natureza do dano moral monetizar a emoção, nem se presta a esse papel, mas, sim, estabelecer uma compensação que dê à vítima algum tipo de alívio à situação vivida. Ameniza-se a agrura, sem substituir o prejuízo causado —afinal, não há como sanar o dano emocionalmente.

A Constituição brasileira determina, em seu artigo 227, que é dever “da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem” o direito “à convivência familiar”. É em respeito a essa determinação que surge a recente decisão do STJ.

Mas e quanto a outras situações em que o Estado não apenas deixa de garantir aos jovens o direito à convivência familiar, como até mesmo impede o contato frequente entre pais e filhos?

O princípio de garantir a convivência familiar está na Constituição atuando sobre as famílias, sobre a sociedade e, especialmente, sobre o Estado —no âmbito do serviço público, com destaque para a situação prisional e de execução penal.

De fato, as mulheres que cumprem pena nas prisões brasileiras não têm garantido, atualmente, o direito de convivência com os filhos. E esse é um problema que não recebe a devida atenção do Estado, responsável, como expresso na Carta Magna, por garantir a existência da convivência familiar. Ocorre, senão, o contrário: o Estado acaba promovendo o abandono de crianças, pois, no cumprimento do dever de punir e condenar, esquece da obrigação de proteger a convivência entre mães e filhos.

A vida está repleta de situações em que se chocam direitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos, cabendo à Justiça a interpretação no caso concreto de qual princípio deve preponderar —mas jamais suprimir os outros princípios em conflito. Nesse sentido, o Estado brasileiro, no aludido caso das detentas, busca cumprir seu papel de punir e garantir a sanção ao crime cometido, mas as péssimas condições das penitenciárias colocam em xeque o melhor cumprimento dessa obrigação estatal quando se colide esse princípio com os demais direitos fundamentais da pessoa humana.

É, portanto, dever do Estado promover nos âmbitos prisionais a convivência familiar em condições salubres. E esse princípio constitucional não se colide com a necessária obrigação de punir, tampouco com a exigência de ambientes adequados para o cumprimento da pena.

As crianças são hipossuficientes e, portanto, há responsabilidade ainda maior do Estado em promover sua proteção. Como disse a ministra do STJ Nancy Andrighi, relatora do recurso que determinou a indenização de R$ 200 mil por abandono efetivo, “o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente”. É o caso, então, de se garantir esse cuidado para os filhos e as filhas das detentas brasileiras, até porque privá-los do convívio familiar é estender a punição aplicada às mães aos seus descendentes de primeiro grau, o que é vedado pela Constituição. Incompatível com o Estado de Direito estender a punição da pessoa a seus descendentes , subtraindo destes hipossuficientes o direito a convivência saudável com sua mãe.

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