Sociedade

À sombra da pátria

Crônica sobre os velhinhos que se encontram todos os dias em símbolos pátrios: a praça 7 de Setembro beirando a rua Floriano Peixoto

Kevin Dooley/Flickr
Apoie Siga-nos no

Não foi só por causa da sombra que os três velhinhos elegeram aquele banco e debaixo da mangueira encontravam-se todas as manhãs. Quem me garante isso é minha amiga Iara, cujas caminhadas matinais descrevem uma tangente em relação ao círculo dos três. O banco, segundo ela, fica na praça 7 de Setembro beirando a rua Floriano Peixoto.

São símbolos da pátria de que eles, tacitamente, julgam-se os mantenedores por uma espécie de usucapião. Não que tenham chegado a conhecer o Marechal, que, apesar de longevos, sua longevidade não era para tanto, mas porque, provavelmente, as primeiras notícias que tiveram dele foram de transmissão oral. Sabe o Floriano? Dizem que brigou com a mulher. Coisas assim, familiares, como de um ser que sai da história para ficar ao alcance da mão.

Pois apesar da imensa responsabilidade de representarem o passado, as tradições de nossa pátria, os símbolos que nos constroem como seres localizados em um pequeno espaço do universo, pois apesar disso e para que não se percam os débeis índices de nossa identidade nacional, as conversas entre eles eram conversas de seres apegados ao presente e à vida.

No mês passado, um dos velhinhos não apareceu durante alguns dias, e os outros dois, em lugar das discussões acaloradas, puseram-se a jogar damas, taciturnos, silenciosos. Quando o absenteísta finalmente retornou, ocupando o lugar que se tornara vago por algum tempo, apareceu de bigode. Basto e branco bigode, para gáudio e espanto dos amigos.

– Você, com essa bigodeira… – começou um deles.

– … ficou com mais cara de homem – acrescentou o outro.

E era assim que eles falavam: emparceirados pelos muitos anos em que vinham compartilhando do mesmo banco.

O portador do mais recente moustache, então, resolveu explicar-se: tivera de trocar de prótese – aparelho assim mesmo designado pelos dentistas e que mortais, como nós, chamam de chapa, ou de dentadura – e a boca ficara um pouco murcha, meio chupada. A ideia do bigode fora concebida por sua filhinha, uma garota de sessenta e dois anos, muito esperta para as coisas da vida.

Ontem a Iara me contou que vinha passando apertada em seu moletom, suada e com pressa, quando ouviu a algazarra dos velhinhos. Resolveu diminuir o passo, curiosa.

– Eu olho mesmo – dizia o primeiro -, pra mulher eu olho.

– Principalmente pra boca. Eu me encanto é com boca de mulher.

– Mas não mexo, – completou o último – nunca mexi e não é agora que vou começar a mexer.

Quando cruzava pela frente dos três, conta minha amiga, levantaram-se, fizeram uma continência e voltaram a sentar-se. Os três juntos e sem acordo prévio. Maravilhados, encantados com as doçuras da vida.

O Floriano Peixoto que me perdoe pela falta de respeito patriótico, mas parada por parada, eu estou é com os velhinhos.

Não foi só por causa da sombra que os três velhinhos elegeram aquele banco e debaixo da mangueira encontravam-se todas as manhãs. Quem me garante isso é minha amiga Iara, cujas caminhadas matinais descrevem uma tangente em relação ao círculo dos três. O banco, segundo ela, fica na praça 7 de Setembro beirando a rua Floriano Peixoto.

São símbolos da pátria de que eles, tacitamente, julgam-se os mantenedores por uma espécie de usucapião. Não que tenham chegado a conhecer o Marechal, que, apesar de longevos, sua longevidade não era para tanto, mas porque, provavelmente, as primeiras notícias que tiveram dele foram de transmissão oral. Sabe o Floriano? Dizem que brigou com a mulher. Coisas assim, familiares, como de um ser que sai da história para ficar ao alcance da mão.

Pois apesar da imensa responsabilidade de representarem o passado, as tradições de nossa pátria, os símbolos que nos constroem como seres localizados em um pequeno espaço do universo, pois apesar disso e para que não se percam os débeis índices de nossa identidade nacional, as conversas entre eles eram conversas de seres apegados ao presente e à vida.

No mês passado, um dos velhinhos não apareceu durante alguns dias, e os outros dois, em lugar das discussões acaloradas, puseram-se a jogar damas, taciturnos, silenciosos. Quando o absenteísta finalmente retornou, ocupando o lugar que se tornara vago por algum tempo, apareceu de bigode. Basto e branco bigode, para gáudio e espanto dos amigos.

– Você, com essa bigodeira… – começou um deles.

– … ficou com mais cara de homem – acrescentou o outro.

E era assim que eles falavam: emparceirados pelos muitos anos em que vinham compartilhando do mesmo banco.

O portador do mais recente moustache, então, resolveu explicar-se: tivera de trocar de prótese – aparelho assim mesmo designado pelos dentistas e que mortais, como nós, chamam de chapa, ou de dentadura – e a boca ficara um pouco murcha, meio chupada. A ideia do bigode fora concebida por sua filhinha, uma garota de sessenta e dois anos, muito esperta para as coisas da vida.

Ontem a Iara me contou que vinha passando apertada em seu moletom, suada e com pressa, quando ouviu a algazarra dos velhinhos. Resolveu diminuir o passo, curiosa.

– Eu olho mesmo – dizia o primeiro -, pra mulher eu olho.

– Principalmente pra boca. Eu me encanto é com boca de mulher.

– Mas não mexo, – completou o último – nunca mexi e não é agora que vou começar a mexer.

Quando cruzava pela frente dos três, conta minha amiga, levantaram-se, fizeram uma continência e voltaram a sentar-se. Os três juntos e sem acordo prévio. Maravilhados, encantados com as doçuras da vida.

O Floriano Peixoto que me perdoe pela falta de respeito patriótico, mas parada por parada, eu estou é com os velhinhos.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo