Sociedade
À sombra da pátria
Crônica sobre os velhinhos que se encontram todos os dias em símbolos pátrios: a praça 7 de Setembro beirando a rua Floriano Peixoto
Não foi só por causa da sombra que os três velhinhos elegeram aquele banco e debaixo da mangueira encontravam-se todas as manhãs. Quem me garante isso é minha amiga Iara, cujas caminhadas matinais descrevem uma tangente em relação ao círculo dos três. O banco, segundo ela, fica na praça 7 de Setembro beirando a rua Floriano Peixoto.
São símbolos da pátria de que eles, tacitamente, julgam-se os mantenedores por uma espécie de usucapião. Não que tenham chegado a conhecer o Marechal, que, apesar de longevos, sua longevidade não era para tanto, mas porque, provavelmente, as primeiras notícias que tiveram dele foram de transmissão oral. Sabe o Floriano? Dizem que brigou com a mulher. Coisas assim, familiares, como de um ser que sai da história para ficar ao alcance da mão.
Pois apesar da imensa responsabilidade de representarem o passado, as tradições de nossa pátria, os símbolos que nos constroem como seres localizados em um pequeno espaço do universo, pois apesar disso e para que não se percam os débeis índices de nossa identidade nacional, as conversas entre eles eram conversas de seres apegados ao presente e à vida.
No mês passado, um dos velhinhos não apareceu durante alguns dias, e os outros dois, em lugar das discussões acaloradas, puseram-se a jogar damas, taciturnos, silenciosos. Quando o absenteísta finalmente retornou, ocupando o lugar que se tornara vago por algum tempo, apareceu de bigode. Basto e branco bigode, para gáudio e espanto dos amigos.
– Você, com essa bigodeira… – começou um deles.
– … ficou com mais cara de homem – acrescentou o outro.
E era assim que eles falavam: emparceirados pelos muitos anos em que vinham compartilhando do mesmo banco.
O portador do mais recente moustache, então, resolveu explicar-se: tivera de trocar de prótese – aparelho assim mesmo designado pelos dentistas e que mortais, como nós, chamam de chapa, ou de dentadura – e a boca ficara um pouco murcha, meio chupada. A ideia do bigode fora concebida por sua filhinha, uma garota de sessenta e dois anos, muito esperta para as coisas da vida.
Ontem a Iara me contou que vinha passando apertada em seu moletom, suada e com pressa, quando ouviu a algazarra dos velhinhos. Resolveu diminuir o passo, curiosa.
– Eu olho mesmo – dizia o primeiro -, pra mulher eu olho.
– Principalmente pra boca. Eu me encanto é com boca de mulher.
– Mas não mexo, – completou o último – nunca mexi e não é agora que vou começar a mexer.
Quando cruzava pela frente dos três, conta minha amiga, levantaram-se, fizeram uma continência e voltaram a sentar-se. Os três juntos e sem acordo prévio. Maravilhados, encantados com as doçuras da vida.
O Floriano Peixoto que me perdoe pela falta de respeito patriótico, mas parada por parada, eu estou é com os velhinhos.
Não foi só por causa da sombra que os três velhinhos elegeram aquele banco e debaixo da mangueira encontravam-se todas as manhãs. Quem me garante isso é minha amiga Iara, cujas caminhadas matinais descrevem uma tangente em relação ao círculo dos três. O banco, segundo ela, fica na praça 7 de Setembro beirando a rua Floriano Peixoto.
São símbolos da pátria de que eles, tacitamente, julgam-se os mantenedores por uma espécie de usucapião. Não que tenham chegado a conhecer o Marechal, que, apesar de longevos, sua longevidade não era para tanto, mas porque, provavelmente, as primeiras notícias que tiveram dele foram de transmissão oral. Sabe o Floriano? Dizem que brigou com a mulher. Coisas assim, familiares, como de um ser que sai da história para ficar ao alcance da mão.
Pois apesar da imensa responsabilidade de representarem o passado, as tradições de nossa pátria, os símbolos que nos constroem como seres localizados em um pequeno espaço do universo, pois apesar disso e para que não se percam os débeis índices de nossa identidade nacional, as conversas entre eles eram conversas de seres apegados ao presente e à vida.
No mês passado, um dos velhinhos não apareceu durante alguns dias, e os outros dois, em lugar das discussões acaloradas, puseram-se a jogar damas, taciturnos, silenciosos. Quando o absenteísta finalmente retornou, ocupando o lugar que se tornara vago por algum tempo, apareceu de bigode. Basto e branco bigode, para gáudio e espanto dos amigos.
– Você, com essa bigodeira… – começou um deles.
– … ficou com mais cara de homem – acrescentou o outro.
E era assim que eles falavam: emparceirados pelos muitos anos em que vinham compartilhando do mesmo banco.
O portador do mais recente moustache, então, resolveu explicar-se: tivera de trocar de prótese – aparelho assim mesmo designado pelos dentistas e que mortais, como nós, chamam de chapa, ou de dentadura – e a boca ficara um pouco murcha, meio chupada. A ideia do bigode fora concebida por sua filhinha, uma garota de sessenta e dois anos, muito esperta para as coisas da vida.
Ontem a Iara me contou que vinha passando apertada em seu moletom, suada e com pressa, quando ouviu a algazarra dos velhinhos. Resolveu diminuir o passo, curiosa.
– Eu olho mesmo – dizia o primeiro -, pra mulher eu olho.
– Principalmente pra boca. Eu me encanto é com boca de mulher.
– Mas não mexo, – completou o último – nunca mexi e não é agora que vou começar a mexer.
Quando cruzava pela frente dos três, conta minha amiga, levantaram-se, fizeram uma continência e voltaram a sentar-se. Os três juntos e sem acordo prévio. Maravilhados, encantados com as doçuras da vida.
O Floriano Peixoto que me perdoe pela falta de respeito patriótico, mas parada por parada, eu estou é com os velhinhos.
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