Sociedade

A PM paulista sabe lidar com seres humanos?

Antes, a discussão era se a PM era ou não bem-vinda no campus da USP. Vídeo que mostra agressão a estudante coloca a questão em outro patamar

Momento em que policial agride estudante. Foto: reprodução de vídeo/YouTube
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Parecia piada pronta. Estudante, negro, espancado por um policial militar dentro da USP? Tudo isso em vídeo?

Ou é piada ou é boato.

Nem o mais troglodita dos carrascos seria capaz de assinar o recibo desta maneira.

Policial pode até ser rígido, mas não é burro.

Tem a seu favor a reitoria, o governador e a imensa maioria da opinião pública que vê na resistência dos estudantes ao policiamento ostensivo um sintoma de privilégio.

“Querem fumar maconha sem ser incomodados”.

Do governador ao quatrocentão que nunca pisou na USP, todos estavam crentes de que, com a PM no campus, a segurança e a civilidade estariam instauradas de vez.

O resto era conversa, papo de intelectual.

Todo mundo sabe que polícia não agride, polícia protege.

Os argumentos em torno da ordem e da legalidade estavam tão consolidados que soaria como escárnio voltar à discussão a essa altura do campeonato: a PM sabe lidar com estudantes?

A resposta durou 1 minuto e 39 segundos, e é mais representativa que todos os calhamaços já publicados sobre o assunto. E levou a discussão para outro patamar: a polícia paulista sabe lidar com seres humanos?

No vídeo (clique aqui para?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> ver), de menos de dois minutos, um sargento, identificado como André Ferreira, avisa, educadamente, que o prédio sem uso há anos, ocupado pelos estudantes, precisa ser liberado. Os estudantes se negam a deixar o prédio. E questionam os motivos da ação (ao que parece, não está proibido ainda, num espaço estudantil, questionar determinada situação, ainda que o interlocutor seja um policial, um padre ou um professor).

 

A conversa é tensa, mas tudo parece estar sob controle. “Não gosto de você, e você não gosta de mim”, parecem dizer as partes envolvidas. Ao que consta também, num ambiente universitário, ninguém é obrigado a gostar de ninguém.

Até que um negro, o estudante de Ciências da Natureza Nicolas Barreto, entrou na conversa, da qual não foi chamado – como não foi chamado para aquela universidade, se dependesse de quem a financia.

E se tornou, naquele instante, a expressão mais exata da violência e do preconceito que a inteligência brasileira supunha enterrados.

O peso da mão policial é exatamente o peso de anos, séculos de rejeição ao acesso de determinados grupos a antigos círculos restritos (como a universidade).

“Não pode ser aluno. Se for, é baderneiro. Se apanhou, é bem feito”.

A reação policial, nesse contexto, é quase profilática.

Porque o sargento escalado para a agir naquele espaço é o Estado presente, o detentor do monopólio da violência autorizado a agir com os estudantes exatamente como age com o cidadão comum. E hoje a polícia militar, acusada tantas vezes de truculência, mostrou às câmeras o que sabe fazer de melhor, o que faz há anos nas casas, nas favelas, nas ruas – com ou sem mandado, com ou sem força excessiva.

A novidade foi um vídeo. Um vídeo mostrando que o baderneiro, na verdade, vestia farda, e não chinelos. E perdia a razão, agindo como marginal. Mudou de lado?

Horas depois, foi anunciado o afastamento do meliante (ops, policial), junto com um comparsa (ops, colega). Mas a questão está em aberto. Só mudou de patamar. Vale insistir: A PM paulista sabe lidar com seres humanos?

Parte das respostas pode estar incrustrada sob o velho argumento de que foi só um caso isolado.

Não foi. A agressão ao estudante da USP, assim como as agressões diárias sofridas por quem não tem sequer carteira de estudante para se defender de bordoadas, é a crônica de uma guerra anunciada. A fórmula? Basta colocar policiais armados querendo mostrar serviço numa área pacificada.

O sargento Ferreira tinha autorização para cumprir sua função – no caso, a função quase patética, como lembrou um estudante de Filosofia: de guardião da segurança pública, o PM passou a atuar como bedel de faculdade, provavelmente o sonho de nove em cada dez soldados recém-ingressos na corporação.

A diferença é que o bedel está armado e, fora de si, poderia ter promovido uma tragédia contra estudantes desarmados.

Pois é em agentes públicos como ele (o mesmo sargento que estranha ao ver um negro se apresentar como estudante) que o governo paulista dá a incumbência de levar segurança e civilidade para as ruas e, agora, para o campus.  Ele era o braço autorizado do Estado para atuar. Para isso foi treinado e orientado. E se tem algo que militar sabe fazer melhor que qualquer outro profissional é cumprir ordem e obedecer.

O que só leva a uma conclusão: a manifestação de truculência e covardia captada pela câmera não é um caso isolado. É um direito outorgado ao sargento Ferreira ao longo dos 181 anos de uma corporação que hoje envergonha seu próprio estado.

Parecia piada pronta. Estudante, negro, espancado por um policial militar dentro da USP? Tudo isso em vídeo?

Ou é piada ou é boato.

Nem o mais troglodita dos carrascos seria capaz de assinar o recibo desta maneira.

Policial pode até ser rígido, mas não é burro.

Tem a seu favor a reitoria, o governador e a imensa maioria da opinião pública que vê na resistência dos estudantes ao policiamento ostensivo um sintoma de privilégio.

“Querem fumar maconha sem ser incomodados”.

Do governador ao quatrocentão que nunca pisou na USP, todos estavam crentes de que, com a PM no campus, a segurança e a civilidade estariam instauradas de vez.

O resto era conversa, papo de intelectual.

Todo mundo sabe que polícia não agride, polícia protege.

Os argumentos em torno da ordem e da legalidade estavam tão consolidados que soaria como escárnio voltar à discussão a essa altura do campeonato: a PM sabe lidar com estudantes?

A resposta durou 1 minuto e 39 segundos, e é mais representativa que todos os calhamaços já publicados sobre o assunto. E levou a discussão para outro patamar: a polícia paulista sabe lidar com seres humanos?

No vídeo (clique aqui para?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> ver), de menos de dois minutos, um sargento, identificado como André Ferreira, avisa, educadamente, que o prédio sem uso há anos, ocupado pelos estudantes, precisa ser liberado. Os estudantes se negam a deixar o prédio. E questionam os motivos da ação (ao que parece, não está proibido ainda, num espaço estudantil, questionar determinada situação, ainda que o interlocutor seja um policial, um padre ou um professor).

 

A conversa é tensa, mas tudo parece estar sob controle. “Não gosto de você, e você não gosta de mim”, parecem dizer as partes envolvidas. Ao que consta também, num ambiente universitário, ninguém é obrigado a gostar de ninguém.

Até que um negro, o estudante de Ciências da Natureza Nicolas Barreto, entrou na conversa, da qual não foi chamado – como não foi chamado para aquela universidade, se dependesse de quem a financia.

E se tornou, naquele instante, a expressão mais exata da violência e do preconceito que a inteligência brasileira supunha enterrados.

O peso da mão policial é exatamente o peso de anos, séculos de rejeição ao acesso de determinados grupos a antigos círculos restritos (como a universidade).

“Não pode ser aluno. Se for, é baderneiro. Se apanhou, é bem feito”.

A reação policial, nesse contexto, é quase profilática.

Porque o sargento escalado para a agir naquele espaço é o Estado presente, o detentor do monopólio da violência autorizado a agir com os estudantes exatamente como age com o cidadão comum. E hoje a polícia militar, acusada tantas vezes de truculência, mostrou às câmeras o que sabe fazer de melhor, o que faz há anos nas casas, nas favelas, nas ruas – com ou sem mandado, com ou sem força excessiva.

A novidade foi um vídeo. Um vídeo mostrando que o baderneiro, na verdade, vestia farda, e não chinelos. E perdia a razão, agindo como marginal. Mudou de lado?

Horas depois, foi anunciado o afastamento do meliante (ops, policial), junto com um comparsa (ops, colega). Mas a questão está em aberto. Só mudou de patamar. Vale insistir: A PM paulista sabe lidar com seres humanos?

Parte das respostas pode estar incrustrada sob o velho argumento de que foi só um caso isolado.

Não foi. A agressão ao estudante da USP, assim como as agressões diárias sofridas por quem não tem sequer carteira de estudante para se defender de bordoadas, é a crônica de uma guerra anunciada. A fórmula? Basta colocar policiais armados querendo mostrar serviço numa área pacificada.

O sargento Ferreira tinha autorização para cumprir sua função – no caso, a função quase patética, como lembrou um estudante de Filosofia: de guardião da segurança pública, o PM passou a atuar como bedel de faculdade, provavelmente o sonho de nove em cada dez soldados recém-ingressos na corporação.

A diferença é que o bedel está armado e, fora de si, poderia ter promovido uma tragédia contra estudantes desarmados.

Pois é em agentes públicos como ele (o mesmo sargento que estranha ao ver um negro se apresentar como estudante) que o governo paulista dá a incumbência de levar segurança e civilidade para as ruas e, agora, para o campus.  Ele era o braço autorizado do Estado para atuar. Para isso foi treinado e orientado. E se tem algo que militar sabe fazer melhor que qualquer outro profissional é cumprir ordem e obedecer.

O que só leva a uma conclusão: a manifestação de truculência e covardia captada pela câmera não é um caso isolado. É um direito outorgado ao sargento Ferreira ao longo dos 181 anos de uma corporação que hoje envergonha seu próprio estado.

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