Política

A crise do Judiciário e os mutirões do ministro presidente

O Ministro Cesar Pelluzo, do STF, tentou defender o indefensável. Os argumentos dele não faziam o menor sentido

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Acossado pela sociedade, o STF (Superior Tribunal Federal) começa a restituir os poderes do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que duas liminares intentavam cassar – sendo que uma delas foi concedida por juiz que não a deveria haver julgado, porque nela estava interessado.

Por enquanto, trata-se, apenas, mas esse apenas já é muito, da confirmação da competência de julgar juízes, pois os ministros, vitalícios como os monarcas, são inalcançáveis pelo poder correcional do CNJ. Mas, eis a conquista de até agora, a apuração de ilícitos sai do campo restrito e exclusivo do concílio dos pares e das sessões secretas para o pretendido distanciamento do CNJ (presidido, aliás, pelo presidente do STF), em julgamentos de portas abertas.

Últimos artigos de Roberto Amaral:

Na abertura do ano judiciário de 2012, o ministro Pelluso, em longo e muito arquitetado discurso, no qual, na realidade,  antecipava seu voto na defesa do indefensável mandado de segurança interposto pela Associação Brasileira de Magistrados (que já pretendeu processar a corregedora Eliana Calmon) cujo objetivo era transformar o CNJ em grêmio lítero-recreativo, resolveu alinhar os grandes feitos do Judiciário, e começa referindo-se à Emenda Constitucional de 2008, a qual, até aqui, se atribuía a trabalho de anos do Congresso Nacional. E,  de costas para a realidade, apresenta como grande, feito, para o qual pede os aplausos da tele-platéia, o fato de “o chamado Mutirão Carcerário, realizado por juízes do CNJ e convocados ad hoc, ter, só nos últimos 20 (vinte) meses, libertado 21.000 (vinte e um mil) cidadãos presos ilegalmente, sem prejuízo da concessão de incontáveis benefícios legais a que outros encarcerados faziam jus” e a esses miseráveis eram negados, completamos.

Ora o que chamamos de crise do Judiciário é exatamente sua lerdeza nos julgamentos, sua leniência com os poderosos e o rigor com o qual deposita nos xadrezes das delegacias e nas penitenciárias, e lá os mantém, os pobres e os negros. Em todo o país a justiça é morosa, os prazos são impunemente desrespeitados pelos julgadores, os cartórios são instituições que, para dizer o mínimo, visam ao lucro, e as varas das execuções penais, também para dizer o mínimo, são ronceiras e ineptas, como o sistema carcerário, consabidamente corrupto e escandalosamente falido. Nesse meio campo alimenta-se caríssimo tráfico de influências. E outros tráficos.

O ministro se orgulha da libertação de cidadãos presos ilegalmente (ora viva, nós também), sem se dar conta da perversidade que é prender ou manter presos cidadãos inocentes, pobres evidentemente, que já cumpriram suas penas e no entanto permanecem nas enxovias esperando que um sistema judiciário que não funciona lhes devolva a liberdade roubada.

Sobre tal ‘pormenor’, silêncio tumular.

O ministro-presidente é reincidente nesta visão míope. Lemos em ‘Notícias do STFde19 de dezembro de 2011: “O primeiro Mutirão Carcerário que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou no Estado de São Paulo reconheceu o direito à liberdade de 2,3 mil pessoas que se encontravam presas. Desse total, 400 detentos foram libertados porque suas penas já estavam cumpridas ou encerradas (destaquei) e outros 1.890 apenados receberam liberdade condicional. O mutirão também concedeu indulto a 10 pessoas. As informações foram prestadas pelo ministro Cezar Pelluso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, em entrevista coletiva na tarde desta segunda-feira”.

De novo: o ilustre ministro Pelluso não se dá conte de que, ao invés de comemorar a injustiça da liberdade tardia, deveria pedir desculpas à Nação pelo crime (acima de tudo moral) que é condenar inocentes, que permanecem nas enxovias por não lhes ser assegurada a garantia constitucional da proteção jurisdicional.

Mas, continua a ‘Nota do STF’: “Com os números apresentados hoje, o ministro disse que já chega a mais de 36 mil o número de presos ilegalmente (destaquei) em todo o país que foram beneficiados com a liberdade, sendo 24 mil apenas na gestão do ministro Pelluso”.

Nem o discurso do ministro nem a nota do STF, evidentemente, esclarecem a origem social,  renda e cor desses presos ilegalmente encarcerados. Essas informações seriam do maior interesse – fica aí a sugestão para a pesquisa dos cursos de pós-graduação – e revelariam o real caráter de uma Justiça inerte e classista, reacionária e racista, principalmente quando está em jogo a liberdade do desprotegido. De outra parte também não será difícil o levantamento do tempo médio em que a inércia judicial,  associada ao poder econômico que propicia as manobras processuais (que os ministros se deleitam em discutir)  consegue manter em liberdade criminosos confessos como o jornalista Pimenta Neves, o poderosíssimo editor do Estadão. E o ministro presidente em sua oração inaugural reclama do ‘autoritarismo’ da pressão social…

Como realizações do STF, seu presidente arrola decisões que extrapolam a competência do Órgão e invadem o capítulo privativo do Congresso Nacional, comprometendo a fragilíssima  ‘harmonia dos Poderes’ ditada pela ordem constitucional. Ora esse ‘neo-positivismo’,  invenção ideológica que procura justificar o papel legiferante de que se arroga o Judiciário, põe em xeque o rigor da norma, transforma em favas a ordem jurídica, contribui para a instabilidade institucional e, isso sim, põe em risco a respeitabilidade de que carece o Judiciário, que, como a honra da mulher de César, precisa ser revelada todo dia.

Independentemente do conteúdo da decisão (refiro-me às ‘grandes decisões’)  o STF (como em inumeráveis oportunidades o TSE) deixou de discutir a constitucionalidade das matérias levadas ao seu descortino, aliás os Tribunais detestam discutir direito, o substantivo da ação, para só conhecerem filigranas processuais (eles se deleitam nesses desvãos, como poderá comprovar o leitor assistindo a qualquer julgamento do Pleno), para, indo além de sua competência, de fato ‘legislar’. Sem mandato, sem os poderes que só a soberania popular pode outorgar, sonham ser constituintes e legisladores. Assim também contribuindo com  sua cota de desmoralização do esvaziado (pelo Judiciário e pelo moloquiano Executivo) Poder Legislativo, de fato o mais vulnerável, mas também o mais transparente e o mais popular. E o mais democrático. Por isso mesmo o mais vulnerável e o mais criticado, e o mais invejado do Poderes.

Acossado pela sociedade, o STF (Superior Tribunal Federal) começa a restituir os poderes do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que duas liminares intentavam cassar – sendo que uma delas foi concedida por juiz que não a deveria haver julgado, porque nela estava interessado.

Por enquanto, trata-se, apenas, mas esse apenas já é muito, da confirmação da competência de julgar juízes, pois os ministros, vitalícios como os monarcas, são inalcançáveis pelo poder correcional do CNJ. Mas, eis a conquista de até agora, a apuração de ilícitos sai do campo restrito e exclusivo do concílio dos pares e das sessões secretas para o pretendido distanciamento do CNJ (presidido, aliás, pelo presidente do STF), em julgamentos de portas abertas.

Últimos artigos de Roberto Amaral:

Na abertura do ano judiciário de 2012, o ministro Pelluso, em longo e muito arquitetado discurso, no qual, na realidade,  antecipava seu voto na defesa do indefensável mandado de segurança interposto pela Associação Brasileira de Magistrados (que já pretendeu processar a corregedora Eliana Calmon) cujo objetivo era transformar o CNJ em grêmio lítero-recreativo, resolveu alinhar os grandes feitos do Judiciário, e começa referindo-se à Emenda Constitucional de 2008, a qual, até aqui, se atribuía a trabalho de anos do Congresso Nacional. E,  de costas para a realidade, apresenta como grande, feito, para o qual pede os aplausos da tele-platéia, o fato de “o chamado Mutirão Carcerário, realizado por juízes do CNJ e convocados ad hoc, ter, só nos últimos 20 (vinte) meses, libertado 21.000 (vinte e um mil) cidadãos presos ilegalmente, sem prejuízo da concessão de incontáveis benefícios legais a que outros encarcerados faziam jus” e a esses miseráveis eram negados, completamos.

Ora o que chamamos de crise do Judiciário é exatamente sua lerdeza nos julgamentos, sua leniência com os poderosos e o rigor com o qual deposita nos xadrezes das delegacias e nas penitenciárias, e lá os mantém, os pobres e os negros. Em todo o país a justiça é morosa, os prazos são impunemente desrespeitados pelos julgadores, os cartórios são instituições que, para dizer o mínimo, visam ao lucro, e as varas das execuções penais, também para dizer o mínimo, são ronceiras e ineptas, como o sistema carcerário, consabidamente corrupto e escandalosamente falido. Nesse meio campo alimenta-se caríssimo tráfico de influências. E outros tráficos.

O ministro se orgulha da libertação de cidadãos presos ilegalmente (ora viva, nós também), sem se dar conta da perversidade que é prender ou manter presos cidadãos inocentes, pobres evidentemente, que já cumpriram suas penas e no entanto permanecem nas enxovias esperando que um sistema judiciário que não funciona lhes devolva a liberdade roubada.

Sobre tal ‘pormenor’, silêncio tumular.

O ministro-presidente é reincidente nesta visão míope. Lemos em ‘Notícias do STFde19 de dezembro de 2011: “O primeiro Mutirão Carcerário que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou no Estado de São Paulo reconheceu o direito à liberdade de 2,3 mil pessoas que se encontravam presas. Desse total, 400 detentos foram libertados porque suas penas já estavam cumpridas ou encerradas (destaquei) e outros 1.890 apenados receberam liberdade condicional. O mutirão também concedeu indulto a 10 pessoas. As informações foram prestadas pelo ministro Cezar Pelluso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, em entrevista coletiva na tarde desta segunda-feira”.

De novo: o ilustre ministro Pelluso não se dá conte de que, ao invés de comemorar a injustiça da liberdade tardia, deveria pedir desculpas à Nação pelo crime (acima de tudo moral) que é condenar inocentes, que permanecem nas enxovias por não lhes ser assegurada a garantia constitucional da proteção jurisdicional.

Mas, continua a ‘Nota do STF’: “Com os números apresentados hoje, o ministro disse que já chega a mais de 36 mil o número de presos ilegalmente (destaquei) em todo o país que foram beneficiados com a liberdade, sendo 24 mil apenas na gestão do ministro Pelluso”.

Nem o discurso do ministro nem a nota do STF, evidentemente, esclarecem a origem social,  renda e cor desses presos ilegalmente encarcerados. Essas informações seriam do maior interesse – fica aí a sugestão para a pesquisa dos cursos de pós-graduação – e revelariam o real caráter de uma Justiça inerte e classista, reacionária e racista, principalmente quando está em jogo a liberdade do desprotegido. De outra parte também não será difícil o levantamento do tempo médio em que a inércia judicial,  associada ao poder econômico que propicia as manobras processuais (que os ministros se deleitam em discutir)  consegue manter em liberdade criminosos confessos como o jornalista Pimenta Neves, o poderosíssimo editor do Estadão. E o ministro presidente em sua oração inaugural reclama do ‘autoritarismo’ da pressão social…

Como realizações do STF, seu presidente arrola decisões que extrapolam a competência do Órgão e invadem o capítulo privativo do Congresso Nacional, comprometendo a fragilíssima  ‘harmonia dos Poderes’ ditada pela ordem constitucional. Ora esse ‘neo-positivismo’,  invenção ideológica que procura justificar o papel legiferante de que se arroga o Judiciário, põe em xeque o rigor da norma, transforma em favas a ordem jurídica, contribui para a instabilidade institucional e, isso sim, põe em risco a respeitabilidade de que carece o Judiciário, que, como a honra da mulher de César, precisa ser revelada todo dia.

Independentemente do conteúdo da decisão (refiro-me às ‘grandes decisões’)  o STF (como em inumeráveis oportunidades o TSE) deixou de discutir a constitucionalidade das matérias levadas ao seu descortino, aliás os Tribunais detestam discutir direito, o substantivo da ação, para só conhecerem filigranas processuais (eles se deleitam nesses desvãos, como poderá comprovar o leitor assistindo a qualquer julgamento do Pleno), para, indo além de sua competência, de fato ‘legislar’. Sem mandato, sem os poderes que só a soberania popular pode outorgar, sonham ser constituintes e legisladores. Assim também contribuindo com  sua cota de desmoralização do esvaziado (pelo Judiciário e pelo moloquiano Executivo) Poder Legislativo, de fato o mais vulnerável, mas também o mais transparente e o mais popular. E o mais democrático. Por isso mesmo o mais vulnerável e o mais criticado, e o mais invejado do Poderes.

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