Política

A bobice paira entre nóis!

Assembleia Legislativa de MG debate projeto que proíbe a distribuição, nas escolas, de qualquer livro que contrarie a norma culta da língua portuguesa

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Fernando Filgueiras

Bobice é uma palavra bastante mineira. Designa as tolices que só os mineiros são capazes de identificar. Aliás, coisa que mineiro mais faz é declarar a bobice alheia. Seja de paulistas, cariocas, pernambucanos, gaúchos, ou qualquer outro cidadão que não seja do mundo. Alías, pó pô pó no coador, pois a acusação da bobice alheia é o esporte preferido dos mineiros.

“Mas onde é bobice a qualquer resposta, é aí que a pergunta se pergunta.” A mãe de Riobaldo, em Grande Sertões Veredas, sabia das coisas. Guimarães Rosa, sempre ele, está certo nessa pequena questão filosófica da bobice. A bobice não está nas perguntas, mas nas respostas fáceis. Especialmente quando se trata de instituições que têm o papel de dar respostas à sociedade. O problema é que ultimamente a bobice tem imperado em Minas Gerais.

Autocríticas à parte, a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais está discutindo o projeto de lei 1983/2011, de autoria do deputado Bruno Siqueira. O projeto de lei “proíbe a distribuição, na rede de ensino pública e privada do Estado de Minas Gerais, de qualquer livro que contrarie a norma culta da língua portuguesa”. Eita! Não é que a bobice chegou?

Num país com déficit de leitura como o Brasil, projeto como esse deixaria corado Guy Montag, de Fahrenheit 451. Queimemos os livros de Guimarães Rosa! Afinal, precisamos estabelecer enquadramentos, nas quais opiniões próprias devem ser proibidas e todos devem seguir o caminho da norma culta, porque sem ela não há cultura. Me dá um cigarro. Diria o bom negro e o bom branco de Oswald de Andrade. Mas é culto o indivíduo que diz: “Dê-me um cigarro”. Sou fumante. E só quem é fumante sabe a solidariedade que existe quando o seu maço acaba e você encontra outro fumante. Mas se alguém me disser isso eu nego. Pois não há bobice e frescura maiores do que alguém dizer “dê-me um cigarro”.

Todavia, os poderes constituídos têm muito com o que se preocupar ao proibir a literatura de Guimarães Rosa. E muito com o que se preocupar ao tirar o pó do coador dos mineiros. Afinal, num país em que a liberdade de expressão tem muitas dificuldades, a bobice pode se tornar uma regra filosófica. Não para as perguntas, como diria Guimarães Rosa, mas para as respostas fáceis. Contudo, é as perguntas o que importa. E elas não temem se perguntar. Caso este disparate seja aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, os mineiros não poderão jamais conhecer os improvisos do cearense Patativa do Assaré, o qual, na sua sabença, diria:

“Não tenho sabença,


pois nunca estudei,


apenas eu sei


o meu nome assiná.

Meu pai, coitadinho,


vivia sem cobre


e o fio do pobre


não pode estudá”

Nesse caso, o fio do pobre mineiro não pode estudá. Num país que tem cultuado o bom comportamento e o moralismo mais tolo, é culto oferecer respostas fáceis para problemas complexos. Como é culto é distinguir o normal e correto daquilo que é diverso e diferente. Que o leitor perdoe os meus erros de português, afinal sou avesso à cultura. Ironias à parte, que se preze a língua portuguesa. Mas que a pergunta não deixe de se perguntar: haverá bobice maior do que essa?

Fernando Filgueiras

Bobice é uma palavra bastante mineira. Designa as tolices que só os mineiros são capazes de identificar. Aliás, coisa que mineiro mais faz é declarar a bobice alheia. Seja de paulistas, cariocas, pernambucanos, gaúchos, ou qualquer outro cidadão que não seja do mundo. Alías, pó pô pó no coador, pois a acusação da bobice alheia é o esporte preferido dos mineiros.

“Mas onde é bobice a qualquer resposta, é aí que a pergunta se pergunta.” A mãe de Riobaldo, em Grande Sertões Veredas, sabia das coisas. Guimarães Rosa, sempre ele, está certo nessa pequena questão filosófica da bobice. A bobice não está nas perguntas, mas nas respostas fáceis. Especialmente quando se trata de instituições que têm o papel de dar respostas à sociedade. O problema é que ultimamente a bobice tem imperado em Minas Gerais.

Autocríticas à parte, a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais está discutindo o projeto de lei 1983/2011, de autoria do deputado Bruno Siqueira. O projeto de lei “proíbe a distribuição, na rede de ensino pública e privada do Estado de Minas Gerais, de qualquer livro que contrarie a norma culta da língua portuguesa”. Eita! Não é que a bobice chegou?

Num país com déficit de leitura como o Brasil, projeto como esse deixaria corado Guy Montag, de Fahrenheit 451. Queimemos os livros de Guimarães Rosa! Afinal, precisamos estabelecer enquadramentos, nas quais opiniões próprias devem ser proibidas e todos devem seguir o caminho da norma culta, porque sem ela não há cultura. Me dá um cigarro. Diria o bom negro e o bom branco de Oswald de Andrade. Mas é culto o indivíduo que diz: “Dê-me um cigarro”. Sou fumante. E só quem é fumante sabe a solidariedade que existe quando o seu maço acaba e você encontra outro fumante. Mas se alguém me disser isso eu nego. Pois não há bobice e frescura maiores do que alguém dizer “dê-me um cigarro”.

Todavia, os poderes constituídos têm muito com o que se preocupar ao proibir a literatura de Guimarães Rosa. E muito com o que se preocupar ao tirar o pó do coador dos mineiros. Afinal, num país em que a liberdade de expressão tem muitas dificuldades, a bobice pode se tornar uma regra filosófica. Não para as perguntas, como diria Guimarães Rosa, mas para as respostas fáceis. Contudo, é as perguntas o que importa. E elas não temem se perguntar. Caso este disparate seja aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, os mineiros não poderão jamais conhecer os improvisos do cearense Patativa do Assaré, o qual, na sua sabença, diria:

“Não tenho sabença,


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