Cultura

Relações nebulosas

Saiba por que a aproximação com Escritório Central de Arrecadação colocou a ministra da Cultura na berlinda

Desde o início da gestão de Ana de Hollanda, uma sucessiva aproximação do Ministério da Cultura com o Ecad foi observada Foto: Marcello Casal Jr/A Br
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Desde que assumiu o Ministério da Cultura, em janeiro de 2011, Ana de Hollanda é a principal ex-ministra em atividade da Esplanada  – ao menos pelo tom do noticiário. Rumores de que seria substituída no cargo surgiram e desapareceram ao longo de um ano e três meses de gestã0, por motivos ligados principalmente ao descontentamento da comunidade intelectual quanto à postura em relação aos direitos autorais e pela sucessiva aproximação da pasta ao Escritório Central de Arrecadação.

Para entender a crise é preciso primeiro compreender como funciona o Ecad. O escritório é uma sociedade civil, de natureza privada, administrada por nove associações de música. É o órgão responsável por arrecadar e distribuir os rendimentos provenientes de execuções públicas de composições nacionais e estrangeiras. Tem também o poder de estabelecer suas regras de cobrança por meio de uma lei federal de 1973 e mantido pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira, instaurada em 1998. Quando criado, o órgão era fiscalizado pelo Conselho Nacional de Direitos Autorais (CNDA). Como a entidade foi desintegrada em 1990, ano em que o Ministério da Cultura foi extinto durante o governo Collor, passou a ter uma total liberdade administrativa.

Arbitrariedades

“Essa falta de fiscalização fez com que o Ecad passasse a tomar medidas completamente arbitrárias”, afirma o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), presidente da CPI formada contra o órgão em julho de 2011. A investigação foi iniciada depois que a Secretaria de Direito Econômico (SDE) fez denúncias de exacerbação de competência legal e de estabelecimento de cartéis para a fixação de preços.

Rodrigues lembra o caso do cantor Frank Aguiar, cobrado por executar seu próprio repertório. “Ele estava fazendo uma festa de aniversário e tocava suas músicas para os amigos. Pouco tempo depois recebeu uma notificação do Ecad, com cobranças por ter executado sua própria música”. Na ocasião, o músico afirmou se sentir órfão do Escritório de Arrecadação.

No dia 5 de março, outra decisão do órgão gerou polêmica na internet. Foi anunciado que a postagens de vídeos em sites e blogs passariam a ser cobradas com o valor de 352,59 reais, não importando o fato de o Youtube e o Vimeo já terem pago pelas execuções. Depois de receber duras críticas, inclusive do próprio Google, o Ecad suspendeu a ordem.

À CartaCapital o senador disse acreditar que os dirigentes do Ecad notaram que ninguém tinha poder sobre eles e passaram a agir em sociedades. Algumas das associações ligadas ao órgão, como a Socinpro, são presididas pela mesma pessoa há aproximadamente 25 anos. “A CPI constatou que não existem rodízios de administração, um pequeno grupo de sócios é responsável por todo o Ecad. Isso gerou um ciclo vicioso de manutenção de poder”, relata.

Relações com o Ministério

O curioso é que o atual Ministério da Cultura costuma se posicionar favoravelmente ao Ecad. Justamente num momento em que o setor cultural esperava mudanças no sistema. Na época em que a CPI foi instaurada, Ana de Hollanda defendeu a instituição, dizendo que ela tem o direito de liberdade de decisão, já que não se trata de “um simples guichê, mas um centro de poder sobre as atividades de cobrança e repartição dos direitos autorais”.

A aproximação entre ministério e Ecad, entretanto, não se limita a essa ocasião. Logo que foi nomeada ministra, Ana de Hollanda retirou o selo de Creative Commons da página do Minc, ação totalmente oposta a que foi adotada por Gilberto Gil e Juca Ferreira durante o governo Lula. Em seguida, nomeou Márcia Regina Barbosa como diretora de Direitos Intelectuais, indicada ao cargo por Hildebrando Pontes, advogado do Ecad. Tibério Gaspar, ex-fiscal do órgão, foi designado assessor especial da ministra no Rio de Janeiro. “A prática de indicar nomes do Ecad ao ministério foi iniciada com Ana de Hollanda, nunca havia ocorrido isso antes”, garantiu Rodrigues.

Recentemente, o jornalista Jotabê Medeiros publicou uma reportagem no site Farofafá e gerou ainda mais polêmicas sobre a ministra. De acordo com a matéria, um suposto favorecimento foi descoberto depois da análise de documentos emitidos pelas duas instituições. O Ecad confeccionou uma peça de defesa que circulou por Brasília em novembro do ano passado e o Minc a endossou, através de um parecer técnico enviado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Ambos defendem a ideia de que o Ecad é o órgão oficial de arrecadação e distribuição de direitos autorais no País e que não é permitido que existam instituições concorrentes. Os argumentos são uma espécie de consentimento para que haja um monopólio legal impedindo a entrada de novas associações na fiscalização da execução das músicas. “Essas denúncias mostram que o relacionamento entre Ana de Hollanda e o Ecad são, no mínimo, nebulosas”, interpreta o senador.

O documento emitido pelo Minc é completamente antagônico ao parecer produzido a pedido do Ministério Público Federal durante o governo Lula. Aos olhos de Juca Ferreira, o monopólio do Ecad não abarcaria a fixação de valores unificados. O ex-ministro também defendia a existência de um mercado concorrencial com a negociação direta dos usuários com as associações. O atual ministério, contudo, incorpora o argumento do Ecad de que foi o antigo Conselho Nacional de Direitos Autorais o autor dos mecanismos em funcionamento hoje em dia.

Retrocesso

Na quarta-feira 21, Juca Ferreira afirmou que avalia a gestão de sua sucessora no Minc como sendo “‘desastrosa”. Em entrevista ao Farofafá, o ex-ministro afirmou que é explícita a ruptura com a política anteriormente adotada.

Para Ferreira, se os avanços de Dilma no setor econômico e na redução da desigualdade social são reflexos de um programa de continuidade em relação ao governo Lula, a área cultural foi deixada de lado.

Prova disso, disse, foi o fato de Ana de Hollanda ter afirmado que a pirataria vai “matar a produção cultural brasileira”. Ao contrário do que diz a ministra, Ferreira acredita que a internet é um meio de facilitar o acesso à informação e que as políticas a ser adotadas deveriam partir do pressuposto de que a rede veio para ficar e que não se pode colocar o direito do autor em contradição com o de acesso à cultura.

Outras irregularidades

O senador Randolfe Rodrigues diz que apesar de as investigações da CPI só serem finalizadas em maio, algumas evidências já podem ser apontadas. Para ele, o Ecad está se apropriando de parte da quantia gerada com os direitos autorais. “Em 2010 eles arrecadaram 430 milhões de reais e apenas 70% desse valor foi distribuído para os artistas. O resto ficou para o que eles chamam de ‘atividade-meio’, dinheiro a  para manutenção do órgão”, conta.

Outra questão abordada pelo senador é o fato de que a Lei do Direito Autoral deixa claro que o Ecad é uma entidade que não tem finalidade de obtenção de lucro. Entretanto, costuma embolsar o dinheiro de arrecadação de direitos autorais cujos donos são desconhecidos. “Por exemplo, se o Ecad arrecadar 10 mil reais de um compositor e ele nunca aparecer para resgatar esse dinheiro, isso vai para a conta deles”. Em tese, o dinheiro deveria ficar numa conta separada à espera da manifestação dos respectivos artistas.

Conclusões da CPI

Rodrigues afirma que a principal conclusão a que chegou a CPI foi a necessidade de reforma da lei do direito autoral. “A lei 9610 é de 1998, naquela época ainda não existia a internet. Essa legislação está anacrônica”, argumenta. O senador também deixa claro que a liberdade do Ecad deve ser reduzida. “É preciso que se crie uma instituição pública responsável por fiscalizar toda essa arrecadação e que assuma o controle desses acessos”.

Por fim, completa que a CPI pedirá o indiciamento de pelo menos quatro dos diretores do Ecad por formação de quadrilha, cartelização e apropriação indébita.

Ana de Hollanda poderia ser indiciada por “advocacia administrativa”, quando funcionário público patrocina, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário.

As denúncias geraram manifestos de intelectuais em favor da saída da ministra. Atores como Fernanda Montenegro e Dan Stulbach apoiam a nomeação de Danilo Miranda, diretor do Sesc São Paulo, para o cargo. Marilena Chauí, professora do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, afirma que o “despreparo do Minc é dolorosamente evidente”.

Diante das acusações, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovou na terça-feira 13 um convite à ministra para que ela fale a respeito do assunto. O próprio senador solicitou o requerimento, mas Ana de Hollanda ainda não anunciou se aceitará o convite.

Desde que assumiu o Ministério da Cultura, em janeiro de 2011, Ana de Hollanda é a principal ex-ministra em atividade da Esplanada  – ao menos pelo tom do noticiário. Rumores de que seria substituída no cargo surgiram e desapareceram ao longo de um ano e três meses de gestã0, por motivos ligados principalmente ao descontentamento da comunidade intelectual quanto à postura em relação aos direitos autorais e pela sucessiva aproximação da pasta ao Escritório Central de Arrecadação.

Para entender a crise é preciso primeiro compreender como funciona o Ecad. O escritório é uma sociedade civil, de natureza privada, administrada por nove associações de música. É o órgão responsável por arrecadar e distribuir os rendimentos provenientes de execuções públicas de composições nacionais e estrangeiras. Tem também o poder de estabelecer suas regras de cobrança por meio de uma lei federal de 1973 e mantido pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira, instaurada em 1998. Quando criado, o órgão era fiscalizado pelo Conselho Nacional de Direitos Autorais (CNDA). Como a entidade foi desintegrada em 1990, ano em que o Ministério da Cultura foi extinto durante o governo Collor, passou a ter uma total liberdade administrativa.

Arbitrariedades

“Essa falta de fiscalização fez com que o Ecad passasse a tomar medidas completamente arbitrárias”, afirma o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), presidente da CPI formada contra o órgão em julho de 2011. A investigação foi iniciada depois que a Secretaria de Direito Econômico (SDE) fez denúncias de exacerbação de competência legal e de estabelecimento de cartéis para a fixação de preços.

Rodrigues lembra o caso do cantor Frank Aguiar, cobrado por executar seu próprio repertório. “Ele estava fazendo uma festa de aniversário e tocava suas músicas para os amigos. Pouco tempo depois recebeu uma notificação do Ecad, com cobranças por ter executado sua própria música”. Na ocasião, o músico afirmou se sentir órfão do Escritório de Arrecadação.

No dia 5 de março, outra decisão do órgão gerou polêmica na internet. Foi anunciado que a postagens de vídeos em sites e blogs passariam a ser cobradas com o valor de 352,59 reais, não importando o fato de o Youtube e o Vimeo já terem pago pelas execuções. Depois de receber duras críticas, inclusive do próprio Google, o Ecad suspendeu a ordem.

À CartaCapital o senador disse acreditar que os dirigentes do Ecad notaram que ninguém tinha poder sobre eles e passaram a agir em sociedades. Algumas das associações ligadas ao órgão, como a Socinpro, são presididas pela mesma pessoa há aproximadamente 25 anos. “A CPI constatou que não existem rodízios de administração, um pequeno grupo de sócios é responsável por todo o Ecad. Isso gerou um ciclo vicioso de manutenção de poder”, relata.

Relações com o Ministério

O curioso é que o atual Ministério da Cultura costuma se posicionar favoravelmente ao Ecad. Justamente num momento em que o setor cultural esperava mudanças no sistema. Na época em que a CPI foi instaurada, Ana de Hollanda defendeu a instituição, dizendo que ela tem o direito de liberdade de decisão, já que não se trata de “um simples guichê, mas um centro de poder sobre as atividades de cobrança e repartição dos direitos autorais”.

A aproximação entre ministério e Ecad, entretanto, não se limita a essa ocasião. Logo que foi nomeada ministra, Ana de Hollanda retirou o selo de Creative Commons da página do Minc, ação totalmente oposta a que foi adotada por Gilberto Gil e Juca Ferreira durante o governo Lula. Em seguida, nomeou Márcia Regina Barbosa como diretora de Direitos Intelectuais, indicada ao cargo por Hildebrando Pontes, advogado do Ecad. Tibério Gaspar, ex-fiscal do órgão, foi designado assessor especial da ministra no Rio de Janeiro. “A prática de indicar nomes do Ecad ao ministério foi iniciada com Ana de Hollanda, nunca havia ocorrido isso antes”, garantiu Rodrigues.

Recentemente, o jornalista Jotabê Medeiros publicou uma reportagem no site Farofafá e gerou ainda mais polêmicas sobre a ministra. De acordo com a matéria, um suposto favorecimento foi descoberto depois da análise de documentos emitidos pelas duas instituições. O Ecad confeccionou uma peça de defesa que circulou por Brasília em novembro do ano passado e o Minc a endossou, através de um parecer técnico enviado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Ambos defendem a ideia de que o Ecad é o órgão oficial de arrecadação e distribuição de direitos autorais no País e que não é permitido que existam instituições concorrentes. Os argumentos são uma espécie de consentimento para que haja um monopólio legal impedindo a entrada de novas associações na fiscalização da execução das músicas. “Essas denúncias mostram que o relacionamento entre Ana de Hollanda e o Ecad são, no mínimo, nebulosas”, interpreta o senador.

O documento emitido pelo Minc é completamente antagônico ao parecer produzido a pedido do Ministério Público Federal durante o governo Lula. Aos olhos de Juca Ferreira, o monopólio do Ecad não abarcaria a fixação de valores unificados. O ex-ministro também defendia a existência de um mercado concorrencial com a negociação direta dos usuários com as associações. O atual ministério, contudo, incorpora o argumento do Ecad de que foi o antigo Conselho Nacional de Direitos Autorais o autor dos mecanismos em funcionamento hoje em dia.

Retrocesso

Na quarta-feira 21, Juca Ferreira afirmou que avalia a gestão de sua sucessora no Minc como sendo “‘desastrosa”. Em entrevista ao Farofafá, o ex-ministro afirmou que é explícita a ruptura com a política anteriormente adotada.

Para Ferreira, se os avanços de Dilma no setor econômico e na redução da desigualdade social são reflexos de um programa de continuidade em relação ao governo Lula, a área cultural foi deixada de lado.

Prova disso, disse, foi o fato de Ana de Hollanda ter afirmado que a pirataria vai “matar a produção cultural brasileira”. Ao contrário do que diz a ministra, Ferreira acredita que a internet é um meio de facilitar o acesso à informação e que as políticas a ser adotadas deveriam partir do pressuposto de que a rede veio para ficar e que não se pode colocar o direito do autor em contradição com o de acesso à cultura.

Outras irregularidades

O senador Randolfe Rodrigues diz que apesar de as investigações da CPI só serem finalizadas em maio, algumas evidências já podem ser apontadas. Para ele, o Ecad está se apropriando de parte da quantia gerada com os direitos autorais. “Em 2010 eles arrecadaram 430 milhões de reais e apenas 70% desse valor foi distribuído para os artistas. O resto ficou para o que eles chamam de ‘atividade-meio’, dinheiro a  para manutenção do órgão”, conta.

Outra questão abordada pelo senador é o fato de que a Lei do Direito Autoral deixa claro que o Ecad é uma entidade que não tem finalidade de obtenção de lucro. Entretanto, costuma embolsar o dinheiro de arrecadação de direitos autorais cujos donos são desconhecidos. “Por exemplo, se o Ecad arrecadar 10 mil reais de um compositor e ele nunca aparecer para resgatar esse dinheiro, isso vai para a conta deles”. Em tese, o dinheiro deveria ficar numa conta separada à espera da manifestação dos respectivos artistas.

Conclusões da CPI

Rodrigues afirma que a principal conclusão a que chegou a CPI foi a necessidade de reforma da lei do direito autoral. “A lei 9610 é de 1998, naquela época ainda não existia a internet. Essa legislação está anacrônica”, argumenta. O senador também deixa claro que a liberdade do Ecad deve ser reduzida. “É preciso que se crie uma instituição pública responsável por fiscalizar toda essa arrecadação e que assuma o controle desses acessos”.

Por fim, completa que a CPI pedirá o indiciamento de pelo menos quatro dos diretores do Ecad por formação de quadrilha, cartelização e apropriação indébita.

Ana de Hollanda poderia ser indiciada por “advocacia administrativa”, quando funcionário público patrocina, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário.

As denúncias geraram manifestos de intelectuais em favor da saída da ministra. Atores como Fernanda Montenegro e Dan Stulbach apoiam a nomeação de Danilo Miranda, diretor do Sesc São Paulo, para o cargo. Marilena Chauí, professora do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, afirma que o “despreparo do Minc é dolorosamente evidente”.

Diante das acusações, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovou na terça-feira 13 um convite à ministra para que ela fale a respeito do assunto. O próprio senador solicitou o requerimento, mas Ana de Hollanda ainda não anunciou se aceitará o convite.

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