Política

Peemedebismo à prova

A presidenta assume a coordenação política e muda sua agenda em nome da governabilidade

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O terceiro ano de mandato de Dilma Rousseff também será o mais peemedebista dos anos desde que o PT chegou ao poder, em 2002. Menos mal que a presidenta tenha aprendido a se relacionar melhor com os caciques do partido, porque o PMDB estará em toda parte: na presidência da Câmara e do Senado e no lugar de vice do PT em inúmeras prefeituras Brasil afora, clonando o modelo Dilma-Michel Temer. Em várias outras cidades, a sina se inverte e o PT é que ocupa a vice-prefeitura.

O convívio cotidiano entre os dois partidos será posto à prova em duas capitais, Rio de Janeiro e Goiânia. No Rio, o PT ocupa a vice do peemedebista Eduardo Paes; na capital goiana, o PMDB é que é vice do petista Paulo Garcia. No interior do País, a dobradinha no gabinete se repete principalmente nos estados de São Paulo (24 prefeituras) e Goiás (17 prefeituras). Desde que os partidos iniciaram uma parceria política, em 2004, nunca a simbiose entre PT e PMDB foi tão intensa.

 

 

Trata-se de um desafio para os novos prefeitos, assim como tem sido para Dilma de 2010 para cá. A evolução da convivência entre a presidenta e o PMDB foi lenta, gradual e restrita. Dilma tinha má impressão do partido desde a época em que ocupava os ministérios das Minas e Energia e Casa Civil, no governo Lula. Durante a campanha presidencial, o relacionamento entre o candidato a vice Michel Temer e a titular era tão formal que ambos se tratavam por “senhor” e “senhora”.

No primeiro ano do governo, quem fosse ao Congresso só ouviria queixas dos peemedebistas em relação à presidenta: “Não recebe ninguém”, “não gosta de políticos”, “é incapaz de agradar aos aliados”. Em 2012, tudo mudou. Dilma passou a receber com frequência no Palácio do Planalto os líderes peemedebistas, sobretudo José Sarney e Renan Calheiros. Com Renan, se aproximaria ainda mais durante a apreciação da Medida Provisória das concessionárias do setor elétrico, no fim do ano passado. Relator da MP, Calheiros foi considerado o principal artífice da vitória do governo na votação.

Na confraternização de fim de ano da presidenta com os políticos no Alvorada, Dilma fez questão de, numa roda de senadores, cumprimentar Calheiros diretamente. “Muito obrigada, você foi fundamental”, disse a presidenta. Se de fato for confirmada a recondução de Renan à presidência do Senado, seis anos após a renúncia motivada por denúncias, em 2007, será num momento em que o senador vive o melhor dos mundos com o Planalto.

Seguindo o exemplo de Lula, Dilma, que era “gelo total” com os políticos, na definição de um interlocutor, passou a ser mais atenciosa e a telefonar mais para os parlamentares. Tomou para si a articulação política, pelo menos no que tange aos líderes. Com Temer, Dilma passou a fazer questão de avisar sempre que vai receber um líder de outro partido – principalmente Eduardo Campos, do PSB. E também descobriu uma forma de prestigiar o vice: mandá-lo mais para viagens oficiais ao exterior representando o País.

Em dois anos, Temer já esteve na Coreia do Sul, Líbano, Moçambique, Reino Unido, Paraguai, Turquia, Suécia, Itália, Estados Unidos, Alemanha e Rússia. Os encontros de Michel Temer com Dmitri Medvedev foram tão frequentes que, quando Dilma esteve em Moscou, em dezembro, ficou surpresa de ver que o premier russo já sabia chamar seu vice pelo nome. Em fevereiro, Medvedev virá ao Brasil e já marcou um espaço na agenda para se reencontrar com Temer.

No Planalto, exceto pelo fracasso na votação do Código Florestal, bem no começo do governo Dilma, a avaliação é de que o PMDB, capitaneado pelo vice-presidente, tem dado pouco trabalho e demonstrado extrema fidelidade ao governo. Não à toa, é Temer quem tem articulado contra a intenção do deputado Eduardo Cunha (RJ) de se lançar à liderança do PMDB na Câmara. Historicamente ligado ao setor elétrico, Cunha foi um dos que se empenhavam em derrubar a MP que Dilma tanto quis aprovar. Em 2011, a presidenta já havia comprado briga com o parlamentar fluminense ao demitir o comando de Furnas Centrais Elétricas, indicação de Cunha.

Tanto Temer quanto Henrique Eduardo Alves – favorito à presidência da Câmara – se opõem à candidatura de Eduardo Cunha à liderança do partido, que conta, porém, com o apoio do governador do Rio, Sérgio Cabral Filho, e do prefeito Eduardo Paes. Nos bastidores, suspeita-se que o parlamentar esteja por trás das denúncias que vêm pipocando nos últimos dias na imprensa contra Henrique Alves. Uma delas apontou um assessor de Alves havia 13 anos como beneficiário de dinheiro de emendas parlamentares destinadas pelo deputado para obras em seu estado natal, o Rio Grande do Norte. O assessor acabou se demitindo.

Não é de agora, no entanto, o envolvimento do provável futuro presidente da Câmara em denúncias. Em junho de 2012, o Ministério Público do Rio Grande do Norte deflagrou uma operação resultante de cerca de um ano e meio de investigações. Batizada de Assepsia, a operação desvendou um esquema de corrupção relacionado à atuação de Organizações Sociais (OS) no estado, mas com desdobramentos em outros, como o Rio de Janeiro, sede da Associação Marca, principal OS investigada. O nome de Henrique Alves aparece como suposto intermediador em uma negociação que teria beneficiado o esquema.

Por causa da Operação Assepsia, em 31 de outubro de 2012 a então prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV), terminou afastada do cargo pelo Tribunal de Justiça estadual. A investigação descobriu que Micarla tinha contas pessoais pagas por envolvidos diretamente no esquema, possivelmente com desvio de recursos públicos.

Foram presos, entre outros, o ex-secretário de Saúde do município de Natal, Thiago Barbosa Trindade; o ex-secretário de Saúde do município do Rio de Janeiro, Antônio Carlos de Oliveira Júnior, o Maninho; sua esposa Rosimar Bravo, da Associação Marca; o secretário municipal de Planejamento da prefeitura de Natal, Antônio Carlos Soares Luna; e o procurador municipal Alexandre Magno Alves de Souza. Nenhum deles permanece preso.

Foi pedida ainda a prisão do médico e empresário carioca Tufi Soares Meres, que está foragido. As investigações mostraram que Tufi comanda um grupo de empresas, algumas delas disfarçadas de organizações sociais sem fins lucrativos como a Marca, para conseguir contratos de forma fraudulenta para operar unidades hospitalares, não apenas em Natal.

É na negociação para a entrada da Associação Marca na administração do Hospital da Mulher, em Mossoró, que entra em cena um personagem que vincula o esquema ao deputado federal Henrique Alves. Em depoimento ao Ministério Público, o ex-secretário estadual de Saúde Domício Arruda afirmou que a governadora Rosalba Ciarlini (DEM) tinha um compromisso para a contratação da Marca em Mossoró. Aparentemente, esse compromisso foi acertado entre Tufi Meres, líder da organização criminosa, e o deputado federal Henrique Alves, pessoalmente.

Cláudio Varela da Fonseca, identificado pelo MP-RN como lobista, foi flagrado em conversas com envolvidos no esquema criminoso. Além disso, contra ele aparece um depósito no valor de 6,3 mil reais feito pela Salute Sociale. Varela tem fortes ligações com o PMDB local e com a família Alves. Ele é cunhado de Francisco Alves, conhecido como Chiquinho Alves.

Filho da irmã mais velha do falecido ex-ministro Aluízio Alves, patriarca do clã, e do senador Garibaldi Alves (pai), Chiquinho é primo legítimo de Henrique Alves e do ministro da Previdência, Garibaldi Filho, e foi responsável pela estruturação e direção da TV Cabugi, afiliada da Rede Globo em Natal. Negociada com o Grupo InterTV, os Alves ainda possuem participação acionária e têm influência editorial na emissora.

Nas conversas flagradas pelo MP, Varela aparece negociando um encontro de Tufi Meres com Henrique Alves e seu primo, o ministro da Previdência Garibaldi Alves. Em um e-mail de setembro de 2011, Meres confirma o encontro com o deputado, com quem diz haver tratado “da gestão do hospital”. Fato é que a associação Marca, de Meres, foi a escolhida para administrar o Hospital da Mulher em Mossoró, pelo valor de mais de 18 milhões de reais. Desse montante, as investigações apontaram um desvio da ordem de 8 milhões de reais.

A possibilidade de que Henrique Alves se veja envolvido em denúncias mais graves nos próximos dias deixa o Planalto um tanto cético quanto à sua eleição para a presidência da Câmara, ao contrário do que acontece com Renan Calheiros, tido como “barbada”. Mas, se foi útil para Dilma na MP das elétricas, não se pode dizer que Calheiros esteja livre das denúncias. Na semana passada, veio à tona um pedido do Ministério Público Federal para que o Supremo autorize a investigação de uma denúncia de crime ambiental envolvendo o senador. A Agropecuária Alagoas Ltda., de Renan, é acusada pelo MP de pavimentar ilegalmente uma estrada de 700 metros numa estação ecológica.

Cercado pelo PMDB por todos os lados, o dilema do PT situa-se justamente em estar cada dia mais ligado a um partido cujas práticas historicamente rejeitou, mas que se tem revelado um aliado fundamental para garantir a chamada “governabilidade”. “É impossível governar sem o PMDB”, defende a cientista política Lúcia Avelar, da Unicamp. “À medida que foi governando, Dilma foi reconhecendo isso. Pode até espernear de vez em quando, mas a realidade é essa.”

Enquanto isso, antigas bandeiras de esquerda do partido ficam para trás. Uma proposta de imposto sobre as grandes fortunas, por exemplo, está prestes a entrar no plenário da Câmara. Interessará ao PT colocá-la como prioridade? O lado bom de se aliar ao PMDB é que sempre se poderá culpá-lo pela rejeição de projetos desse naipe.

 

*Colaborou Daniel Dantas Lemos, de Natal

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