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O mundo árabe pode construir democracias?

Luiz Felipe Pondé diz que não há no Oriente Médio “povo em busca de igualdade democrática”. É puro preconceito

Mohamed Morsi, novo presidente do Egito, faz discurso na praça Tahrir, no Cairo, após ser confirmado como vencedor das eleições. Foto: Egyptian Presidency / AFP
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Em artigo publicado na segunda-feira 2 na Folha de S.Paulo, o polemista Luiz Felipe Pondé descreveu uma série de matizes na esquerda, um campo ideológico que considera uma “praga” da qual o mundo não se livrou. Em um dos parágrafos de seu texto, Pondé, num espaço de apenas 427 toques, demonstrou uma altíssima carga de preconceito e revelou ter uma característica que atribuiu a seus rivais ideológicos: um enorme desconhecimento com relação ao Oriente Médio.

Segundo Pondé, a Primavera Árabe “renovou” a esquerda pois esta “flerta” com os movimentos islamitas ao confundir “o fanatismo islamita com o fanatismo revolucionário”. Ainda segundo Pondé, em todo o Oriente Médio não existe “povo em busca de igualdade democrática, mas sim fiéis em busca de tutela absoluta”.

Em primeiro lugar, é preciso fugir da primeira generalização de Pondé, a de que toda a esquerda se sentiu “renovada” com a Primavera Árabe. É verdade que nem todo esquerdista é um democrata. Há quem celebre atos anti-americanos, mesmo envolvendo atrocidades. As execráveis comemorações no Ocidente após o 11 de Setembro servirão de prova eterna quanto a isso. Esses, parte, mas não o todo da esquerda, devem ser criticados duramente.

Em segundo lugar, deve-se destacar a existência de esquerdistas que, como Pondé, suspeitam do futuro da Primavera Árabe. Talvez Pondé desconheça Rif’at Al-Said, líder Al-Tagammu, tradicional partido socialista do Egito. Para Al-Said, a chegada ao poder no Egito do Partido Liberdade e Justiça (braço político da Irmandade Muçulmana) é altamente perigosa, pois a tendência, segundo ele, é que a Irmandade “jamais queira entregar o poder no futuro”.

Analistas de esquerda ou de direita, mas ponderados (e, portanto, diferentes de Pondé), têm posição intermediária. Para esses, a vitória de partidos islamitas no contexto pós-Primavera Árabe deve ser respeitada quando legítima e fiscalizada para que essas siglas participem da formação de estados civis e democráticos, e não da criação de novos Irãs, autoritários e teocráticos. A Irmandade Muçulmana no Egito e outros partidos de base religiosa têm uma tremenda responsabilidade pela frente. Vão comandar o processo de construção e fortalecimento de instituições capazes de garantir a existência da democracia. Nada e nem ninguém pode garantir que será positivo o resultado dos governos islamitas, mas há motivos para crer que se manterão no caminho civil e não no religioso.

Em maio, o Carnegie, um conceituado centro de estudos norte-americano (que não pode ser rotulado de esquerdista), publicou um longo estudo sobre o PLJ (Egito), o Ennahda (Tunísia) e o Partido Justiça e Desenvolvimento (Marrocos), três partidos islamistas atualmente no governo de seus países. A conclusão foi de que, por seus atos realizados até agora, os três devem ser considerados moderados. A mesma impressão sobre esses partidos tem o governo dos Estados Unidos. Desde julho de 2011, a administração Barack Obama está em contato com a Irmandade Muçulmana e outros partidos religiosos do Oriente Médio. Esta estratégia não foi inventada pelo esquerdista (para alguns) Obama, mas sim pela administração George W. Bush, outro que jamais foi acusado de ser de esquerda. No cerne dos contatos está a percepção de que a democratização do mundo árabe exige aproximação com os movimentos religiosos.

A percepção americana é, de fato, majoritária entre os executores de políticas governamentais hoje em dia, dos Estados Unidos à China, passando por Europa e Rússia. Até mesmo o governo radical (de direita) de Israel fez um primeiro aceno positivo ao governo da Irmandade Muçulmana no Egito. Por trás desta política está o entendimento de que o círculo vicioso de autoritarismo, fundamentalismo e atraso institucional que impediu o estabelecimento de regimes democráticos no mundo árabe-muçulmano tem raízes históricas e não étnicas, culturais ou religiosas. Na verdade, a ideia defendida por Pondé, de que no Oriente Médio não existe “povo em busca de igualdade democrática”, encontra guarida hoje em pensamentos extremistas, à direita e à esquerda, que só conseguem enxergar nos outros o seu pior defeito: a incapacidade de mudar.

Em artigo publicado na segunda-feira 2 na Folha de S.Paulo, o polemista Luiz Felipe Pondé descreveu uma série de matizes na esquerda, um campo ideológico que considera uma “praga” da qual o mundo não se livrou. Em um dos parágrafos de seu texto, Pondé, num espaço de apenas 427 toques, demonstrou uma altíssima carga de preconceito e revelou ter uma característica que atribuiu a seus rivais ideológicos: um enorme desconhecimento com relação ao Oriente Médio.

Segundo Pondé, a Primavera Árabe “renovou” a esquerda pois esta “flerta” com os movimentos islamitas ao confundir “o fanatismo islamita com o fanatismo revolucionário”. Ainda segundo Pondé, em todo o Oriente Médio não existe “povo em busca de igualdade democrática, mas sim fiéis em busca de tutela absoluta”.

Em primeiro lugar, é preciso fugir da primeira generalização de Pondé, a de que toda a esquerda se sentiu “renovada” com a Primavera Árabe. É verdade que nem todo esquerdista é um democrata. Há quem celebre atos anti-americanos, mesmo envolvendo atrocidades. As execráveis comemorações no Ocidente após o 11 de Setembro servirão de prova eterna quanto a isso. Esses, parte, mas não o todo da esquerda, devem ser criticados duramente.

Em segundo lugar, deve-se destacar a existência de esquerdistas que, como Pondé, suspeitam do futuro da Primavera Árabe. Talvez Pondé desconheça Rif’at Al-Said, líder Al-Tagammu, tradicional partido socialista do Egito. Para Al-Said, a chegada ao poder no Egito do Partido Liberdade e Justiça (braço político da Irmandade Muçulmana) é altamente perigosa, pois a tendência, segundo ele, é que a Irmandade “jamais queira entregar o poder no futuro”.

Analistas de esquerda ou de direita, mas ponderados (e, portanto, diferentes de Pondé), têm posição intermediária. Para esses, a vitória de partidos islamitas no contexto pós-Primavera Árabe deve ser respeitada quando legítima e fiscalizada para que essas siglas participem da formação de estados civis e democráticos, e não da criação de novos Irãs, autoritários e teocráticos. A Irmandade Muçulmana no Egito e outros partidos de base religiosa têm uma tremenda responsabilidade pela frente. Vão comandar o processo de construção e fortalecimento de instituições capazes de garantir a existência da democracia. Nada e nem ninguém pode garantir que será positivo o resultado dos governos islamitas, mas há motivos para crer que se manterão no caminho civil e não no religioso.

Em maio, o Carnegie, um conceituado centro de estudos norte-americano (que não pode ser rotulado de esquerdista), publicou um longo estudo sobre o PLJ (Egito), o Ennahda (Tunísia) e o Partido Justiça e Desenvolvimento (Marrocos), três partidos islamistas atualmente no governo de seus países. A conclusão foi de que, por seus atos realizados até agora, os três devem ser considerados moderados. A mesma impressão sobre esses partidos tem o governo dos Estados Unidos. Desde julho de 2011, a administração Barack Obama está em contato com a Irmandade Muçulmana e outros partidos religiosos do Oriente Médio. Esta estratégia não foi inventada pelo esquerdista (para alguns) Obama, mas sim pela administração George W. Bush, outro que jamais foi acusado de ser de esquerda. No cerne dos contatos está a percepção de que a democratização do mundo árabe exige aproximação com os movimentos religiosos.

A percepção americana é, de fato, majoritária entre os executores de políticas governamentais hoje em dia, dos Estados Unidos à China, passando por Europa e Rússia. Até mesmo o governo radical (de direita) de Israel fez um primeiro aceno positivo ao governo da Irmandade Muçulmana no Egito. Por trás desta política está o entendimento de que o círculo vicioso de autoritarismo, fundamentalismo e atraso institucional que impediu o estabelecimento de regimes democráticos no mundo árabe-muçulmano tem raízes históricas e não étnicas, culturais ou religiosas. Na verdade, a ideia defendida por Pondé, de que no Oriente Médio não existe “povo em busca de igualdade democrática”, encontra guarida hoje em pensamentos extremistas, à direita e à esquerda, que só conseguem enxergar nos outros o seu pior defeito: a incapacidade de mudar.

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