Política

O homem invisível

De volta ao Senado, Jader Barbalho esgueira-se pelos corredores do Congresso

Na volta do ano parlamentar, Barbalho, que já foi rei em Brasília, opta por aparições relâmpago, conversas na coxia e o conforto do andar a ele destinado. Foto:Valter Campanato/ABr
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Cadê jader Barbalho? Ninguém sabe, ninguém viu.

Para quem fez questão de tomar posse em pleno recesso parlamentar, depois de um imbróglio jurídico que o deixou fora do Senado durante todo o primeiro ano de mandato, parecia que o paraense ia protagonizar um retorno triunfal. Após dez anos fora da Casa, à qual renunciou para fugir à cassação, Barbalho era aguardado como uma espécie de fênix com cabelos de graúna. Mas, ao menos até agora, o peemedebista tem optado por um estilo discreto, discretíssimo. Ou melhor, quase invisível.

Liberado pelo Supremo Tribunal Federal para exercer o cargo após o julgamento que considerou a Ficha Limpa inválida para quem se elegeu em 2010, Barbalho assumiu o Senado no lugar de Marinor Brito (PSOL) em 29 de dezembro. Na época, definiu seu retorno como “confortável”, embora garantisse não ter a ambição de voltar a ocupar altos cargos no Legislativo – ele chegou a ser presidente do Congresso em 2001. A seu lado na posse, Daniel, de 9 anos, seu filho, mostrava a língua aos fotógrafos, zombeteiramente.

Depois disso, o paraense sumiu. Na primeira semana do ano legislativo pós-carnaval, foi pouquíssimo visto no plenário e nas comissões. Em seu gabinete, informavam que o peemedebista estava “em audiência” ou “em reunião”. Até a assessora de imprensa do senador desapareceu (estaria de férias), apesar de os trabalhos já terem sido retomados.

Na terça-feira 28, à tarde, o senador fez uma aparição relâmpago. Foi ao plenário para registrar presença, ficou sentado durante poucos minutos, e não mais foi visto. No dia seguinte à tarde, não deu o ar da graça, embora não tenha sido o único a faltar. Às 16 horas, enquanto o senador Paulo Davim (PV-RN) ocupava a tribuna para falar da incidência de catarata na população brasileira, havia oito senadores no plenário. Na presidência dos trabalhos, uma sonolenta Marta Suplicy, tal professorinha primária, fazia a chamada dos oradores inscritos para discursar. Silêncio.

Pouco depois, com a sirene a convocar para votação, chegaram a comparecer cerca de 30 dos 81 senadores. Barbalho não estava entre eles. No fundo do plenário, dois funcionários especulavam sobre a ausência do paraense.

“Ele não vai aparecer. Só veio ontem, não vai vir dois dias seguidos. Para quê? A esta altura, já voltou para o Pará.”

“Ele não precisa aparecer, já está mandando em tudo aqui. Ontem o presidente José Sarney desceu da mesa para cumprimentá-lo. E ele ficou sentado, enquanto Sarney conversava de pé.”

Sarney é um dos poucos senadores contemporâneos dos tempos áureos de Barbalho. Quase todos os que conviveram com ele no auge já se foram, até mesmo os desafetos. Sua rentrée na Casa faz voltar à memória sombrias figuras idas, vivas ou mortas, como Antonio Carlos Magalhães, Luiz Estevão ou José Roberto Arruda, que entre 2000 e 2001 seriam submetidos a processos de cassação. Estevão foi cassado. ACM e Arruda renunciaram.

Dá até um certo saudosismo mórbido: naquele tempo, o Senado viveu uma fase “mágica” de guerra entre coronéis da política. Não eram só bate-bocas triviais ou ocasionais apartes como agora. A troca de insultos pesados era cortesia da casa: ACM chamava Barbalho de “ladrão”, este chamava o baiano de “corrupto” e “farsante”. Barbalho dizia que ACM ia mandar matá-lo, o baiano respondia que o paraense ia acabar preso. Choviam pedidos de CPIs de um lado e de outro. Uma animação que rendia manchetes. Outra época, suspirariam alguns.

Barbalho não tem mais ACM no seu encalço, mas isso não significa que terá paz. Em 7 de fevereiro, feliz ante a possibilidade de uma tarde tranquila pela frente, o senador foi surpreendido ao chegar ao plenário com a notícia de que sofreria um ataque virulento proferido da tribuna por seu atual arqui-inimigo, o senador Mário Couto. Dono de um temperamento histriônico, Couto é conhecido por fazer discursos estapeando a mesa. Contra o peemedebista, o senador tucano, seu conterrâneo do Pará, ameaça desenrolar uma “minissérie” na tribuna cada vez que o colega aparecer em plenário.

Naquela tarde, soltou o primeiro capítulo. “Como é que senadores, políticos que seguiram a mesma carreira minha, entram aqui milionários? Diga-me, nação brasileira, como pode? Aqueles que fizeram exatamente o mesmo caminho que eu, como podem ter televisão, jornais, rádios, fazendas? Como pode, Brasil? Político que só militou na política e que vira rico de uma hora para outra é ladrão!”, desferiu Couto, que reclamava do tratamento dado a ele pelo jornal Diário do Pará, que integra um império de comunicação da família Barbalho.

“Essa minissérie começou hoje. Se querem briga, vamos para a briga, vamos para o pau. Cada um sabe como fede. Esse é o início da minissérie. Pode vir quente que eu estou fervendo”, ameaçou o senador, esbofeteando como sempre a tribuna, com ambas as mãos. Barbalho nem chegou a ouvir o capítulo de estreia: tratou de sair à francesa, pouco antes do discurso do oponente.

Pergunto a Couto por que o desafeto não tem aparecido no plenário. Ele responde com uma gargalhada. “Não imagino por que, será que foi por causa do meu discurso?”, provoca, e aproveita para reclamar das regalias do desafeto. “O gabinete dele é melhor do que o meu, que estou há sete anos aqui.”

Mesmo em seu novo estilo low profile, Barbalho conseguiu uma vaguinha no concorrido anexo I do Senado. “Vaguinha” é modo de dizer: ocupa todo o segundo andar do prédio. E não é só Couto quem anda com ciúmes. Os gabinetes localizados no edifício, um dos dois espigões que costumam aparecer nos cartões postais de Brasília, são objeto de desejo de todos os senadores por darem direito a amplos janelões niemeyerianos, com vista para o Palácio do Planalto. Se continuar afastado do plenário, o que não vai faltar a Barbalho é tempo para apreciar a paisagem.

Cadê jader Barbalho? Ninguém sabe, ninguém viu.

Para quem fez questão de tomar posse em pleno recesso parlamentar, depois de um imbróglio jurídico que o deixou fora do Senado durante todo o primeiro ano de mandato, parecia que o paraense ia protagonizar um retorno triunfal. Após dez anos fora da Casa, à qual renunciou para fugir à cassação, Barbalho era aguardado como uma espécie de fênix com cabelos de graúna. Mas, ao menos até agora, o peemedebista tem optado por um estilo discreto, discretíssimo. Ou melhor, quase invisível.

Liberado pelo Supremo Tribunal Federal para exercer o cargo após o julgamento que considerou a Ficha Limpa inválida para quem se elegeu em 2010, Barbalho assumiu o Senado no lugar de Marinor Brito (PSOL) em 29 de dezembro. Na época, definiu seu retorno como “confortável”, embora garantisse não ter a ambição de voltar a ocupar altos cargos no Legislativo – ele chegou a ser presidente do Congresso em 2001. A seu lado na posse, Daniel, de 9 anos, seu filho, mostrava a língua aos fotógrafos, zombeteiramente.

Depois disso, o paraense sumiu. Na primeira semana do ano legislativo pós-carnaval, foi pouquíssimo visto no plenário e nas comissões. Em seu gabinete, informavam que o peemedebista estava “em audiência” ou “em reunião”. Até a assessora de imprensa do senador desapareceu (estaria de férias), apesar de os trabalhos já terem sido retomados.

Na terça-feira 28, à tarde, o senador fez uma aparição relâmpago. Foi ao plenário para registrar presença, ficou sentado durante poucos minutos, e não mais foi visto. No dia seguinte à tarde, não deu o ar da graça, embora não tenha sido o único a faltar. Às 16 horas, enquanto o senador Paulo Davim (PV-RN) ocupava a tribuna para falar da incidência de catarata na população brasileira, havia oito senadores no plenário. Na presidência dos trabalhos, uma sonolenta Marta Suplicy, tal professorinha primária, fazia a chamada dos oradores inscritos para discursar. Silêncio.

Pouco depois, com a sirene a convocar para votação, chegaram a comparecer cerca de 30 dos 81 senadores. Barbalho não estava entre eles. No fundo do plenário, dois funcionários especulavam sobre a ausência do paraense.

“Ele não vai aparecer. Só veio ontem, não vai vir dois dias seguidos. Para quê? A esta altura, já voltou para o Pará.”

“Ele não precisa aparecer, já está mandando em tudo aqui. Ontem o presidente José Sarney desceu da mesa para cumprimentá-lo. E ele ficou sentado, enquanto Sarney conversava de pé.”

Sarney é um dos poucos senadores contemporâneos dos tempos áureos de Barbalho. Quase todos os que conviveram com ele no auge já se foram, até mesmo os desafetos. Sua rentrée na Casa faz voltar à memória sombrias figuras idas, vivas ou mortas, como Antonio Carlos Magalhães, Luiz Estevão ou José Roberto Arruda, que entre 2000 e 2001 seriam submetidos a processos de cassação. Estevão foi cassado. ACM e Arruda renunciaram.

Dá até um certo saudosismo mórbido: naquele tempo, o Senado viveu uma fase “mágica” de guerra entre coronéis da política. Não eram só bate-bocas triviais ou ocasionais apartes como agora. A troca de insultos pesados era cortesia da casa: ACM chamava Barbalho de “ladrão”, este chamava o baiano de “corrupto” e “farsante”. Barbalho dizia que ACM ia mandar matá-lo, o baiano respondia que o paraense ia acabar preso. Choviam pedidos de CPIs de um lado e de outro. Uma animação que rendia manchetes. Outra época, suspirariam alguns.

Barbalho não tem mais ACM no seu encalço, mas isso não significa que terá paz. Em 7 de fevereiro, feliz ante a possibilidade de uma tarde tranquila pela frente, o senador foi surpreendido ao chegar ao plenário com a notícia de que sofreria um ataque virulento proferido da tribuna por seu atual arqui-inimigo, o senador Mário Couto. Dono de um temperamento histriônico, Couto é conhecido por fazer discursos estapeando a mesa. Contra o peemedebista, o senador tucano, seu conterrâneo do Pará, ameaça desenrolar uma “minissérie” na tribuna cada vez que o colega aparecer em plenário.

Naquela tarde, soltou o primeiro capítulo. “Como é que senadores, políticos que seguiram a mesma carreira minha, entram aqui milionários? Diga-me, nação brasileira, como pode? Aqueles que fizeram exatamente o mesmo caminho que eu, como podem ter televisão, jornais, rádios, fazendas? Como pode, Brasil? Político que só militou na política e que vira rico de uma hora para outra é ladrão!”, desferiu Couto, que reclamava do tratamento dado a ele pelo jornal Diário do Pará, que integra um império de comunicação da família Barbalho.

“Essa minissérie começou hoje. Se querem briga, vamos para a briga, vamos para o pau. Cada um sabe como fede. Esse é o início da minissérie. Pode vir quente que eu estou fervendo”, ameaçou o senador, esbofeteando como sempre a tribuna, com ambas as mãos. Barbalho nem chegou a ouvir o capítulo de estreia: tratou de sair à francesa, pouco antes do discurso do oponente.

Pergunto a Couto por que o desafeto não tem aparecido no plenário. Ele responde com uma gargalhada. “Não imagino por que, será que foi por causa do meu discurso?”, provoca, e aproveita para reclamar das regalias do desafeto. “O gabinete dele é melhor do que o meu, que estou há sete anos aqui.”

Mesmo em seu novo estilo low profile, Barbalho conseguiu uma vaguinha no concorrido anexo I do Senado. “Vaguinha” é modo de dizer: ocupa todo o segundo andar do prédio. E não é só Couto quem anda com ciúmes. Os gabinetes localizados no edifício, um dos dois espigões que costumam aparecer nos cartões postais de Brasília, são objeto de desejo de todos os senadores por darem direito a amplos janelões niemeyerianos, com vista para o Palácio do Planalto. Se continuar afastado do plenário, o que não vai faltar a Barbalho é tempo para apreciar a paisagem.

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