Política

O candidato quer governar SP. Não o Vaticano

Forçar o postulante à prefeitura a falar sobre sexualidade e aborto é o maior atestado da falta de interesse pelo debate

Foto: Flickr
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Não é bem uma tática, mas acontece sempre quando um time entra em pane. Perto dos 40 minutos do segundo tempo, diante de um resultado adverso, o treinador coloca dois ou mais grandalhões no jogo e oficializa o desespero: manda os laterais, meio-campistas e zagueiros lançarem todas as bolas em direção à área. É o chamado bicão. Ou chuveirinho. Às vezes a bola entra e define a sorte de um jogo, um título, uma temporada.

Pode-se passar o tempo todo atacando ou se defendendo dos bicões. Mas o jogo deixa de ser futebol – ao menos aquele que aprendemos, com bola no chão, drible, tabela, chute bem colocado.

Uma cobertura eleitoral é mais ou menos assim. Acontece a cada dois anos. O tempo de entressafra é, em tese, suficiente para candidatos, eleitores e jornalistas se prepararem para ela. E pensar em questões globais ou localizadas antes de se lançar ao debate.

É fato que muitos candidatos não fazem ideia do que querem para a comunidade, o estado, o País, mas contam com marqueteiros para disfarçar a apatia. É a chamada bola na área: na dúvida, fale sobre combater a corrupção e investir em educação. Cria-se assim slogans sobre ideias impraticáveis, mas que todo mundo pensa se tratar apenas de uma “proposta”.

O jornalismo, muitas vezes, não escapa das bolas alçadas na área. A diferença é que não está exposto ao escrutínio eleitoral. Por isso pode lançar quantas bolas na área quiser: na próxima eleição, fará exatamente as mesmas perguntas.

No Brasil, a complexidade de um projeto de cidade ou país é quase sempre ofuscada com as perguntas de sempre: “é a favor da liberação da maconha?”; “é a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo?”; “já praticou ou praticaria aborto?”.

A um candidato a presidente, deputado ou senador, as perguntas podem até fazer sentido. Desde que, respondida a questão, a bola seguisse em frente. Mas não: no primeiro rebote, ela volta para a área – e dá-lhe candidato na reta final de campanha abraçando bispo, pastor, padre e pai de santo pra jurar de pé junto que nunca praticou, nunca vai praticar e jamais vai permitir que se pratique aborto no país. Ou que pessoas do mesmo sexo saiam por aí casando e atentando contra a moral e os bons costumes do eleitor tradicional.

Chegam as eleições municipais e a cidade, com suas máfias, buracos, engarrafamentos, enchentes e deslizamentos volta a ser palco de uma campanha a prefeito do Vaticano. A situação chega a ser surreal. Por exemplo: imagine uma sabatina hipotética em que um candidato solteiro, aparentemente com algumas ideias bem rabiscadas para falar sobre a metrópole, gaste parte do seu tempo (raro tempo na TV expandido graças a alianças com Deus e o diabo) explicando por que ainda está solteiro.

Pode parecer indelicado – e a opção passa a ser perguntar se é válido o eleitor questionar a sexualidade do candidato (afinal, não se fala em outra coisa no Capão Redondo). Pode-se também insistir e dizer que o eleitor tem o direito de saber. E perguntar se o candidato está, afinal, confortável em saber que o leitor quer tanto saber (sic) como um católico solteiro lida com a sexualidade. Quando um não quer, dois não jogam, ensina a regra básica esportiva. Bolão na área se responde com bicão pra frente: “Se tiver um candidato homossexual que queira dizer [que é gay], acho importante”.

Mas nem só sobre a sexualidade do candidato rondam as preocupações do paulistano. Já imaginou se o futuro prefeito da maior cidade da América Latina sai por aí rabiscando a Constituição Federal garantindo que toda mulher em sua cidade faça um aborto anual?

Não é preciso explicar que a caneta de um prefeito não tenha tal alcance, mas, por via das dúvidas, vale lançar uma bolinha a mais para a área e trancar o jogo. “Minha opinião sobre aborto é uma questão jurídica”, responde o candidato classificado como “a favor da vida”.

A essa altura do campeonato (faltam ainda dois meses para a eleição) a resposta pouco importa. O empate sem gols é o melhor resultado para quem não está disposto a jogar futebol. E, no jornalismo, emplacar o não-assunto é a melhor forma de protelar qualquer debate.

Não é bem uma tática, mas acontece sempre quando um time entra em pane. Perto dos 40 minutos do segundo tempo, diante de um resultado adverso, o treinador coloca dois ou mais grandalhões no jogo e oficializa o desespero: manda os laterais, meio-campistas e zagueiros lançarem todas as bolas em direção à área. É o chamado bicão. Ou chuveirinho. Às vezes a bola entra e define a sorte de um jogo, um título, uma temporada.

Pode-se passar o tempo todo atacando ou se defendendo dos bicões. Mas o jogo deixa de ser futebol – ao menos aquele que aprendemos, com bola no chão, drible, tabela, chute bem colocado.

Uma cobertura eleitoral é mais ou menos assim. Acontece a cada dois anos. O tempo de entressafra é, em tese, suficiente para candidatos, eleitores e jornalistas se prepararem para ela. E pensar em questões globais ou localizadas antes de se lançar ao debate.

É fato que muitos candidatos não fazem ideia do que querem para a comunidade, o estado, o País, mas contam com marqueteiros para disfarçar a apatia. É a chamada bola na área: na dúvida, fale sobre combater a corrupção e investir em educação. Cria-se assim slogans sobre ideias impraticáveis, mas que todo mundo pensa se tratar apenas de uma “proposta”.

O jornalismo, muitas vezes, não escapa das bolas alçadas na área. A diferença é que não está exposto ao escrutínio eleitoral. Por isso pode lançar quantas bolas na área quiser: na próxima eleição, fará exatamente as mesmas perguntas.

No Brasil, a complexidade de um projeto de cidade ou país é quase sempre ofuscada com as perguntas de sempre: “é a favor da liberação da maconha?”; “é a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo?”; “já praticou ou praticaria aborto?”.

A um candidato a presidente, deputado ou senador, as perguntas podem até fazer sentido. Desde que, respondida a questão, a bola seguisse em frente. Mas não: no primeiro rebote, ela volta para a área – e dá-lhe candidato na reta final de campanha abraçando bispo, pastor, padre e pai de santo pra jurar de pé junto que nunca praticou, nunca vai praticar e jamais vai permitir que se pratique aborto no país. Ou que pessoas do mesmo sexo saiam por aí casando e atentando contra a moral e os bons costumes do eleitor tradicional.

Chegam as eleições municipais e a cidade, com suas máfias, buracos, engarrafamentos, enchentes e deslizamentos volta a ser palco de uma campanha a prefeito do Vaticano. A situação chega a ser surreal. Por exemplo: imagine uma sabatina hipotética em que um candidato solteiro, aparentemente com algumas ideias bem rabiscadas para falar sobre a metrópole, gaste parte do seu tempo (raro tempo na TV expandido graças a alianças com Deus e o diabo) explicando por que ainda está solteiro.

Pode parecer indelicado – e a opção passa a ser perguntar se é válido o eleitor questionar a sexualidade do candidato (afinal, não se fala em outra coisa no Capão Redondo). Pode-se também insistir e dizer que o eleitor tem o direito de saber. E perguntar se o candidato está, afinal, confortável em saber que o leitor quer tanto saber (sic) como um católico solteiro lida com a sexualidade. Quando um não quer, dois não jogam, ensina a regra básica esportiva. Bolão na área se responde com bicão pra frente: “Se tiver um candidato homossexual que queira dizer [que é gay], acho importante”.

Mas nem só sobre a sexualidade do candidato rondam as preocupações do paulistano. Já imaginou se o futuro prefeito da maior cidade da América Latina sai por aí rabiscando a Constituição Federal garantindo que toda mulher em sua cidade faça um aborto anual?

Não é preciso explicar que a caneta de um prefeito não tenha tal alcance, mas, por via das dúvidas, vale lançar uma bolinha a mais para a área e trancar o jogo. “Minha opinião sobre aborto é uma questão jurídica”, responde o candidato classificado como “a favor da vida”.

A essa altura do campeonato (faltam ainda dois meses para a eleição) a resposta pouco importa. O empate sem gols é o melhor resultado para quem não está disposto a jogar futebol. E, no jornalismo, emplacar o não-assunto é a melhor forma de protelar qualquer debate.

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