Política

O acerto de contas do Brasil (democrático)

O impeachment é o Brasil dando marcha a ré na história

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O jogo está posto. Nas ruas, nos gabinetes fechados, no Palácio do Jaburu, o impeachment está na ordem do dia. O seu desfecho definirá as próximas décadas do País, no que talvez seja o capítulo mais importante desde a redemocratização em 1985. Em 20, 30 anos, o que irão dizer os livros sobre 2015? Teremos reafirmado nossa democracia na sociedade “mais ou menos” que criamos, ou teremos tropeçado no Estado de Direito entorpecidos com os piores vícios de nossa (falta de) política?

Vive-se o fim de um ciclo. Está ruindo a Nova República, a que emergiu do grande conchavo entre um regime militar que capitulava por desgaste de material, um setor produtivo que queria superar uma crise (após haver lucrado muito) e pela gente que lutava por democracia e empurrava a opinião pública. Parece ter chegado a hora de renovar o pacto político que fundou o Brasil contemporâneo, selado na Constituição de 1988. 

O desfecho do impeachment é incerto, ainda que haja esperança de juízo e respeito à institucionalidade, conquistada a duras penas.

A conversa que se houve em vários círculos é a de que sob Dilma Rousseff o País não cresce e se afunda na crise até as eleições de 2018. Gritaria inconsequente de parte do setor produtivo (olá Fiesp!), o capitalismo tupiniquim que nunca conseguiu ser uma direita democrática, incorporando volta e meia o espírito da UDN golpista.

Tentam basear seu argumento em cálculos econômicos que de tão mal feitos beiram o cinismo, o mesmo definido na literatura de Oscar Wilde (aquelas pessoas que sabem o preço de tudo e o valor de nada).

Como seria o Brasil de Michel Temer, cacique-mór do PMDB, com apoio do neogolpista PSDB? Engana-se quem pensa que Temer seria um Itamar Franco, que após a queda de Fernando Collor em 1992 logrou algum consenso para segurar as rédeas do País. Temer seria um presidente sob suspeita, sem confiança – conseguiria terminar o mandato? Certo só é que subiria em meio ao caos social instalado, resultante de tamanho desarranjo institucional representado por um impeachment detonado por ninguém menos que Eduardo Cunha.

Temer também assinou as pedaladas fiscais que hoje motivam o pedido de afastamento de Dilma. Não sobra dúvidas de que enfrentaria de cara um pedido de impeachment (e o Brasil agonizando no buraco sem fundo onde se meteu). Ao respaldar o impeachment, alguns senhores não levaram em conta a ira das ruas, das ocupações e greves que chegarão junto com o ajuste que se avizinha (qualquer seja o presidente).

Talvez não tenham visto o que pensa a opinião pública internacional a respeito do impeachment (New York Times, Economist, Financial Times, Forbes). É o Brasil voltando a ser uma republiqueta instável.

O discurso anticorrupção move outra vez a opinião pública, a que está a favor do impeachment, e a que o considera um golpe branco. Motivos não faltam para gritar contra a corrupção: escândalo na Petrobras, mensalão petista, mensalão tucano, tremsalão em SP.  O que sairá do processo? Um Brasil menos corrupto e mais eficiente? Ou o velho país do PMDB?

No centro da tormenta, a presidenta Dilma Rousseff parece ser tragada pela faxina da Lava Jato, que já prendeu um senador do PT e vários capas do partido. Ocorre que, ironicamente, o alvo maior de todas as críticas é a única integrante da cena a quem não recaem dúvidas de integridade pessoal.

Pode-se odiar o governo Dilma, mas ninguém em sã consciência imagina a mulher com contas milionárias na Suíça. O mesmo não se pode dizer, ou até saber, dos outros que conspiram pelo impedimento. 

Em suma, o impeachment é o Brasil dando marcha a ré na história. Espere-se um festival de pedidos para afastar governadores e prefeitos, e uma grande instabilidade jurídico-político-administrativa. Afinal, dar pedalada fiscal é quase parte do expediente da nação. 

Se Dilma resistir, serão três anos suados pela frente. O Brasil entrou em ebulição e, além de resolver a recessão, é preciso propor um novo pacto político como o de 1985. Dilma não terá alternativa senão tentar. Se vai conseguir, os próximos meses dirão.

É preciso fazer reformas estruturais, regular a escandalosa atividade política em voga no País. É preciso mais eficiência e menos patrimonialismo, e melhorar a lei de financiamento de campanha (ou alguém acredita que o fim do financiamento empresarial por si só evitará o caixa 2 e outras mutretas?). 

Se os brasileiros realmente querem mudar o país é preciso mirar o Congresso. É necessário baratear o processo eleitoral, incluir mulheres, negros, LGBTs, índios, e limitar o número de mandatos parlamentares (2, talvez 3 consecutivos), eliminando a figura do deputado profissional que reina na plutocracia. É um dever estourar a bolha da classe política.

O que justifica o Estado, por exemplo, manter apartamentos gigantescos para serem usados apenas nos três dias da semana em que os parlamentares ficam em Brasília? Hora de rever o sistema de eleição proporcional (distrital puro seria retrocesso), redefinir o funcionamento dos partidos, separar campanhas de governador das de presidente. 

Isso sem falar em uma reforma tributária que retire impostos da produção e que taxe os rendimentos financeiros. Nenhum país da OCDE (os mais desenvolvidos) deixou de taxar os rendimentos, mas em 1995, no Brasil, acharam que era boa ideia dar esse agrado ao mercado financeiro. Sobre isso nem o Pato da Fiesp nem Aécio Neves falam. 

Ainda não se sabe como sairão os grandes partidos dessa história. O PT vai sobreviver com alguma força? O que separará o PSDB da UDN? O PMDB continuará na base de todo governo eleito do país? Qual será o papel de outras forças políticas minoritárias, à esquerda e à direita? 

Em 2015 o Brasil se deparou consigo. E este ano, de tão longo, pode ser que só acabe depois do Carnaval.

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