Política

Lula: os limites e a história

O ex-presidente é alvo prioritário porque mobiliza as massas; ele deveria perceber que não é mais possível buscar a conciliação com a elite

Apoie Siga-nos no

Durante a entrevista coletiva para responder ao espetáculo midiático do Ministério Público, Lula conseguiu deixar claro porque é o alvo prioritário da caça às bruxas montada pela elite econômica (a plutocracia) do País. Essa elite que, mesmo não sendo majoritariamente conservadora e fascista, não teve problemas em se aliar aos fascistas e ultraconservadores, aos homofóbicos, aos fundamentalistas e a tudo o que há de mais atrasado, para recuperar o governo sem votos e defender seus privilégios. Essa elite oligárquica e escravocrata que é capaz de tudo para aumentar seus lucros. 

O ex-presidente Lula é seu alvo prioritário porque ele consegue atingir, através da sua linguagem, o conjunto da população, inclusive aquela parcela mais pobre, no sentido de uma maior conscientização e do seu empoderamento. Lula os assusta porque se parece muito com o brasileiro pobre, como é a maioria do nosso povo, mas ao mesmo tempo tem um prestígio e uma força política que nunca antes foi construída por um trabalhador.  

Lula convence as pessoas porque é a própria expressão da mobilidade social. É alguém nascido na pobreza e com quem as elites tradicionais ainda não se acostumaram a ter de lidar nos palácios. Eu sinto uma grande empatia por ele, apesar de todas as críticas que eu tenho ao PT e das diferenças políticas que existem entre nós, porque eu conheço muito bem esse olhar de desprezo, repulsa, subestimação e arrogância que os políticos tradicionais me dedicaram desde que cheguei ao Congresso, por ser veado, nordestino, nascido e criado numa periferia pobre e ainda vencedor de um programa de televisão de massas.

Eles não aceitam que gente como a gente (gente que sabe o que é passar fome, sair para trabalhar na rua ainda criança, não ter dinheiro para o ônibus e sofrer o preconceito dos outros pela cor, a origem social ou a sexualidade) ocupe espaços de poder institucional e conquiste o respeito de milhões de pessoas. Eles acham isso inadmissível, intolerável. Eu sei disso.

A farsa montada com ares de show de rock pelo Ministério Público, coisa que nunca se viu antes para nenhum dos barões de sobrenomes conhecidos, é sintomática dessa relação de classe. Para Lula, as leis devem ser reinterpretadas e distorcidas como quer que seja para que ele saia do meio, para tirar sua presença ameaçadora do cenário político.

Contra ele, a base de eleitores dos políticos corruptos que tramaram o golpe (quanto ele errou ao se aliar com eles e achar que não o trariam assim que pudessem!) é capaz de se vestir de verde-amarelo contra a corrupção. As definições de hipocrisia e cinismo foram atualizadas! 

É que, às vezes, o preconceito não acaba. Ele se transforma. O que era explícito, dito, gritado, agora é uma implicância anormal. É uma regra que se aplica com mais rigor. É uma cobrança que não incide sobre os demais. É a mesma coisa de antes, porém mais silenciosa. Em vez de ter de lidar com a contradição do próprio preconceito, há quem prefira acreditar que defende a lei ou “a Pátria” no exercício das mesmas vicissitudes. Como o Lula disse nesta quinta-feira 15, tem gente que lança uma mentira e depois passa boa parte da vida tentando fazer com que ela pareça verdade. 

Há contradições e houve erros gravíssimos. Lula deveria perceber, após o golpe do PMDB contra a presidenta Dilma Rousseff, que boa parte dos nossos limites para democratizar mais o País são consequência da opção por conciliar com quem só pensa nos seus próprios interesses, essa elite oligárquica e egoísta. Inclusive graças aos avanços recentes que tivemos, hoje nós temos clareza de que é possível avançar mais do que foi proposto para reformas estruturais.

Vejamos o próprio Ministério Público, acossado de privilégios de toda sorte e com uma atuação quase exclusiva sobre a punição dos mais pobres. Ou, se não, vejamos o poder que adquiriram as grandes empreiteiras, os ruralistas e os religiosos fundamentalistas.

Uma nova etapa política, para avançar ainda mais que Lula e superar seus limites, dependerá da compreensão de que os ganhos sociais precisam estar acompanhados de algum ganho estruturante: mais participação, transparência, diversidade, menos força da grana, menos conciliação com os donos de tudo e com os delinquentes políticos que sempre cuidaram dos interesses das elites em troca de algumas vantagens pessoais, mais Estado laico, mais direitos e empoderamento das mulheres, LGBTs e negros e negras, mais consciência ambiental. Tem toda uma agenda que as novas esquerdas precisam incorporar. 

Mas todas as nossas críticas não podem justificar que nos omitamos diante do que está acontecendo hoje. A grande mídia empresarial, sempre a serviço dos interesses de seus donos (apesar do profissionalismo de muitos bons jornalistas que fazem seu trabalho da melhor maneira possível), precisa deixar de tentar colar em Lula a pecha de “chefe da organização criminosa”.

Um olhar cuidadoso sobre a nossa realidade vai perceber que Lula não poderia ser chefe de um problema que já existia antes de ele nascer. Basta uma rápida passagem sobre pequenas câmaras municipais de qualquer pequena cidade no interior do País para perceber que Lula não está chefiando organização nenhuma, mas que, na verdade, cometeu o erro de conciliar demais com essas estruturas preexistentes. 

O acerto de Lula foi entender que o desenvolvimento do Brasil somente acontecerá a partir de uma melhora dos que têm menos, ou seja, da ampliação de oportunidades, da capacitação, da inclusão, do estimulo à inovação. Seu erro foi ter acreditado que canalhas poderiam pactuar com esses interesses coletivos em detrimento de vantagens pessoais, ter achado que era possível conciliar com eles, e deixar no caminho parte das agendas da esquerda nessa conciliação.

Coisa que PT e PCdoB demonstram que ainda não aprenderam, ao formar alianças nessa eleição municipal com os mesmos que apoiaram o impeachment de Dilma em cidades de todos os estados brasileiros, ou jogando indiretamente como linha auxiliar deles para obstaculizar o crescimento de alternativas reais de esquerda, como acontece no Rio de Janeiro.  

Acredito que devemos tomar essas duas lições. Os bons momentos do governo Lula provaram o acerto em pensar uma política que prioriza a ascensão social. Os ruins, por sua vez, provaram que a sustentação de um nível mais elevado de democracia pode ser comprometida pela conciliação com as elites econômicas, os setores corrompidos da política, fundamentalistas e conservadores. Nós precisamos ter clareza de ambas as lições para construir um projeto que garanta os ganhos de Lula e que também seja capaz de superar seus limites.

Mas precisamos muito (e digo isso principalmente para os que acreditam, como eu, que é necessário construir uma esquerda que supere os limites do lulismo e não repita seus erros) ser justos e coerentes e não revanchistas, nem ressentidos. Critiquemos, discutamos e tentemos construir o novo, mas não aceitemos, apenas por achar que nos convém, essa caça às bruxas contra Lula.  A história não nos perdoaria esse erro. E seria uma enorme injustiça.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.