Política

Governo Temer dá início a caça às bruxas no Ipea

Pesquisadora que produziu estudo crítico à PEC 241 deixa o cargo após ‘intimidação’ do presidente do órgão. Associação de funcionários reage

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Uma Nota Técnica crítica à PEC 241, e publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), desencadeou um clima de “intimidação” entre servidores e funcionários do órgão. Tudo porque o presidente da instituição, Ernesto Lozardo, ficou contrariado com o conteúdo e utilizou site e canais de comunicação da instituição para questionar publicamente as conclusões do estudo, assinado por funcionários do próprio órgão, algo inédito na história do Ipea. A situação levou a pesquisadora Fabíola Sulpino Vieira, uma das autoras da nota, a pedir exoneração do cargo.

A resposta de Lozardo foi publicada na última terça-feira (11) no site da instituição, após uma ligação do presidente Michel Temer. Nesse dia, o jornal Folha de S.Paulo chegou a mencionar em um de seus editoriais a Nota Técnica nº 28, intitulada “Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do sistema único de saúde e para a efetivação do direito à saúde no Brasil”, e assinada por Fabíola e Rodrigo Benevides. Uma das principais conclusões do estudo é que a PEC 241 pode gerar uma perda de 743 bilhões de reais para a saúde em 20 anos.

Em resposta, o texto do presidente diz que as análises contidas na Nota Técnica “são de inteira responsabilidade dos autores” e “não representam a posição do Ipea”. Lozardo também classifica o texto de Fabíola e Benevides de “”irrealista” e “desconectado”.

Antes de publicar um texto com dez tópicos, rebatendo os argumentos dos funcionários, Lozardo teria pedido explicações a Fabíola e acusado a funcionária de tentar dar publicidade ao conteúdo da Nota Técnica, por meio da imprensa. No início do mês, no entanto, a reportagem de CartaCapital chegou a procurar Fabíola Sulpino Vieira para uma entrevista sobre a Nota Técnica e a PEC 241, mas a funcionária negou a entrevista e encaminhou o pedido para a assessoria de imprensa do órgão. Ela também negou outros pedidos de órgãos de imprensa ao longo das últimas semanas.

Apesar de as críticas feitas por Lozardo, o estudo passou por diversas etapas antes de ser publicado em setembro. Um dos processos comuns à publicação de um Nota Técnica é a apresentação do conteúdo em um seminário interno aberto a todos os pesquisadores do Ipea e com a presença de cerca de 40 colegas da casa. Além disso, o conteúdo do estudo foi apresentado e debatida em reunião da Diretoria Colegiada. Isso quer dizer que todos os membros da diretoria da Presidência tiveram a oportunidade de conhecer e avaliar previamente os resultados.

 

À reportagem de CartaCapital, em condição de anonimato, funcionários e servidores dizem que a postura do presidente Ernesto Lozardo foi interpretada como um “ato de violência” contra a instituição. A diretoria da Associação dos Funcionários do Ipea (Afipea) divulgou um comunicado, nesta sexta-feira (14), em que diz que o texto assinado pela Presidência do Ipea “impõe constrangimentos à atuação dos pesquisadores da instituição no alcance de um dos seus principais objetivos”.

“Assim, a Afipea vem manifestar solidariedade e apoio ao grupo técnico envolvido nos estudos sobre a PEC 241 e repudiar o procedimento adotado pela Presidência do Ipea, comprometendo-se a permanecer vigilante em relação a quaisquer atitudes que impliquem constrangimento aos pesquisadores e desqualificação de seus trabalhos”, conclui o texto.

Em agosto, CartaCapital publicou uma reportagem na qual relatava recados dados por Lozardo para os funcionários da instituição. Ele repetiu em ao menos duas oportunidades que o órgão tem de dar retaguarda ao governo nos debates técnicos. “Ou o Ipea fala no mesmo sentido do governo ou então não fala”: é uma das frases atribuídas a ele, em atas de reunião que circularam nos e-mails dos servidores.

Na época, as falas do presidente do Ipea já eram interpretadas pelos funcionários como um alerta de que, sob seu comando, o órgão não poderia contradizer as políticas e ações do governo. Na ocasião da reportagem, por meio de sua assessoria de imprensa, Lozardo não negou as afirmações publicadas. Ele apenas lamentou que “comentários feitos em ambiente privado tenham sido usados fora de contexto, o que resultou em uma interpretação equivocada dos fatos”.

Amigo de longa data de Michel Temer, o economista Ernesto Lozardo já havia trabalhado na gestão da presidenta Dilma Rousseff, quando ganhou o cargo de assessor especial da presidência do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), justamente por indicação do peemedebista. Quando Temer assumiu a Presidência no lugar de Dilma, Lozardo chegou a pedir para ser indicado para o cargo de presidente do banco, mas não foi atendido pelo “amigo Michel”, como se refere ao presidente, porque o governo sofria pressão para nomear uma mulher para um cargo importante na Esplanada.

Confira a íntegra da Nota Técnica sobre os impactos da PEC 241 na saúde:

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