Política

Gilmar Mendes recria a velha máxima: Aos amigos, a lei

A repentina indignação do ministro do STF com vazamentos da Lava Jato leva à suspensão da delação de Léo Pinheiro, para o júbilo dos tucanos

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Na corroída tubulação da Lava Jato, os vazamentos de informações classificadas pela Justiça como sigilosas são tão frequentes e volumosos que é preciso certa licença poética no emprego do termo. A torneira está aberta há mais de dois anos, mas só agora começou a incomodar próceres do Judiciário. Ao que parece, a água suja bateu em pés santificados.

“É preciso colocar freios”, pontificou o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, ao externar a sua repentina aversão à prática. A indignação é tão forte, tão arrebatadora, que contagiou o procurador geral da República, Rodrigo Janot. Pela primeira vez na história da operação, ele decidiu romper a negociação de uma colaboração premiada.

A suspensão não atinge uma delação qualquer. Janot abre mão das revelações feitas por Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, o mesmo empreiteiro que, segundo relatos vazados à mídia, estaria disposto a incriminar dois caciques do PSDB: o chanceler do governo provisório, José Serra, e o senador mineiro Aécio Neves, presidente nacional da legenda.

A decisão foi anunciada pela PGR após o constrangimento causado a um integrante do STF por mais um vazamento da delação. O nome de José Antônio Dias Toffoli teria sido mencionado nas conversas entre Pinheiro e procuradores da Lava Jato, e logo foi parar na capa da revista Veja do último fim de semana. Uma história prosaica, desprovida de qualquer indício robusto de crime que possa ser atribuído ao magistrado.

Segundo a publicação da Editora Abril, Pinheiro relatou aos investigadores que engenheiros da OAS fizeram uma vistoria na casa de Toffoli, após ele se queixar de problemas de infiltração. O ministro do STF teria contratado uma empresa indicada pelo empreiteiro para fazer a reforma. Toffoli garante ter pago a obra do seu próprio bolso. Eis o resumo.

Ao ver o colega de toga citado, Mendes partiu para o ataque. “É preciso colocar freios nisso, nesse tipo de conduta. No caso específico do ministro Toffoli, provavelmente entrou na mira dos investigadores por uma ou outra decisão que os desagradou”, afirmou, na terça-feira 23. “Isso já ocorreu antes no Brasil. O cemitério está cheio desses heróis”.

A linguagem ameaçadora não chega a surpreender. Em 2009, durante uma discussão no plenário da Corte, o ex-ministro Joaquim Barbosa chegou a reagir ao estilo agressivo de Mendes: “Vossa excelência não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar”. O que causa assombro é a tardia – e conveniente – indignação com os vazamentos da Lava Jato, que vertem impunemente desde 2014.

Às vésperas do segundo turno das eleições daquele ano, a mesma revista Veja estampou em sua capa as fotos de Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula, com a chamada “Eles sabiam de tudo”, amparadas em trechos da delação do doleiro Alberto Youssef, pinçados para a finalidade pretendida. O hoje indignado ministro do STF silenciou.

Mendes também não viu problemas na divulgação das conversas entre Lula e Dilma, interceptadas fora do período autorizado pela Justiça. Ao contrário, considerou a revelação do grampo ilegal como “correta”. Mais do que isso: declarou que o importante era o conteúdo, e não hesitou em usá-lo como argumento para suspender a posse de Lula como ministro.

“Aos amigos tudo, aos inimigos a lei”, diz a velha máxima. Magistrado de indisfarçáveis suas predileções tucanas, Mendes decidiu recriar o adágio, bem ao seu peculiar estilo: “Aos amigos, e somente a eles, a lei”.

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