Cultura

Cultura em Pernambuco: entre a propaganda e o calote

O Estado se auto-intitula o reduto multicultural do País, mas não paga os artistas responsáveis pela tal diversidade

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Talvez pelo fato de promover um carnaval democrático ou por ser a terra natal do frevo, do maracatu e do manguebit, Pernambuco é o estado que mais se vangloria de ser uma espécie de reduto nacional da diversidade cultural. Ao longo do ano, são inúmeros e dos mais diversos os eventos anunciados tanto pelo governo estadual, como pela prefeitura do Recife, e se propaganda é questão levada a sério, o comprometimento não é o mesmo na hora de quitar os cachês combinados com os artistas – justo eles, os responsáveis pela tal diversidade.

O caso mais recente de que se tem conhecimento é o de Francisco Carlos, dramaturgo, ator e diretor de teatro. Sua peça, Jaguar Cibernético, participou do XIV Festival Recife de Teatro Nacional, em novembro do ano passado. Pelo contrato, o acordo era que seu grupo recebesse o dinheiro quinze dias após a apresentação. Quase oito meses se passaram e, até agora, nenhum sinal.

Maria Rosário Teixeira Dmitruk, produtora executiva da peça, conta que não se trata apenas do cachê. Para participar do festival, o grupo financiou do próprio bolso o dinheiro necessário para custos de contratação de contra-regras, sistema de som e de iluminação e transporte do cenário, de modo que ao fim do festival, contraditoriamente, estava com dívidas. “Eu tenho tudo documentado. A Secretaria de Cultura do Recife falou que em quinze dias depositaria o reembolso e até agora nada. Eu investi o dinheiro do grupo e do meu próprio bolso para poder participar do Festival”, conta a produtora.

Começou então uma saga: “Veio dezembro e nada. Cada dia era uma desculpa. Depois do ano novo diziam que era porque o Secretário de Cultura havia saído de férias e que não tinha dado baixa para que o dinheiro fosse liberado”, relata. Em fevereiro, a prefeitura afirmou que todo o dinheiro da secretaria seria destinado para o carnaval. Em abril, Renato L, ex-secretário de Cultura, pediu exoneração do cargo, o que acarretou em ainda mais atrasos.

No dia 13 de julho o grupo entrou no Teatro Aliança Francesa, em São Paulo, com a mesma Jaguar Cibernético. Sem o dinheiro, a estreia trouxe mais dívidas, o que fez com que Francisco Carlos chegasse ao seu nível máximo de indignação. “Ficamos sem nossos cachês e ainda humilhados. Num país como o nosso em que as verbas para a cultura são irrisórias, mínimas e miseráveis, os órgãos oficiais de cultura ainda ficam com o pouco que de direito é nosso. Isso é um assalto público”, revoltou-se em nota oficial enviada à imprensa.

De acordo com Rosário, os demais grupos de São Paulo receberam o dinheiro conforme o contrato. “Há três semanas me pediram para que eu enviasse novamente todos os documentos que provam que nós participamos do festival. O caso é que nós fomos especialmente convidados para participar, nossa peça era anunciada como um dos destaques da programação”, afirma. E lamenta: “A gente tenta viver de cultura nesse País, mas desse jeito é muito difícil.”

Problema antigo

Não é a primeira vez que um artista reclama da falta de pagamento por parte da Prefeitura do Recife, tampouco do governo de Pernambuco. Bandas como Nação Zumbi, Mombojó e o cantor China já falam dos calotes há anos. Fábio Trumman, vocalista e guitarrista da banda Eddie, uma das precursoras do manguebit, afirma que esse cenário é fruto de uma extrema falta de organização por parte dos órgãos de cultura do governo. “Todos os trâmites são muito burocráticos e também é tudo muito mal explicado, os valores mal apresentados”, analisa.

A própria Eddie já sofreu com esses processos. No Réveillon de 2011 a banda realizou um show, contratada pela prefeitura do Recife. Depois de muito cobrar, recebeu seu cachê apenas em janeiro deste ano.

Trumman explica que geralmente os acordos são feitos por meio de produtoras particulares, contratadas pela prefeitura ou pelo governo. “É claro que os órgãos públicos devem ser cobrados, afinal, foram eles quem contrataram os serviços dessas empresas, mas o que eu reivindico é que o processo é muito antigo, incompatível com nossa realidade. São pouquíssimas as pessoas para gerenciar uma grande quantidade de eventos, os trabalhos ficam acumulados e vão ficando para trás”, afirma.

Para o músico, é importante tratar do assunto principalmente por conta dos artistas sem articulação. “Os artistas mais populares, que não conhecem jornalistas, que não conhecem pessoas que trabalham nessas secretarias, acabam sem receber. Parece que eles veem a contratação como um favor que eles estão fazendo”, diz. “Meu interesse em falar sobre isso é porque eu quero que as coisas aconteçam em Pernambuco. Se você for pensar, o carnaval é realmente multicultural, você vê que há um esforço para desenvolver essa parte. Mas um Estado que utiliza tanto o marketing cultural deveria, no mínimo, rever essa estrutura”, conclui.

Quinze dias

Em nota, a Secretaria de Cultura do Recife afirmou que o problema de falta de pagamento a artistas jamais havia acontecido com o Festival Recife de Teatro Nacional. “A Secretaria tem honrado os pagamentos aos grupos que se apresentam nos eventos desenvolvidos com apoio da gestão municipal e em 14 edições do Festival Nacional nunca houve problemas com documentação e pagamentos dos grupos participantes”, esclareceu.

Ainda, comprometeu-se a realizar o pagamento até o dia 5 de agosto. “O Festival Recife do Teatro Nacional é um evento de grande relevância para a gestão municipal. Por isso, tem buscado a cada ano valorizar e investir cada vez mais na realização do evento já consolidado na cidade”, completou.

Talvez pelo fato de promover um carnaval democrático ou por ser a terra natal do frevo, do maracatu e do manguebit, Pernambuco é o estado que mais se vangloria de ser uma espécie de reduto nacional da diversidade cultural. Ao longo do ano, são inúmeros e dos mais diversos os eventos anunciados tanto pelo governo estadual, como pela prefeitura do Recife, e se propaganda é questão levada a sério, o comprometimento não é o mesmo na hora de quitar os cachês combinados com os artistas – justo eles, os responsáveis pela tal diversidade.

O caso mais recente de que se tem conhecimento é o de Francisco Carlos, dramaturgo, ator e diretor de teatro. Sua peça, Jaguar Cibernético, participou do XIV Festival Recife de Teatro Nacional, em novembro do ano passado. Pelo contrato, o acordo era que seu grupo recebesse o dinheiro quinze dias após a apresentação. Quase oito meses se passaram e, até agora, nenhum sinal.

Maria Rosário Teixeira Dmitruk, produtora executiva da peça, conta que não se trata apenas do cachê. Para participar do festival, o grupo financiou do próprio bolso o dinheiro necessário para custos de contratação de contra-regras, sistema de som e de iluminação e transporte do cenário, de modo que ao fim do festival, contraditoriamente, estava com dívidas. “Eu tenho tudo documentado. A Secretaria de Cultura do Recife falou que em quinze dias depositaria o reembolso e até agora nada. Eu investi o dinheiro do grupo e do meu próprio bolso para poder participar do Festival”, conta a produtora.

Começou então uma saga: “Veio dezembro e nada. Cada dia era uma desculpa. Depois do ano novo diziam que era porque o Secretário de Cultura havia saído de férias e que não tinha dado baixa para que o dinheiro fosse liberado”, relata. Em fevereiro, a prefeitura afirmou que todo o dinheiro da secretaria seria destinado para o carnaval. Em abril, Renato L, ex-secretário de Cultura, pediu exoneração do cargo, o que acarretou em ainda mais atrasos.

No dia 13 de julho o grupo entrou no Teatro Aliança Francesa, em São Paulo, com a mesma Jaguar Cibernético. Sem o dinheiro, a estreia trouxe mais dívidas, o que fez com que Francisco Carlos chegasse ao seu nível máximo de indignação. “Ficamos sem nossos cachês e ainda humilhados. Num país como o nosso em que as verbas para a cultura são irrisórias, mínimas e miseráveis, os órgãos oficiais de cultura ainda ficam com o pouco que de direito é nosso. Isso é um assalto público”, revoltou-se em nota oficial enviada à imprensa.

De acordo com Rosário, os demais grupos de São Paulo receberam o dinheiro conforme o contrato. “Há três semanas me pediram para que eu enviasse novamente todos os documentos que provam que nós participamos do festival. O caso é que nós fomos especialmente convidados para participar, nossa peça era anunciada como um dos destaques da programação”, afirma. E lamenta: “A gente tenta viver de cultura nesse País, mas desse jeito é muito difícil.”

Problema antigo

Não é a primeira vez que um artista reclama da falta de pagamento por parte da Prefeitura do Recife, tampouco do governo de Pernambuco. Bandas como Nação Zumbi, Mombojó e o cantor China já falam dos calotes há anos. Fábio Trumman, vocalista e guitarrista da banda Eddie, uma das precursoras do manguebit, afirma que esse cenário é fruto de uma extrema falta de organização por parte dos órgãos de cultura do governo. “Todos os trâmites são muito burocráticos e também é tudo muito mal explicado, os valores mal apresentados”, analisa.

A própria Eddie já sofreu com esses processos. No Réveillon de 2011 a banda realizou um show, contratada pela prefeitura do Recife. Depois de muito cobrar, recebeu seu cachê apenas em janeiro deste ano.

Trumman explica que geralmente os acordos são feitos por meio de produtoras particulares, contratadas pela prefeitura ou pelo governo. “É claro que os órgãos públicos devem ser cobrados, afinal, foram eles quem contrataram os serviços dessas empresas, mas o que eu reivindico é que o processo é muito antigo, incompatível com nossa realidade. São pouquíssimas as pessoas para gerenciar uma grande quantidade de eventos, os trabalhos ficam acumulados e vão ficando para trás”, afirma.

Para o músico, é importante tratar do assunto principalmente por conta dos artistas sem articulação. “Os artistas mais populares, que não conhecem jornalistas, que não conhecem pessoas que trabalham nessas secretarias, acabam sem receber. Parece que eles veem a contratação como um favor que eles estão fazendo”, diz. “Meu interesse em falar sobre isso é porque eu quero que as coisas aconteçam em Pernambuco. Se você for pensar, o carnaval é realmente multicultural, você vê que há um esforço para desenvolver essa parte. Mas um Estado que utiliza tanto o marketing cultural deveria, no mínimo, rever essa estrutura”, conclui.

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Ainda, comprometeu-se a realizar o pagamento até o dia 5 de agosto. “O Festival Recife do Teatro Nacional é um evento de grande relevância para a gestão municipal. Por isso, tem buscado a cada ano valorizar e investir cada vez mais na realização do evento já consolidado na cidade”, completou.

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